O Estado de São Paulo
No ano velho, o dispêndio público federal mais uma vez explodiu, como em cada
ano desta década, sem "falhar" um único período desde 2004. O governo
converteu-se num gastador compulsivo e dissimulado. Em 2013 o rega-bofe
tornou-se um escárnio: o gasto total do governo cresceu quase 15%, o dobro do
crescimento do produto interno bruto (PIB) tributável, que paga a gastança - o
PIB nominal só aumentou cerca de 8% no ano passado.
Recordes de arrecadação são comemorados como algo positivo. Não é casual. O
Estado gasta demais, a sociedade paga a conta e isso se transformou no grande nó
que amarra o desenvolvimento do País. O estouro da despesa pública em todos os
níveis está no centro da explicação - a única plausível - para o baixo
desempenho da economia brasileira. A afirmação pode soar contraintuitiva. Mas é
exata. No Brasil, o governo é que impede o desenvolvimento que ele mesmo se
propõe a conduzir.
Nem Keynes discordaria: sua lição de ampliar gastos públicos
como remédio numa severa recessão em nada se aplica para justificar a explosão
do gasto público total. Tendo a despesa pública brasileira se tornado veneno,
como podemos denunciar e combater essa tragédia coletiva no debate eleitoral de
2014? Será que os candidatos sabem e compreendem a natureza do mal da despesa
pública excessiva?
A natureza nos ensina. No cultivo de cítricos, a doença mais grave de um
pomar é o "declínio". De origem desconhecida, o declínio vai atingindo as
árvores mais vulneráveis, sempre de modo gradual. A árvore não morre, mas já não
consegue produzir como antes. Algo a devora por dentro, como um câncer. A
anterior vitalidade é substituída por uma produtividade recessiva da planta.
Como no declínio dos cítricos, também alguma coisa consome o vigor da economia
brasileira. E por ser algo lento e mudo, torna-nos desatentos à malignidade do
processo.
No declínio da economia, a única estrutura que explode em crescimento é o
próprio governo, devorando o resto à sua volta. Ao crescer, por uma década, ao
dobro do ritmo da economia produtiva, o setor público vai inchando em patológica
progressão. Instala-se um processo de substituição das forças da sociedade e dos
mercados pela articulação típica dos processos facciosos na decisão de gastar.
Gasta-se para nada. Gasta-se para agradar a grupos, para pacificar descontentes,
comprar mais poder, para ir ficando.
Vamos aos números. No Plano Real, há duas décadas, o gasto total do Estado
nacional, nos seus três níveis de comando, ainda era a quarta parte do PIB
brasileiro, o que já representava um nível superior ao de países de semelhante
estágio de renda per capita. Hoje o tamanho do setor público atinge 40% do PIB,
ombreando-se com a velha Europa, mas sem qualidade de serviço público. Está aí o
cerne da questão. O Estado brasileiro explodiu, consumindo tudo à sua volta.
Avançou como uma célula anormal, devorando o resto sem piedade. A enorme
velocidade com que isso tem ocorrido é o traço essencial que distingue o caso da
expansão do Estado no Brasil. Não existe paralelo mundial para o que vem
sucedendo aqui. O tamanho do Estado quase dobrou, empurrando a carga tributária
para um patamar insuportável, ao tornar o País um dublê de selva burocrática e
manicômio tributário.
A extração de meios para a "sobrevivência" do governo é alcançada pelo
confisco da poupança das famílias e pela derrama sobre o caixa gerado nas
empresas. Ano após ano, as famílias deixam de fazer poupanças voluntárias e as
empresas deixam de investir seus lucros, levados pelos escorchantes impostos que
se recolhem ao longo do processo produtivo. O Estado extrator, ao contrário,
quer sempre mais. Pior: os recursos extraídos da sociedade passam longe dos
investimentos sociais e da melhoria da infraestrutura.
Como a capacidade
investidora do Estado é incomparavelmente menor que a dos contribuintes,
trocamos avanços do setor privado pela debilidade investidora do Estado. Não é
surpresa que nossa taxa de investimento seja a mais baixa entre todos os nossos
vizinhos na região e uma das mais baixas do mundo emergente.
Capa da revista britânica The Economist estampou o Brasil como um foguete
descontrolado - de fato, a estátua do Cristo Redentor caindo do Corcovado, numa
insólita expressão do humor trash dos britânicos. A revista fazia referência a
outra capa, de 2010, em que o Cristo Redentor decolava do morro, exprimindo a
esperança dos estrangeiros na força investidora do Brasil naquele momento. Má
avaliação e equívoco flagrante de prognóstico. O Brasil nunca contratou o
progresso acelerado antevisto pela publicação inglesa.
Estamos nos comendo por dentro. Apenas temos muito para devorar antes de
fenecer. Não é progresso, é mera transferência da vitalidade de uma grande nação
para um insaciável aparelho estatal que, no caminho, vai distribuindo "o peixe",
em vez de entregar a vara de pescar. Minamos as chances de progresso verdadeiro.
Mantemos, apesar da arrecadação pantagruélica, uma educação de baixa qualidade e
um sistema de saúde pública de fancaria. Nada senão o excesso de gasto explica o
mal que nos acomete.
O diagnóstico do excesso da despesa pública é a grande razão por que as
eleições de 2014 são tão importantes. O debate eleitoral poderá propiciar nossa
última chance de constatar duas coisas: primeiro, quão distantes estão os
candidatos de um diagnóstico verdadeiro do que realmente tem sufocado o
progresso nacional; e, por fim, quão próximos ainda estamos de repetir, em 2014,
mais um ato continuísta da trágica política econômica do "declínio". Para conter
o avanço do Estado e resgatar as chances de progresso da sociedade brasileira é
fundamental pactuar uma regra clara de crescimento da despesa corrente
pública.