sábado, 1 de julho de 2017

Papel do jornalismo é fazer ‘instituições poderosas prestarem contas à sociedade’, diz editor do Washington Post

João Sorima Neto - O Globo

Chefe de equipe retratada no filme ‘Spotlight’ fala em São Paulo sobre a mídia na era Trump



Ser editor de um grande jornal nos Estados Unidos num momento em que o próprio presidente do país qualifica a imprensa como inimiga do povo traz energia aos jornalistas e, ao mesmo tempo, muita pressão. A avaliação é de Martin Baron, editor-chefe do Washington Post, que esteve neste sábado em São Paulo fazendo a palestra de encerramento do 12° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo investigativo (Abraji).

— Vivemos um momento interessante com Donald Trump. Ao mesmo tempo que traz muita energia aos jornalistas, há muito tempo não recebíamos tantos ataques, chamando a mídia de inimiga do povo – disse Baron, em sua palestra “A Democracia Morre na Escuridão: a relevância do jornalismo investigativo em tempos estranhos”.

Baron chefiou, em 2002, a equipe do jornal Boston Globe que investigou abusos sexuais cometidos por clérigos da igreja católica. O caso deu origem a “Spotlight – Segredos revelados”, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2016. Para ele, o jornalismo investigativo é a alma do Washington Post.

— O governo tem que prestar contas. Não estamos em guerra contra a administração Trump, mas nosso dever é investigar e o governo é a instituição mais poderosa que existe em qualquer país. Nosso trabalho é fazer essas instituições poderosas prestarem contas à sociedade – disse em sua apresentação.

O Washington Post ganhou destaque em investigações como o caso Watergate, que acabou levando à renúncia do presidente Richard Nixon.


JORNAL DOBROU EQUIPE INVESTIGATIVA

Ele disse que atualmente o jornal tem uma equipe de jornalistas investigativos, que passou recentemente de 8 para 16 jornalistas.

— O objetivo é dar respostas rápidas. As pessoas querem as informações já — afirmou o editor do Post, lembrando que existem dificuldades para obter informações no governo Trump.

Ele lembra que ainda durante as primárias, quando Trump disputava a indicação à candidatura à presidência dos EUA, os jornalistas do Post tiveram as credenciais cassadas, depois de reportagens que o desagradaram.

— Trump tem sido muito hostil com a imprensa, nos chamando de lixo, de escrever noticias falsas (fake news), além de dizer que somos inimigos do povo. Ele quer nos retratar como um partido de oposição. Não podemos fazer nada, além de nosso trabalho da melhor forma possível — disse Baron.

O interesse pela cobertura do jornal em relação a Trump tem aumentado o número de visitantes no site do jornal, disse Baron. Segundo ele, o Post já chegou a 80 milhões de visitantes num mês e as assinaturas cresceram ‘em milhares’ este ano.

— E hoje a forma de contar histórias mudou. Temos que usar vídeos, gráficos interativos, áudios. Hoje, as pessoas interagem com o veículo, que tem que ser mais acessível – afirmou.