domingo, 30 de julho de 2017

Realidade virtual põe plateia no lugar do outro e amplia mercado bilionário

Guilherme Genestreti - Folha de São Paulo


A primeira sensação é de pânico. Não há ninguém ao redor nesse vasto e mal-iluminado deserto. Entre os arbustos, surge uma fila trôpega. São imigrantes hispânicos tentando entrar nos EUA. Ao seu lado, uma velha manca e se queixa em espanhol.

Nos seis minutos seguintes, um helicóptero americano sobrevoará a área e de dois carros da patrulha saltarão oficiais mal-encarados e seus pastores alemães. Um dos policiais lhe aponta o rifle e a reação é instintiva: mãos ao alto.

Ao término de "Carne y Arena" -projeto de realidade virtual criado pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu-, o pânico cede lugar à empatia por aquela dezena de viajantes exaustos.

Divulgação
‘Carne y Arena’, projeto de realidade virtual de Alejandro González Iñárritu
‘Carne y Arena’, projeto de realidade virtual de Alejandro González Iñárritu

Folha foi uma das poucas publicações convidadas a participar do experimento, montado num hangar durante o Festival de Cannes, em maio. Um óculos capaz de exibir o deserto em 360º, um fone de ouvido e um tanque de areia por onde se poderia zanzar descalço eram o que produzia todo o efeito.

A acolhida do projeto de Iñárritu na mais importante mostra cinematográfica é um sinal. Enquanto fica mais acirrada a rixa entre o streaming e as salas de cinema, pululam obras em realidade virtual que rompem os limites retangulares da tela tradicional.

Neste ano, a gigante Imax abriu salas em Los Angeles e Nova York para o público brandir seus sabres de luz; estúdios como Fox e Sony se unem a start-ups para criar experiências imersivas baseadas em seus filmes; o Festival de Veneza terá sua primeira competição de obras em realidade virtual. E nesse universo será ambientada a trama do próximo filme de Spielberg, "Jogador Número 1".

"O conteúdo imersivo não vai substituir o cinema, mas vai ser um algo a mais, e mais adequado à geração 'millenial'", afirma Janaina Augustin, que coordena o 

Outras Telas, núcleo na paulistana O2 Filmes que desenvolve projetos em realidade virtual.

Seis deles estão prontos, incluindo "Step to the Line", filme de Ricardo Laganaro feito em parceria com o Facebook que mostra o cotidiano de uma prisão americana. Será exibido no próximo Festival de Gramado, em agosto. Outro projeto, em desenvolvimento, tem o dedo do diretor Fernando Meirelles, cofundador da produtora.

No Festival Sundance de 2015, um vídeo de 12 minutos assistido por meio de óculos Rift reproduzia um estupro numa festa, alertando para a ocorrência desses crimes nas universidades americanas.

Não à toa, essas plataformas virtuais ganharam o apelido de "máquinas de empatia". Usadas no cinema, em obras narrativas como a de Iñárritu, geram uma simpatia a uma causa que um documentário social tradicional seria incapaz de reproduzir.

Reprodução/Facebook —21.fev.2016
Mark Zuckerberg em conferência da Samsung na Espanha
Mark Zuckerberg em conferência da Samsung na Espanha


A explicação passa pela fisiologia. Exposto a um universo falso, mas recriado fidedignamente por meio da tecnologia, o cérebro é "ludibriado", o que fez a realidade virtual achar terreno fértil na psicologia comportamental.


BRASIL

É um universo de cifras bem gordas. O Facebook comprou por US$ 2 bilhões a Oculus, empresa dos óculos Rift. A start-up Within, que produz conteúdo, atraiu investimentos de US$ 56,6 milhões.

Para a PricewaterhouseCoopers, essa indústria crescerá 64% ao ano e movimentará US$ 5 bilhões em 2021 -isso só no território americano.

Hollywood está atenta. A Disney aplicou dinheiro na start-up Jaunt VR, e a Fox, graças ao Fox Next, criou projetos como um para promover seu novo "Planeta dos Macacos": o usuário entra na pele de um dos símios em guerra.

No Brasil, o mercado engatinha. E se queixa de falta de incentivo e barreira tecnológica. Materiais de captação não são produzidos no país. Importar uma boa câmera sai por US$ 70 mil (cerca de R$ 219 mil), sem contar com taxas alfandegárias que poderão encarecê-la ainda mais.

Criador da Hyper, plataforma de distribuição de conteúdo do gênero, o paulistano Fabio Hofnik diz tentar ser um "evangelizador" do setor. Ele tem planos de montar uma estrutura de "coworking" para produtoras do segmento. Em setembro, apresenta seu maior projeto: o primeiro festival de realidade virtual do Brasil.

O Hyper Virtual Reality Festival vai expor em São Paulo equipamentos e permitir que o público veja produções como "Step to the Line" e o curta animado "Pearl", primeiro projeto de realidade virtual indicado ao Oscar.

"Nunca fui satisfeito com a televisão unilateral. Nem no videogame achei meu caminho", afirma Hofnik, que era entusiasta dos livros interativos do tipo "se quer abrir a porta, vá para a página X".

Formado em rádio e TV, trabalhou com eventos de cine imersão, que misturavam, música e performance em encontros inspirados em filmes.

Com a crise econômica, diz, os patrocinadores ficaram com medo de bancar eventos maiores. "Daí parei para perceber que a realidade virtual segue a mesma lógica do cine imersão", conta.

"Quem teria coragem de ir para a Síria no meio do conflito?", indaga Hofnik. "Sem correr nenhum risco dá para viver a mesma experiência na realidade virtual. Ou quase."