quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

"A lógica da infidelidade", editorial do Estadão

"A lógica da infidelidade", editorial do Estadão

noticiário político dos últimos dias dá conta da encrenca cada vez maior em que o apetite insaciável da "base aliada" enreda um governo que, teoricamente, disporia de um número muito maior do que o necessário de senadores e deputados para apoiar suas iniciativas no Congresso Nacional.

Cada vez mais pressionada pela circunstância de ser este um ano eleitoral e pelo fato de o lulopetismo entender que sua condição de dono exclusivo da verdade e da virtude justifica qualquer meio para se manter no poder, Dilma Rousseff vai fazer o que seu chefe e sua turma acham que deve ser feito: escancarar as portas da administração pública - via reforma ministerial - para "aliados" que, em contrapartida, garantirão à candidata à reeleição, ou seja, ao PT no poder, cerca de metade do tempo no horário da propaganda eleitoral dita gratuita no pleito de outubro.

Nada a ver com fidelidade parlamentar ao governo. Esta é apenas moeda de troca. Trata-se do mais puro, simples e descarado toma lá dá cá.

A necessidade de conquistar aliados para garantir apoio à execução de um programa de governo é inerente ao sistema democrático. O chamado presidencialismo de coalizão, contudo, desvirtua o fundamento democrático da decisão majoritária transformando-o em mero instrumento para os governantes de turno sustentarem seu projeto de poder. Não se trata, é claro, de uma invenção dos petistas. Esse presidencialismo de coalizão, feito sob medida para garantir o patrimonialismo que historicamente promove a promiscuidade entre o público e o privado, não é nem mesmo um modelo exclusivamente brasileiro.

O PT de Lula apenas aperfeiçoou o modelo para proveito próprio. Depois de passar 20 anos invectivando contra "tudo isso que está aí" e prometendo reformar da cabeça aos pés o sistema político brasileiro para acabar com as injustiças sociais que ele provoca, o metalúrgico de Garanhuns chegou finalmente ao poder e aderiu sem nenhum constrangimento ao que "está aí". E é inegável que obrou politicamente com competência, garantindo pelo menos mais duas eleições presidenciais, sendo a última a de um autêntico "poste".

Mudar a política, então, para quê? Parte do PT e sempre que necessário o próprio Lula continuam falando sobre a óbvia necessidade de reformas, especialmente aquelas que de algum modo ajudem a consolidar sua hegemonia no cenário político. Mas quase tudo o que mudou na política brasileira na última década foi para pior, como bem demonstrou a insatisfação difusa da juventude brasileira que saiu em massa às ruas no ano passado para protestar, em última análise, "contra tudo isso que está aí".

A resposta de Dilma Rousseff à insatisfação crescente na sociedade brasileira contra os políticos em geral e a ineficiência do poder público em particular é inflar o governo. Depois de ter chegado a inéditos 39 Ministérios que fazem a festa da companheirada, agora vai bater novo recorde, aumentando para 10 o número de legendas partidárias no primeiro escalão - uma a mais do que no governo de seu antecessor.

Não é uma engenharia política fácil. Tem tudo a ver com a metáfora do ter que quebrar os ovos para fazer uma omelete. Mas Dilma não tem o direito de se queixar, porque essa é a regra do jogo com o qual está comprometida. Não pode nem mesmo reclamar da "infidelidade" de seus "aliados" no Parlamento, porque sabe muito bem que parcerias construídas sobre os alicerces frágeis e cediços do fisiologismo rompem-se facilmente ao sabor dos ventos das vantagens pessoais e das marés dos interesses eleitorais.

Não há que falar, portanto, em crise na "base aliada" por causa das dificuldades de Dilma Rousseff diante da chantagem pré-eleitoral dos "companheiros", inclusive do próprio PT. Essa é apenas a lógica do toma lá dá cá que Lula se recusou a combater (ao contrário, preferiu estimular em benefício próprio) quando, no auge do poder, tinha tudo nas mãos para fazê-lo.

Se agora o governo melhora ou piora? Essa preocupação nem passa pela cabeça da tigrada