sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

'Um comunista no Ministério da Justiça', por Sílvio Navarro

 

Flávio Dino, o novo ministro da Justiça do governo Lula | Foto: Reprodução Redes Sociais


Lula escolhe Flávio Dino para comandar o projeto policialesco da esquerda e o controle de liberdades individuais no país


Irresponsabilidade fiscal, aumento de preços, retrocesso em legislações trabalhistas e privatizações, aparelhamento político de bancos e empresas públicas, retomada da “república sindical”. O cenário econômico para os próximos anos, com a volta do PT ao poder, é desalentador. Mas é na escolha do comunista Flávio Dino para o Ministério da Justiça que começa a construção do Estado policialesco da esquerda no Brasil.

O supergabinete de Dino será o responsável por controlar as liberdades individuais no país. Além disso, é quem dará a última palavra sobre segurança pública. Vai vigiar os órgão de combate a facções criminosas, o sistema penitenciário, as armas em circulação, investigações sobre corrupção e crimes de colarinho-branco e cuidar da patrulha de fronteiras.

Estarão sob sua tutela a Secretaria Nacional de Justiça, as políticas contra drogas e, principalmente, todas as divisões da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Segundo suas próprias declarações, Dino também quer saber de tudo o que acontece na Amazônia e em áreas indígenas, quilombolas e dos povos ribeirinhos.

E por que a nomeação de Dino é um perigo? Nas fileiras da esquerda, Dino não é considerado um petista raiz, egresso do sindicalismo, das pastorais da Igreja ou do chão de fábrica do ABC paulista. Ele até foi filiado ao PT, em 1987, mas militou 15 anos no Partido Comunista do Brasil. É da chamada “ala ideológica” e já se deixou fotografar vestido de guerrilheiro, com direito a foice e martelo à mão. Por conveniência e sobrevivência política, já que a sigla comunista perdeu relevância com o tempo, filiou-se ao PSB — o mesmo que abriu as portas para o ex-tucano Geraldo Alckmin, porque, para o comando do partido, socialismo significa ser governo.

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O então governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), desfila no Carnaval vestido de comunista – 5/3/2019 | Foto: Reprodução

Dino foi coordenador do Diretório Central dos Estudantes quando cursou Direito na Universidade Federal do Maranhão e liderou grupos de jovens de esquerda. Foi juiz federal por alguns anos, mas optou pela carreira de político profissional. Elegeu-se deputado e governou o Maranhão duas vezes, sem nunca ter conseguido tirar as cidades do Estado do topo do ranking da pobreza. Também participou do governo Dilma Rousseff, como presidente da Embratur.

Neste ano, o comunista foi eleito para o Senado, mas a cadeira de ministro da Justiça já lhe estava prometida havia muito tempo caso Lula vencesse. Foi um processo que começou depois da prisão do petista, em 2018. Dino tornou-se uma espécie de conselheiro de um grupo de advogados “progressistas” que militava pela soltura do então ex-presidente, por meio de ações e pressão no Supremo Tribunal Federal (STF). A banca se autonomeou “Prerrogativas” e existe até hoje.

Na época, formou-se uma frente no meio jurídico contra as sentenças do ex-juiz Sergio Moro na Lava Jato. O próprio Dino chegou a ser citado em delações de ex-funcionários da Odebrecht durante a operação. Segundo um executivo, ele teria pedido dinheiro para campanha e para defender projetos de interesse da empresa. O futuro ministro negou as acusações. Não houve nenhuma condenação contra ele.

Na semana passada, Dino anunciou o nome do advogado Augusto de Arruda Botelho para a Secretaria Nacional de Justiça. Botelho defendeu a Odebrecht, é um dos maiores críticos da Lava Jato e participava de programas de TV no consórcio da velha imprensa.

Foto: Reprodução/Folha de S. Paulo (21/12/2022)

Outras escolhas já causaram ruído, como o delegado Edmar Camata, para comandar a Polícia Rodoviária Federal. A indicação não durou nem um dia, porque militantes de esquerda imediatamente encontraram falas de Camata a favor da prisão de Lula. Dino recuou e escolheu outro nome: Antônio Fernando Oliveira, ex-superintendente da PRF no Maranhão, que, assim como o chefe, aparece em fotos fantasiado de Fidel Castro.

Antônio Fernando Oliveira | Foto: Reprodução/Facebook

O delegado Rodrigo Morais Fernandes comandará a nobre divisão de Inteligência da Polícia Federal. Ele ficou conhecido por conduzir as investigações sobre o atentado à faca contra o presidente Jair Bolsonaro, na campanha de 2018. Passou mais de um ano nos Estados Unidos e agora está de volta ao Brasil.

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O delegado Rodrigo Morais Fernandes assumirá um cargo-chave na PF | Foto: TCE/MG

Sobre armas e detentos

Dino tem dois planos para o início de sua gestão: revogar a todo custo o acesso da população a armas e o que ele chamou de “humanização penitenciária”.

No primeiro caso, o desarmamento da população é uma bandeira bastante conhecida da esquerda quando assume o poder. O melhor exemplo está na vizinhança, desde o início da ditadura chavista na Venezuela ou em Cuba — a História reúne outros diversos casos pelo mundo. O passo inicial será o já anunciado “revogaço” de leis instituídas por Bolsonaro sobre armas. A caçada aos CACs (sigla para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) começou antes da posse, e a ideia é que as licenças sejam extintas em pouco tempo.

“Se a pessoa diz que tem uma arma, é preciso que apresente se a arma existe mesmo e onde ela está. Haverá vedação a certas aquisições, como fuzis, metralhadoras, e assim sucessivamente. É absolutamente descabido” (Flávio Dino, em entrevista à GloboNews)

O jurista Fabrício Rabello chamou a atenção sobre episódios de desconhecimento sobre armamentos. Por exemplo, os auxiliares de Dino na equipe de transição catalogaram armas calibre 22 em mãos dos CACs como perigosíssimas, mas o registro de gerenciamento militar de armas do Exército não distingue fuzis e carabinas 22.

A fórmula de Dino para atingir seus objetivos é simples: vai repassar mais dinheiro do Fundo Nacional de Segurança Pública para os Estados que seguirem sua cartilha. Ou seja, os governadores que atingirem metas de desarmamento vão receber fatias maiores de recursos. A regra também será aplicada para os Estados que obrigarem policiais a usarem câmeras nas fardas.

Sobre os presídios, Dino vai tentar avançar no desencarceramento. Ele nomeou o policial penal Rafael Velasco Brandani para a Secretaria Nacional de Políticas Penais. Brandani afirma ser especialista em humanizar o tratamento aos detentos nas redes sociais.

“Vamos fazer uma alteração em que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) vai virar a Secretaria Nacional Penitenciária e de Alternativas Penais. Execução penal não é igual a prender. A prisão, na verdade, é o último instrumento. Vamos colocar alternativas penais no mesmo patamar que a prisão (Flávio Dino, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo)

Alinhamento com o Supremo

Em sucessivas entrevistas, Dino também tem demonstrado alinhamento com o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente com o ministro Alexandre de Moraes. Chegou a afirmar, por exemplo, que os acampamentos de manifestantes contra Lula em frente aos quartéis do Exército são “incubadoras de terroristas” e que o coro de “S.O.S. Forças Armadas” configura crime. “Essa pessoa não só pode, como deve ser presa”, disse.

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Flávio Dino (à esq.), futuro ministro da Justiça, e Gilmar Mendes, ministro do STF, almoçam em Brasília – 22/12/2022 | Foto: Reprodução

Integrantes da equipe do gabinete de transição também preparam uma secretaria para monitorar as redes sociais no Brasil. É algo similar ao que já ocorre no Judiciário a pedido de Moraes. Segundo o consórcio da velha imprensa, aliás, eles podem ser colegas de toga em breve, se a passagem de Dino for apenas uma escala para o Supremo Tribunal Federal.

A parceria, contudo, deve começar antes. No início do mês, questionado por jornalistas se pretendia ter acesso ao inquérito sigiloso de Moraes no STF contra “atos antidemocráticos”, respondeu: “Se ele autorizar, certamente, serão informações muito importantes para a Polícia Federal executar suas atribuições legais”. O verbo prender é um dos mais usados pelos dois.

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Revista Oeste