O ministro do STF Ricardo Lewandowski deu o voto que derrubou o orçamento secreto.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas
Por 6 votos a 5, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedentes ações de quatro partidos para declarar inconstitucionais as emendas de relator – o chamado "orçamento secreto" do Congresso Nacional. A maioria de 6 votos, entre os 11 ministros, foi formada pelo voto do ministro Ricardo Lewandowski nesta segunda-feira (19) pela manhã, quando o julgamento foi retomado. Com isso, o orçamento secreto foi derrubado pelo STF.
O resultado representa a rejeição, pelo STF, da aprovação no Congresso, na sexta-feira passada (16), de uma nova resolução cujo objetivo era dar mais transparência à distribuição das verbas do orçamento secreto entre deputados e senadores. Foi uma tentativa de fazer o STF manter o chamado orçamento secreto.
As emendas de relator ao orçamento são formalmente elaboradas, como o nome diz, pelo relator do projeto de lei orçamentária – um senador ou um deputado escolhido todos os anos pela cúpula do Congresso. Mas o relator indicava as emendas a pedido de outros parlamentares e até de agentes externos ao Congresso – e essa "paternidade" era difícil de rastrear, daí terem sido apelidadas de "orçamento secreto". Além disso, as emendas de relator concentravam muito poder nas mãos de uma única pessoa (ou do grupo do qual faz parte), e viraram um instrumento de barganha política do Congresso com o governo.
Na resolução aprovada na sexta, os parlamentares tentaram dar mais transparência ao determinar que as verbas só poderiam ser distribuídas por meio de requisições feitas pelos próprios deputados e senadores. Pela proposta aprovada pelo Congresso, as emendas de relator (de nome técnico RP-9) também passariam a obedecer a critérios de proporcionalidade de acordo com o tamanho das bancadas – 80% do total das verbas obedeceria a esse requisito. Outros 15% das verbas das emendas de relator seriam destinadas à indicação das cúpulas de Senado e Câmara e 5% ao presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e ao relator.
Prevaleceu, no STF, a posição da relatora das ações, Rosa Weber. Ela estabeleceu o fim do uso das emendas de relator por outros parlamentares – inclusive a indicação por “usuários externos”, que ocultam o deputado ou senador responsável. O voto de Rosa Weber também proíbe os ministérios do governo federal, que operam as despesas, de aplicar essas verbas. Quanto a pagamentos já realizados, determinou que os órgãos informem, em até 90 dias, serviços, obras e compras realizadas, identificando os parlamentares solicitadores e os municípios e estados beneficiados.
Para Lewandowski, mudanças no orçamento secreto não atendem exigências do STF
Autor do voto que formou a maioria, Lewandowski disse que a nova norma aprovada pelo Congresso não atende a todas as exigências do STF para dar isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência às emendas de relator.
“Os atos normativos não conseguiram solver uma importante questão: a plena e eficaz identificação do parlamentar solicitante da emenda de relator. Apesar das tratativas, entendo que até o momento, e o faço com todo o respeito ao Congresso, não foram adotadas todas as providências adequadas para adequada transparência da repartição das verbas orçamentárias, haja vista que não se conseguiu dar a exigida translucidez às demandas parlamentares voltadas à distribuição de emendas de relator geral, e não se logrou garantir a rastreabilidade das solicitações da distribuição de emendas e respectivas execuções”, disse Lewandowski.
Para o ministro, a nova norma permite que o controle da distribuição para cada parlamentar, individualmente, fique na mão dos líderes partidários. “O fato é que alguns parlamentares continuarão recebendo mais e outros menos. E o líder partidário poderá distribuir o dinheiro dentro da legenda sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas. Algumas são lícitas, normais, dentro de um processo democrático, e outras, não diria menos lícitas, mas pelo menos, menos transparentes, o que não se coaduna com o princípio republicano”, afirmou.
Lewandowski ainda disse que a nova norma permite que as emendas de relator alcancem o mesmo valor da soma das emendas individuais e de bancadas estaduais. “Portanto, a resolução permite que as emendas RP9 contemplem valores muito superiores às correspondentes às demais espécies, quando avaliadas individualmente”, disse.
Por fim, acrescentou que a distribuição desigual, arbitrária e pouco transparente das verbas no destino, para municípios, não segue um plano nacional estratégico de investimento público.
Mendes admite manter emendas de relator, mas com mais transparência
Último a votar, Gilmar Mendes concordou que falta transparência para a distribuição dos recursos, mas ressalvou serem legítimos critérios políticos na divisão dos recursos. Assim como outros ministros admitiram a continuidade das emendas de relator, ele disse que elas poderiam ser mantidas, desde que fosse dada publicidade maior não apenas quanto aos deputados e senadores que indicam a alocação das verbas, mas também os "motivos determinantes" pelos quais são liberadas ou negadas pelo relator.
“Não se deve demonizar, a priori, o regime de alocação de recursos orçamentários por emendas parlamentares de relator, que são definidas a partir de acordos políticos em um contexto onde se faz necessário conciliar um conjunto de pleitos de diversos grupos de interesse. Todavia, a força normativa do princípio constitucional republicano e do princípio constitucional da publicidade administrativa, impõe que deve ser transparente e mapeável todo o processo de tomada de decisão do Congresso que resulta na alocação de recursos públicos, seja feita pelas mãos do relator, após acordos políticos, seja pela feita pelas mãos de um parlamentar”, disse.
Como votaram os outros ministros do STF no julgamento
Antes de Lewandowski, haviam votado pela inconstitucionalidade e pelo fim das emendas de relator os seguintes ministros do STF: Rosa Weber, relatora das ações, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Eles chamaram a atenção para a pouca transparência e critério técnico na divisão entre parlamentares, bem como na falta de planejamento e justificativa razoável para a distribuição desigual entre municípios, o que dificulta a fiscalização da correta aplicação dos recursos, bem como o atendimento a estratégias nacionais de desenvolvimento.
Votaram pela manutenção das emendas de relator os ministros André Mendonça, Kassio Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Eles admitiram a manutenção do mecanismo das emendas de bancada, desde que fossem impostas regras de maior transparência sobre a origem e o destino dos recursos, bem como critérios técnicos e fixos para distribuição entre parlamentares (propostos por Moraes) e entre os municípios (caso do voto de Toffoli).
Quais são as implicações políticas do fim do orçamento secreto
A decisão do STF coloca um novo desafio à articulação política para o futuro governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar de ter criticado o mecanismo durante a campanha, emissários políticos do petista evitaram nas últimas semanas pressionar o STF pela derrubada das emendas de relator, para não contrariar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que detêm controle sobre as verbas, distribuídas entre seus aliados do Centrão conforme afinidades e interesses políticos.
Parte dos articuladores de Lula tentava manter as emendas de relator em troca da aprovação, na Câmara e no Senado, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que abre espaço fiscal de até R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023, fora do teto de gastos, para pagar benefícios sociais prometidos pelo petista durante sua campanha.
O PT trabalha pela aprovação da PEC com o pretexto de permitir a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família. Para isso, seriam necessários cerca de R$ 50 bilhões. A verba restante atenderia diversos ministérios do novo governo, o que interessa a parlamentares que almejam influência na execução dessas despesas.
Uma possível alternativa para manter o pagamento, sem necessidade de aprovar a PEC, apareceu no domingo (18), quando o ministro Gilmar Mendes atendeu a um pedido de liminar do partido Rede Sustentabilidade e autorizou o pagamento dos R$ 600 do Auxílio Brasil, ou Bolsa Família, fora do teto de gastos, em 2023.
“A instituição de normas de boa governança fiscal, orçamentária e financeira, entretanto, não pode ser concebida como um fim em si mesmo. Muito pelo contrário, os recursos financeiros existem para fazer frente às inúmeras despesas que decorrem dos direitos fundamentais preconizados pela Constituição”, escreveu Mendes em seu despacho.
Após sua decisão, neste domingo, excluindo o programa social do teto de gastos, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido ainda quer a aprovação da PTC Fura-teto. “Queremos a PEC do Bolsa Família, ela é importante, porque traz outras soluções e privilegia a política, o parlamento, para a saída de problemas. Mas se a Câmara não der conta de votar, a decisão do ministro Gilmar, que retira o Bolsa Família do teto de gastos, não deixará o povo pobre na mão”, postou a deputada nas redes sociais.
Renan Ramalho, Gazeta do Povo