domingo, 30 de julho de 2017

"Afinal, correr faz bem ou mal para o coração?", por Marcelo Gleiser

Arquivo pessoal
Marcelo Gleiser (de cinza) correndo meia-maratona, em 2011, com seu sogro (de amarelo)
Marcelo Gleiser (de cinza) correndo meia-maratona, em 2011, com seu sogro (de amarelo)


Folha de São Paulo

Em 2012, em artigo publicado no jornal "Mayo Clinic Proceedings", o cardiologista James O'Keefe e colaboradores escreveram que "exercícios de resistência em excesso podem causar reestruturações patológicas do coração e artérias".

Segundo os autores, correr em demasia pode engrossar o tecido cardíaco, causando fibrose e cicatrização, o que potencialmente leva a fibrilação atrial e batimento irregular. Exercícios prolongados podem também levar ao "estresse oxidante", que pode resultar na formação de placas arteriais. O essencial, segundo O'Keefe, é encontrar a dose certa.

Críticos desse e de outros estudos semelhantes argumentam que o número de corredores e atletas de resistência examinados deveria ser maior e que, quando isso é feito, os resultados mudam.

Por exemplo, Paul T. Williams, do Laboratório Lawrence Berkeley na Califórnia, vem seguindo 156 mil homens e mulheres desde 1990. Segundo ele, quanto mais exercício, melhor. Homens que correm ao menos 60 km por semana (uma distância séria) têm em média probabilidade 26% menor de desenvolver doenças coronárias do que os que correm apenas 20 km.

Atletas que correm mais de 50 km por semana (eu) têm interesse em saber. Dois estudos novos, comentados recentemente por Gretchen Reynolds do "New York Times", investigaram a questão mais profundamente, com resultados interessantes: atletas de resistência, especialmente homens, têm uma incidência maior de placas arteriais.

Porém, e este porém é essencial, a composição da placa arterial faz muita diferença. Gorduras, sendo mais moles, podem se soltar com maior facilidade, bloqueando artérias e causando ataques cardíacos. Placas com maior calcificação, sendo mais rígidas, têm maior estabilidade.

Um dos estudos, conduzido na Holanda e publicado no jornal "Circulation", investigou 284 atletas sérios, todos homens com idades entre 48 e 62 anos. 

Usando tomografia computadorizada com e sem contraste, foi possível analisar a quantidade de calcificação nas placas. O grupo mais ativo tinha maior calcificação, uma composição "mais benigna, frequentemente sem as gorduras e apenas com calcificação. Isso pode explicar a maior longevidade de atletas de resistência".

O outro estudo, publicado no mesmo jornal, conduzido por cardiologistas da Universidade Saint George, em Londres, e outras instituições, comparou 156 atletas sérios (70% homens, idades entre 46 e 62) com 92 pessoas inativas mas em boa saúde. Como no estudo holandês, atletas masculinos mostraram maior incidência de placas calcificadas, enquanto que as dos inativos tinham composição mista. O estudo concluiu que "mesmo que placas coronárias sejam mais abundantes nos atletas, sua natureza estável pode mitigar o risco de rupturas que levam ao enfarto".

Benjamin Levine, professor de cardiologia da Universidade de Texas e coautor do editorial que acompanhou os dois estudos, está desenvolvendo um novo estudo que acompanhará atletas sérios durante anos, buscando por mudanças arteriais e outros sintomas. Enquanto esperamos, os estudos sugerem que, após décadas, exercícios intensos alteram a composição das placas arteriais, mas não necessariamente para pior.

Embora não haja dúvida de que o exercício físico é extremamente beneficial, diminuindo o risco de ataques cardíacos, obesidade e diabetes, a questão é se existe um ponto que não deve ser ultrapassado. Segundo os estudos recentes, esse ponto não existe.

Sabemos que o volume do coração aumenta, a frequência das batidas diminui, e as artérias se alargam. Podem tornar-se mais rígidas devido à calcificação das placas, mas não é óbvio que isso seja ruim. Melhor do que as gorduras que se soltam delas.

Um estudo de longo-prazo será muito útil. No meio tempo, é bom lembrar que atletas de resistência não praticam esportes para viver por mais tempo, mas sim para viver melhor. É a qualidade de vida que importa. Enquanto o debate continua, aumentarei minha distância semanal e procurarei por corridas mais longas e desafios ainda mais difíceis. Pois a verdade é que quando você pega a febre da corrida, poucas atividades fazem você se sentir mais vivo.