A mão invisível do mercado prega peças até mesmo nas fileiras do exército antimercado
A mão invisível do mercado, como a chamava Adam Smith, aprontou mais uma das suas.
Alguém se lembra do Occupy Wall Street? Claro que sim. Por via das dúvidas, vamos procurar a definição de domínio público registrada para a posteridade na democrática Wikipedia:
"Occupy Wall Street ('Ocupe Wall Street'), OWS, é um movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas - sobretudo do setor financeiro - no governo dos Estados Unidos. Iniciado em 17 de setembro de 2011, no Zuccotti Park, no distrito financeiro de Manhattan, na cidade de Nova York, o movimento ainda continua, denunciando a impunidade dos responsáveis e beneficiários da crise financeira mundial. Posteriormente surgiram outros movimentos Occupy por todo o mundo.”
Na verdade, pode-se dizer que o Ocuppy Wall Street foi uma espécie de sequência das batalhas campais contra a Organização Mundial do Comércio (a batalha de Seattle, em 1999, onde começaram a aparecer destrutivos e irados Black Blocs, pode ser considerado o momento fundador desse movimento anti-qualquer-coisa) e que teve reverberações da Primavera Árabe, das ocupações das praças espanholas, dos protestos gregos contra a austeridade, etc).
Em alguns casos, os protestos se perderam no vento. Em outros, como na Espanha e na Grécia, os movimentos se transformaram em partidos políticos de extrema esquerda, como o Podemos, que cresceu muito nas últimas eleições municipais espanholas, e o Syriza, que está no poder na Grécia e atualmente sofre tentando conciliar a sua bandeira anti-austeridade com as exigências para renegociação da dívida grega com o sistema financeiro da Europa.
O Occupy Wall Street, que tanto aqueceu os corações esperançosos da juventude que sonha com um mundo sem mercado, foi criado por uma revista canadense chamada Adbusters, ícone antimercado.
A mão invisível do mercado prega peças até mesmo nas fileiras do exército antimercado.
No começo da semana o ex-editor da Adbusters e um dos criadores do Occupy Wall Street, Micah White, esteve em São Paulo para fazer uma palestra sobre “a eficiência dos movimentos populares”. Micah é dono- pasmem- de uma empresa chamada Boutique Activist Consultancy. Isso mesmo: uma empresa criada para dar consultoria a ativistas de movimentos populares.
Micah tem 33 anos e um espírito altamente empreendedor e pragmático. A linha central de seu pensamento, exposto numa entrevista ao Estadão, está em ensinar que o segredo do sucesso do ativismo é “propor metas concretas, como abrir um negócio ou fundar um partido”.
Como se vê, ele optou pela primeira alternativa: abriu um negócio. Agora vende conselhos a ativistas, e o primeiro conselho ele dá de graça, como uma espécie de degustação do “produto”:
“O ativismo-diz Micah - tem que ser ousado. A melhor ideia é a que te deixa com medo. É aí que a maioria dos ativistas falha. Eles vêm com essas ideias velhas e seguras pensando que vão ser atraentes para mais pessoas. Malala (Malala Yousafzai, jovem paquistanesa de 17 anos, Nobel da Paz de 2013), por exemplo, foi quase morta e é uma figura ousada. O mesmo acontecia com Occupy Wall Street. É perigoso dormir em público no distrito financeiro, as pessoas tinham medo disso”.
Se contratarem a consultoria de Micah e seguirem os seus conselhos, os movimentos que levaram milhões às ruas no Brasil pedindo o impeachment da presidente Dilma, podem acabar fundando um partido ou, na pior das hipóteses, abrindo uma franquia da indignação.
Business is business.
Occupy Wall Street:, setembro de 2011, Nova York (Foto: The Wall Street Journal)