domingo, 12 de outubro de 2014

Bandalheira na Petrobras: Revelações de estarrecer

     
O ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef expõem as entranhas do esquema de corrupção na Petrobras. A companhia foi transformada num monumental centro de prospecção de propina para subornar políticos e financiar campanhas eleitorais aliados dos governos Lula e Dilma. O PT foi o partido que mais se beneficiou dos desvios.
A Petrobras é a maior empresa brasileira, a maior da América Latina e a décima petroleira do planeta. Se existir um ranking mundial de corrupção, ela também passará a ocupar um indecoroso lugar de destaque. Em setembro, VEJA revelou o conteúdo devastador das informações que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa prestara em depoimento à polícia e ao Ministério Público. Preso, Paulo Roberto fez um acordo de delação premiada e confessou sua participação no esquema de corrupção na estatal do qual também faziam parte grandes empreiteiras, políticos influentes e os principais partidos do governo — PT, PMDB e PP. A engrenagem, segundo ele montada durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, funcionava assim: as empresas que prestavam serviços à Petrobras eram convidadas a ceder um porcentual de seus ganhos, dinheiro que era repassado a deputados, senadores, governadores, ministros e campanhas eleitorais. Paulo Roberto forneceu uma lista com o nome de mais de trinta autoridades beneficiadas, identificou as empresas corruptoras e forneceu números de contas secretas no exterior. O volume dos desvios, a dimensão dos personagens envolvidos e o grau de contaminação das instituições eram surpreendentes. Parecia que a Petrobras havia sido tomada de assalto por uma quadrilha investida de poderes excepcionais. Não há mais nenhuma dúvida sobre isso.
Intimado a prestar depoimento no processo sobre a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na semana passada Paulo Roberto Costa contou outra vez como funcionava o esquema de arrecadação de propina na estatal. A diferença é que esse processo não está protegido por segredo de Justiça, e as declarações do ex-diretor, gravadas em áudio, foram tornadas públicas. O doleiro Alberto Youssef, administrador de parte do dinheiro desviado pela quadrilha, também foi ouvido no mesmo dia. Ao todo, são mais de três horas de perguntas e respostas. Ouvi-las é uma empreitada que exige uma boa dose de resistência de quem tem algum apreço pela honestidade. Com a naturalidade de quem parece revelar algo corriqueiro, Paulo Roberto contou conio milhões de reais foram desviados dos cofres da Petrobras nos últimos anos. A partir dos testemunhos. fica evidente que. há muito tempo, a maior estatal brasileira escapou das mãos dos contribuintes e acionistas e foi capturada por um bando de saqueadores sem nenhum escrúpulo. Imaginava-se que o mensalão era o ápice da corrupção no país. O escândalo da Petrobras, mesmo diante do pouco que se conhece, mostra que a engenharia do crime é capaz de se reinventar — e rapidamente.
Paulo Roberto Costa contou que o esquema começou a funcionar em 2006, um ano depois de o mensalão ter sido debelado. Em linhas gerais, o golpe seguia a mesma lógica. O PT montou uma estrutura clandestina para desviar dinheiro público, subornar parlamentares e financiar campanhas eleitorais. Trocou o cofre dos Correios, a gênese do mensalão, pelo da Petrobras, maior e mais difícil de ser descoberto. De resto, era tudo igual. Para ganharem os contratos bílionários, as empreiteiras pagavam comissões. O dinheiro, então, seguia para os políticos, os partidos, as campanhas, os diretores que faziam a engrenagem girar.
Uma das consequências dessa parceria criminosa, segundo Paulo Roberto, é que a Petrobras está hoje subjugada a um cartel de empreiteiras, entre elas Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Mendes Júnior, que dividem entre si os grandes contratos da companhia.
Diante do juiz, Paulo Roberto e Alberto Youssef confirmaram o que VEJA já havia antecipado em setembro e acrescentaram outros detalhes:
- Os diretores da Petrobras eram indicados pelos partidos já sabendo da missão de arrecadar propina.
- As empreiteiras eram instadas a recolher 3% do valor dos contratos para um caixa clandestino.
- As empreiteiras superfaturavam o preço dos contratos, o que significa que era a Petrobras que pagava de fato a propina.
- A propina arrecadada em pelo menos cinco diretorias era destinada aos três maiores partidos do governo: PT, PMDB e PP.
- O esquema, montado durante o governo Lula e que continuou operando no governo Dilma, abasteceu campanhas eleitorais, inclusive a de 2010.
- O PT ficava com a maior fatia do dinheiro, que era administrado pelo tesoureiro do partido, João Vaccari.
A diretoria comandada durante oito anos por Paulo Roberto, a de Abastecimento, funcionava a mando de um consórcio de partidos. Dona de um orçamento bilionário, ela. inicialmente, pertencia ao PP. A cobiça, porém, levou os aliados do governo a um acordo de redistribuição dos royalties do crime. "Me foi colocado lá pelas empresas e também pelo partido que dessa média de 3% o que fosse diretoria de Abastecimento 1% seria repassado para o PP. E os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza", revelou o ex-diretor. Nas diretorias controladas pelo PT, a propina seguia integralmente para o caixa petista. Ou seja, o partido embolsava sozinho a comissão de 3%. Além da área de serviços, comandada por Renato Duque, o ex-diretor citou a diretoria de Exploração e Produção e a de Gás e Energia como nichos de negócio que serviam exclusivamente aos petistas.
Cada partido tinha seu operador. A cota do PP erá administrada por Alberto Youssef, encarregado de fazer a distribuição aos políticos. Já a parte que cabia ao PT era gerenciada por João Vaccari. O ex-diretor citou ainda um terceiro personagem, o lobista Fernando Soares, o "Fernando Baiano", como responsável pelo recolhimento da propina que cabia ao PMDB. Além de ser o "dono" da Diretoria Internacional e da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, o PMDB se associou à Diretoria de Abastecimento, junto com o PT e o PP, por ter ajudado a chancelar a permanência de Paulo Roberto no cargo. Na delação premiada, o ex-diretor contou que de vez em quando tinha de tirar uma parcela da cota de propina de sua diretoria para atender a pedidos de peemedebistas.
No rol de beneficiários do propinoduto, como se sabe, há deputados, senadores, governadores, um ministro e um ex-ministro de Estado, mas Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não puderam nominá-los no depoimento à Justiça. Como têm foro privilegiado, essas autoridades só podem ser investigadas nos tribunais superiores, em Brasília. Por enquanto, a lista que assombra a República faz parte apenas dos depoimentos da delação, que permanecem sob segredo. Os acusados até o momento negam participação no esquema. Paulo Roberto já concluiu a primeira etapa de sua colaboração. Agora é Alberto Youssef quem está falando aos investigadores. A estrutura da quadrilha já foi desmontada. O maior desafio, no momento, é elucidar quem estava no topo da cadeia de comando. Em seu depoimento, Youssef deu pistas de onde procurá-lo: "Tinha gente muito mais elevada acima disso, inclusive acima de Paulo Roberto Costa. No caso, agentes públicos", afirmou o doleiro. A VEJA, autoridades ligadas à investigação disseram não ter dúvidas de que a cúpula do governo, no mínimo, tinha conhecimento do esquema. São muitas as indicações nesse sentido. A principal delas está justamente no fato de que era o próprio governo quem nomeava os diretores corruptos, indicados pelos partidos corruptos — e todos se beneficiavam do esquema corrupto, já que a distribuição de dinheiro mantinha a base aliada unida e fiel aos interesses do Palácio do Planalto. Assim como no mensalão, evidências não faltam.