Enquanto os brasileiros se perguntam até quando o País conviverá com a corrupção sistêmica, os alemães começam a sentir os efeitos positivos de uma exemplar política anti-corrupção. Hoje, a Alemanha é décima colocada no ranking da ONG Transparência Internacional, que avalia a corrupção em 176 nações do mundo – o Brasil ocupa o 79º lugar. “Instituições fortes em um governo aberto, direitos civis respeitados, equilíbrio entre poderes, juízes independentes e a imprensa livre são a melhor prevenção contra o desvio de recursos públicos para fins privados”, afirma Hartmut Baeumer, vice-presidente do Conselho da Transparência Internacional da Alemanha. “Países em desenvolvimento sofrem com pequenos desvios, má governança, instituições fracas e os recursos que deveriam ser utilizados para o bem estar público fluem nos bolsos das elites.” Após protagonizar diversos escândalos, a Alemanha conseguiu se manter logo abaixo de países como Dinamarca, Nova Zelândia e Finlândia, famosos por manter políticas de transparência tanto no âmbito público quanto no privado.
Como o país europeu conseguiu criar políticas eficientes e, sobretudo, instituir uma cultura contra a corrupção? Alguns fatos marcaram a trajetória política dos alemães, como o escândalo da caixa-preta do ex-chanceler Helmut Kohl, que governou entre 1982 e 1998. Considerado o político da reunificação, Kohl teve seu prestígio abalado após a série de doações ilegais ao partido que presidia, a CDU (União Democrata-Cristã). Além disso, dados de computadores foram destruídos em 1998, logo após a derrota eleitoral de sua coalizão de governo. À época, 70% dos alemães pediram a renúncia de Kohl ao mandato de deputado federal. A crise abriu espaço para mudanças políticas. “As notícias trouxeram o problema do suborno de políticos para o centro das atenções”, diz Baeumer. Com o impacto, a legislação sobre o financiamento dos partidos políticos e da renda dos deputados foi reforçada. “Hoje, as partes precisam publicar imediatamente doações acima de 50 mil euros. Aquelas acima de 10 mil euros também devem estar descritas em relatórios financeiros. Isso torna o processo de financiamento mais transparente”, afirma o especialista. Ainda assim, segundo a Transparência Internacional, doações inferiores a esse valor costumam ser generalizadas, por isso o órgão defende que o limite seja reduzido para dois mil euros.
Um estudo publicado em abril desse ano pela empresa de auditoria e consultoria Ernst Young apontou que 43% dos alemães acreditam que o suborno ainda é muito comum no país. Ainda assim, o número é inferior à média de 51% citada pelos 4 mil entrevistados em outros países da Europa, África, Oriente Médio e Índia. “Há muita desconfiança sobre o ambiente corporativo. Isso é uma prova de que é necessária uma legislação sólida e não apenas compromissos voluntários”, afirma Baeumer. Segundo a pesquisa de opinião executiva do Fórum Econômico Mundial, a Alemanha se deteriorou em termos de integridade empresarial. “Por isso, exigimos melhoras na responsabilidade corporativa por meio da introdução de um direito penal que julgue práticas criminosas de empresas e de um registro para companhias corruptas.”
MULTA DE US$ 1,6 BIlhão
De acordo com a agência federal de investigação dos governos da Alemanha e Áustria, a Bundeslagebilder, também conhecida como BKA, o prejuízo causado pela corrupção ainda é grande, mas bem menor que há dez anos. Um escândalo de repercussão internacional envolvendo a Siemens, em 2006, funcionou como uma espécie de ponto de virada. Na ocasião foi descoberto que a companhia havia pago US$ 1,4 bilhão em propina a autoridades de diversos países em troca de contratos públicos. Com 170 anos de história e faturamento global na casa dos 70 bilhões de euros, a Siemens foi punida com uma das maiores multas do mundo corporativo, no valor de US$ 1,6 bilhão. O episódio, segundo a Transparência Internacional, com sede em Berlim, mudou o rumo dos negócios no país e a mentalidade dos alemães. Até o final dos anos 1990, a legislação permitia que empresários pagassem propina para facilitar a aprovação dos contratos. Na década seguinte a prática passou a ser considerada ilegal, mas a mudança nas regras não foi automaticamente incorporada nos negócios. “As empresas ainda não haviam se adaptado — e o escândalo da Siemens desencadeou esse processo”, diz Baeumer.
De acordo com a agência federal de investigação dos governos da Alemanha e Áustria, a Bundeslagebilder, também conhecida como BKA, o prejuízo causado pela corrupção ainda é grande, mas bem menor que há dez anos. Um escândalo de repercussão internacional envolvendo a Siemens, em 2006, funcionou como uma espécie de ponto de virada. Na ocasião foi descoberto que a companhia havia pago US$ 1,4 bilhão em propina a autoridades de diversos países em troca de contratos públicos. Com 170 anos de história e faturamento global na casa dos 70 bilhões de euros, a Siemens foi punida com uma das maiores multas do mundo corporativo, no valor de US$ 1,6 bilhão. O episódio, segundo a Transparência Internacional, com sede em Berlim, mudou o rumo dos negócios no país e a mentalidade dos alemães. Até o final dos anos 1990, a legislação permitia que empresários pagassem propina para facilitar a aprovação dos contratos. Na década seguinte a prática passou a ser considerada ilegal, mas a mudança nas regras não foi automaticamente incorporada nos negócios. “As empresas ainda não haviam se adaptado — e o escândalo da Siemens desencadeou esse processo”, diz Baeumer.
A empresa passou a destinar uma vaga no Conselho de Administração ao executivo responsável por cumprir as leis e adotou um programa para estimular funcionários a denunciar desvios. “A única maneira de gerenciar escândalos é priorizar esforços anticorrupção e cuidar para que o cumprimentos das regras não seja apenas pontual e sim uma mudança de cultura”, afirma o vice-presidente da Transparência. Segundo ele, na esfera pública alemã ainda existe uma necessidade urgente de acordos mais rigorosos para o financiamento dos partidos e para a regulamentação da atividade dos lobistas.
A pressão popular também é um instrumento poderoso na Alemanha. Nos últimos meses, a população tem reagido de maneira preocupada às notícias de corrupção. “Muitos alemães têm a impressão de que os interesses econômicos exercem um impacto excessivo na política, e a confiança nos atores políticos é um pré-requisito para uma democracia em pleno funcionamento”, afirma Baeumer. Essa mudança cultural é o que se espera no Brasil como legado da operação Lava Jato, criada justamente para combater a corrupção.
O que foi feito
As principais medidas adotadas pelos alemães para combater a roubalheira dos cofres públicos
Em 1983, após o escândalo de corrupção envolvendo o ex-chanceler Helmut Kohl, foi criada uma lei que fiscaliza as doações partidárias e que obriga os partidos a divulgar doações acima de 10 mil euros
Partidos políticos alemães também devem prestar contas ao Parlamento por doações acima de 50 mil euros
Empresas passaram a adotar políticas de transparência mais efetivas, especialmente após o escândalo da Siemens, em 2016