quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Intervenção do governo em Curitiba confirma Copa 'estatal'

Intervenção do governo em Curitiba confirma Copa 'estatal'

 
Veja

Após ameaça de exclusão da Arena da Baixada do torneio, prefeito, governador e ministro prometem salvar a obra. Enquanto isso, os donos do estádio somem

Atrasos nas obras do estádio da Copa em Curitiba: Luis Fernandes (à esq.) tenta explicar a situação enquanto Jérôme Valcke faz cara feia
Atrasos nas obras do estádio da Copa em Curitiba: Luis Fernandes (à esq.) tenta explicar a situação enquanto Jérôme Valcke faz cara feia (Friedemann Vogel/Fifa/Getty Images)
Visivelmente irritado com a ausência de representantes do Atlético-PR, Valcke falou secamente ao ser questionado sobre quem poderia explicar os atrasos no cronograma: "Não está aqui"
Sete anos depois das promessas de Luiz Inácio Lula da Silva e Ricardo Teixeira sobre a realização de uma Copa do Mundo baseada nos investimentos da iniciativa privada, fica cada vez mais claro que os discursos do ex-presidente e o ex-cartola não se confirmaram na prática.

Quando Lula e Teixeira apresentaram a candidatura brasileira a sede do Mundial de 2014, falava-se que todos os estádios teriam de ser construídos ou reformados sem auxílio do poder público. Apenas três das doze arenas, porém, são empreendimentos privados, e mesmo essas obras dependem bastante da ajuda estatal, através de financiamentos e incentivos.

A partir desta quarta-feira, uma dessas três obras privadas passará a ser fortemente influenciada pelas três esferas de governo - depois da ameaça da Fifa de exclusão da Arena da Baixada do torneio, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, o governador do Paraná, Beto Richa, e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, sinalizaram com uma participação direta na condução dos trabalhos para garantir que o estádio não seja removido do calendário do evento. Curiosamente, enquanto as autoridades anunciavam essa interferência, o dono do estádio, o Atlético-PR, não era representado na entrevista coletiva do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, na terça-feira.

A placa com o nome do presidente do Atlético, Mario Celso Petraglia, chegou ser colocada sobre a mesa antes da entrevista de Valcke e dos representantes do Comitê Organizador Local (COL). O lugar reservado ao cartola, porém, não foi ocupado, e o clube não mandou nenhum representante para explicar os atrasos na obra. Visivelmente irritado com a ausência, Valcke falou secamente ao ser questionado sobre quem poderia explicar os atrasos no cronograma.

 "Não está aqui", afirmou, ao lado secretário estadual da Copa, Mario Celso Cunha, do secretário municipal da Copa, Reginaldo Cordeiro, e do secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luis Fernandes, o braço-direito de Aldo Rebelo. Cunha, representando o governo estadual, falou sobre a formação de um novo comitê gestor para agilizar a construção.

"Será um reforço de técnico do governo, da prefeitura e do COL, que ficará permanentemente em Curitiba", disse ele. Cunha fez questão de dizer, porém, que não haverá injeção emergencial de dinheiro público para acelerar as obras, contratando mais operários, por exemplo. "O que pode acontecer é financiamento com as devidas garantias legais. Mas existem alternativas que não envolvem dinheiro", disse, em referência a possíveis patrocínios de empresas privadas que o governo pode ajudar a buscar.

Estádios privados

O ministro do Esporte do governo Lula prometia uma Copa totalmente privada, sem uso de dinheiro público nas arenas. Entre as doze sedes do Mundial, porém, só três (São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) são empreendimentos particulares - e mesmo essas obras dependem de financiamento de bancos estatais e generosos incentivos públicos.

Durante a visita desta terça, Valcke se reuniu com Fernandes, Fruet e Richa para estabelecer um prazo para que Curitiba mostre avanços mais concretos. O estádio precisa avançar bastante até 18 de fevereiro, quando será realizada mais uma inspeção. Luis Fernandes disse que "o senso de responsabilidade" das autoridades das três esferas de governo levaram à adoção das "medidas adicionais" para garantir que o estádio fique pronto. Sobre a criação do comitê gestor da obra, o representante do Ministério do Esporte disse que "a nova governança de parceria vai tocar a obra com a velocidade necessária".

Apesar de o Paraná descartar novos investimentos públicos no estádio, Fernandes falou também sobre "garantir o fluxo financeiro necessário para a intensificação da obra", destacando a liberação de 39 milhões de reais em incentivos estaduais, que já estariam previstos.

Aldo Rebelo, que não foi à reunião porque teve de ficar em Brasília para receber o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, confirmou a intenção do governo de atuar para fazer a obra avançar. "Conversei com o governador e com o prefeito, e eles me garantiram que todos os esforços necessários para que o estádio esteja pronto a tempo estão sendo feitos", disse o ministro, novamente sem citar o Atlético-PR.

Valcke, que vinha adotando tom bastante diplomático em sua primeira visita ao país no ano de Copa, foi duro ao comentar a situação de Curitiba.

 "Sejamos francos e diretos: a questão é delicada. A situação atual do estádio não é do nosso agrado. Não é que o estádio está muito atrasado. É pior: já foge a qualquer bom cronograma de entrega para o uso na Copa do Mundo", disparou o francês. Na hora de falar em possíveis saídas, o cartola voltou a falar só no apoio do governo, aparentando não ter qualque confiança nos responsáveis diretos pela obra.

"É preciso ser positivo e buscar soluções. O secretário Luis Fernandes veio para Curitba antes mesmo da visita para participar de reuniões e buscar soluções", disse. Nesta quarta, Valcke participa da inauguração da Arena das Dunas, em Natal. Será o primeiro dos seis estádios ainda pendentes para a Copa a ser entregue - também com atraso, já que o compromisso do Brasil era concluir todos até dezembro.

Na quinta, ele participa de uma reunião do COL no Rio de Janeiro, um encontro que deverá ser marcado por novas cobranças em relação à entrega dos estádios que faltam. Aldo Rebelo embarcaria rumo a Zurique ainda na terça. Ele cuidaria dos preparativos para a reunião entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, na quinta-feira, na sede da entidade.

Dores de cabeça nos aeroportos

No decorrer da Copa das Confederações, muitos visitantes reclamaram das falhas na infraestrutura aeroportuária brasileira. Em sedes como Belo Horizonte e Rio de Janeiro (Galeão), deram de cara com aeroportos em obras. Em Salvador, viram um terminal ficar cheio d'água após um temporal. E em quase todas as sedes, sofreram com pequenos transtornos que já viraram rotina para os passageiros brasileiros - e que fazem a experiência de voar no país ser muito mais desagradável. Exemplos: a constante troca de portões de embarque, que faz o viajante zanzar de um lado para outro nos momentos que antecedem o voo, e a longa espera nas esteiras de retirada de bagagens.

 Além da baixa qualidade dos serviços oferecidos em muitos aeroportos brasileiros, há um outro obstáculo para a Copa: ela está marcada para um período do ano em que muitos aeroportos, principalmente no Sul e no Sudeste, ficam fechados por causa da neblina. Garantia de fortes emoções para quem tiver voos marcados para os dias de jogos em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo (Congonhas) e Rio de Janeiro (Santos Dumont).

Com Estadão