sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

'O vermelho é a nova cor da América Latina', por Gustavo Segré

 

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Wikimedia Commons


Resta que o Uruguai, o Paraguai e o Equador se mantenham à direita do universo ideológico


Quando o compositor e cantor Lulu Santos escreveu, no ano de 1983, a sua música de maior sucesso, Como Uma Onda, certamente não imaginou que a frase inicial da canção seria tão apropriada para o que está por vir na América Latina quarenta anos depois. Antes me parece apropriado compartilhar alguns dos sucessos de 2022 que podem e vão mudar o cenário regional no próximo ano.

Desde as eleições presidenciais no país vizinho Paraguai, nenhum partido governista conseguiu a sua reeleição na América Latina.

Não importavam o signo político, a ideologia, as propostas ou os candidatos, a oposição SEMPRE conseguiu vencer quem estava no governo.

A nova maré vermelha se firmou em março de 2022, com a vitória de Gabriel Boric, no Chile, transformando-se no mais jovem presidente da história chilena, e, em agosto, na Colômbia, com a eleição de Gustavo Petro.

O presidente do Chile, Gabriel Boric | Foto: Matias Basualdo/AP/Shutterstock

Ambos ativos militantes da esquerda começaram a mostrar a nova cor da América Latina: o vermelho.

Na parte sul do continente, uma Argentina absurdamente deteriorada econômica e socialmente, sob o comando da Cristina Fernández e seu poste eleitoral, Alberto Fernández, mantinha a ilusão, pelo lamentável resultado do governo, que a maldição que desde 2018 se mantinha intacta em relação à não reeleição de nenhum governo não funcionaria nas eleições do Brasil, já que as conquistas econômicas do presidente Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes são incontestáveis, ainda sob a análise da esquerda (o exemplo negativo da Argentina poderia servir como cabo eleitoral para que Bolsonaro se mantivesse na Presidência).

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e a vice-presidente, Cristina Kirchner | Foto: Nicolás Aboaf/Casa Rosada

mas, além de ter a estatística contra a reeleição, o populismo de esquerda tinha de vencer as eleições fosse como fosse.

Depois de tudo, se Jair Bolsonaro conseguisse mais um mandato como presidente do Brasil, o mapa geopolítico da região NUNCA MAIS SERIA O MESMO.

Vejamos:

Mais quatro anos de Bolsonaro teriam destruído o discurso progressista da esquerda, que afirma que o liberalismo é ruim para a base econômica e social da pirâmide da população.

O PIB brasileiro deve mostrar crescimento maior que o dos Estados Unidos, da China e da Europa, com taxas de inflação menores que dos Estados Unidos, da China e da Europa (isto não acontece desde 1940).

Os indicadores de pobreza caindo, a extrema pobreza diminuindo; mais de 5 milhões de empregos na economia formal nos quatro anos de governo; 8,5 milhões de empresas constituídas, mais de 20 milhões de empresas ativas (marca recorde), diminuição de tributos, melhora na arrecadação; superávit fiscal, depois de muitos anos de déficits crônicos; superávit comercial recorde.

Desde 2014 o Brasil não mostrava apoiar a sua economia no tripé que permitisse ser considerado um dos países mais sérios e previsíveis para investir: meta por inflação, superávit fiscal e modelo de câmbio livre.

Esse tripé, que fora idealizado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (e mantido por Lula nos dois governos e por Dilma no seu primeiro mandato), voltava para ficar.

Porém, o motivo mais importante, ainda porque Bolsonaro tinha de perder, tinha relação com o fim do Partido dos Trabalhadores e da esquerda radicalizada, não apenas no Brasil, como também na América Latina.

Se Lula não ganhasse estas eleições, não tendo herdeiros políticos à altura de poder concorrer com Bolsonaro, com mais quatro anos de Bolsonaro mostrando bons resultados econômicos, diminuindo a pobreza e gerando emprego genuíno, a esquerda, o PT e até o próprio Lula perderiam o motivo de existir, politicamente falando.

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Lula, no Partido dos Trabalhadores. Foto: Divulgação/PT

Se Bolsonaro vencesse, teria mais quatro anos para mostrar que o liberalismo econômico e a direita política não eram ruins como o discurso da esquerda mostrava, e isto não afetaria apenas o Brasil, como também daria asas para que outras ideologias à direita da política e liberais no plano econômico pudessem sair fortalecidas; e o cenário mais importante do populismo de esquerda, AMÉRICA LATINA, mudaria definitivamente de cor.

O vermelho não seria mais a cor preponderante na região.

Os países governados pela esquerda ficariam isolados, e, certamente, com a derrota quase certa do populismo de esquerda na Argentina nas eleições de outubro de 2023, poderia se sacramentar que as duas maiores economias da América do Sul ficariam governadas pela direita, mostrando resultados como nunca antes, desde o retorno da democracia.

Até agora, NENHUM GOVERNO DE DIREITA TEVE A OPORTUNIDADE DE MOSTRAR RESULTADOS POR DOIS MANDADOS SEGUIDOS.

Voltando à Argentina, somente o presidente Mauricio Macri conseguiu concluir seu mandato sem ser do peronismo.

Os presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa tiveram de sair do poderantes dos quatro anos de Presidência, que estabelece a Constituição Nacional.

Analisando tudo isto e olhando o passado, podemos entender os movimentos do Supremo Tribunal Federal do Brasil, para mudar interpretações a respeito do cumprimento efetivo de prisão a partir da segunda instância, anular processos para deixar a Lula “fora das restrições da ficha limpa”, deixando o caminho livre para a sua candidatura:

TUDO ERA VÁLIDO PARA QUE BOLSONARO NÃO CONTINUASSE NO GOVERNO.

Que esperar em 2023 na região?

Os eleitores da esquerda estão mostrando pavio curto.

O presidente Boric, do Chile, teve uma derrota na tentativa de mudança da Constituição, e a sua imagem está no chão, mesmo sem ter cumprido ainda um ano de mandado.

O também mencionado presidente Petro, da Colômbia, enfrentou, a dois meses de assumir o seu mandato, uma manifestação de milhares de cidadãos, que protestaram pela tentativa de uma reforma agraria e de aumentar os impostos para os ricos do país.

FRONTEIRA
Gustavo Petro | Foto: Divulgação/Governo da Colômbia

Os militantes da esquerda na Argentina, sobretudo os integrantes das organizações sociais, que sempre foram base aliada da vice-presidente, Cristina Kirchner, ocupam as avenidas pedindo mais ajuda do governo, sem considerar que o país está quebrado, em função da nefasta política econômica que fará da Argentina o país com maior inflação da América Latina (o índice de inflação será superior a 100% no ano de 2022, ficando inclusive acima da castigada Venezuela).

Em outubro de 2023, o peronismo pode ter a pior eleição desde que, em 1946, Juan Domingo Perón assumiu como presidente dos argentinos.

A Argentina, ainda comemorando a sua terceira Copa do Mundo no futebol, já divulgou por todos os meios possíveis que terá do governo Lula a quantia de U$S 700 milhões

Se tirar uma porcentagem de votos menor que 20%, pode terminar um ciclo que foi nefasto para o país, que já foi o mais rico do mundo no final do século 19.

Caso especial para analisar, o Peru: o presidente de esquerda , sabendo que sofreria um impeachment por parte do Legislativo, apostou tudo ou nada, e perdeu.

Castillo preso
Pedro Castillo, ex-presidente do Peru | Foto: Reprodução/YouTube

Não somente teve seu mandado cassado como também foi preso, e evitou a prisão efetiva, em função do asilo político que obteve do presidente do México, Lopez Obrador.

Dina Boluarte, atual presidente (era a vice de Pedro Castillo e assumiu com sua saída), se define como de centro-esquerda, mas deve convocar eleições assim que a situação política do seu país permitir.

Brasil:

é muito difícil poder fazer projeções sobre que tipo de governo fará o presidente eleito Lula da Silva.

Muitos afirmam que será no estilo do seu primeiro mandato, entre 2003 e 2006, mas o certo é que as ações econômicas que levou a cabo na época contrariavam as propostas do Partido dos Trabalhadores, e fez isto por um objetivo maior: que o PT se mantenha no poder o maior tempo possível. Isto permitiria afiançar as propostas do Foro de São Paulo, e os integrantes da sua aliança política poderiam roubar à vontade em prol do objetivo principal: PODER.

Naquele momento, o fim justificava os meios.

Hoje Lula sabe que será o seu último mandato (pela sua idade) e tem na sua base de governo mais partidos que no primeiro governo.

Isto representa um problema orçamentário, porque há limites nos recursos, e muitos querem usar desses recursos, sem se importar com limites.

Mesmo com a ajuda do ministro do Supremo Gilmar Mendes, que retirou a ajuda social do teto de gastos, ninguém até agora consegue explicar qual será a fonte de financiamento dessas demandas.

Gilmar Mendes, ministro do STF | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Colocar Fernando Haddad como ministro de Economia pode ter a intenção de replicar a fórmula dos ex-ministros de Economia e ex-presidentes da República Getúlio Vargas e Fernando Henrique Cardoso, ou queimar um quase certo candidato à Presidência em 2026, caso o resultado da sua gestão na Fazenda deixe a desejar.

O certo é que hoje, pelos últimos e muitos acontecimentos judiciais, temos a sensação de que a divisão de Poderes, manifesta na obra O Espírito das Leis, escrito em 1748, por Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, conhecido como “Montesquieu”, não estaria sendo respeitada.

O Brasil, país presidencialista, com várias tentativas de adotar um regime parlamentarista, está muito próximo de ser um regime jurista, em que quem tem a última palavra em questões transcendentais da República é o Supremo Tribunal Federal.

E os ditadores e sanguessugas da região?

Venezuela, por meio do seu ditador, Nicolás Maduro, espera recompor relações diplomáticas, que foram interrompidas durante o governo Bolsonaro, e quem sabe, sonhar novamente com a pátria grande.

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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin | Foto: Reprodução/Twitter

A Nicarágua, com o seu outro ditador, Daniel Ortega, anseia receber o convite para a posse do presidente eleito, o que pode deixar o mesmo Lula num problema dos grandes perante a sua base de militantes, que aceita a esquerda como opção de governo, mas visualiza uma aproximação com Ortega como uma agressão para a defesa dos direitos humanos (o próprio Boric afirmou recentemente, numa palestra no México, que não dava para ocultar que a Nicarágua era, sim, uma ditadura).

Lula Daniel Ortega
O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega (à esq.), e o então presidente Lula, durante visita do mandatário estrangeiro ao Brasil | Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil

Em Honduras, a presidente Xiomara Castro está contando os dias, como um preso conta o tempo para sair da prisão, para pedir dinheiro ao novo governo brasileiro, com o objetivo de financiar obras no seu país, que ficaram sem recursos quando Bolsonaro assumiu a Presidência.

A Argentina, ainda comemorando a sua terceira Copa do Mundo no futebol, e sem saber o nome do próximo presidente do BNDES, já divulgou por todos os meios possíveis que terá do governo Lula a quantia de U$S 700 milhões, para a construção do Gasoduto Nestor Kirchner.

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A presidente de Honduras, Xiomara Castro, anuncia visita ao Brasil, para comparecer à posse de Lula e pedir dinheiro ao BNDES – 29/11/2022 | Foto: Reprodução/YouTube

Resta a essa nova América Latina de 2023 que o Uruguai, o Paraguai (que também terá eleições presidenciais em 2023) e o Equador se mantenham à direita do universo ideológico, para manter a esperança de que a região não fique tão vermelha.

A responsabilidade do futuro da América do Sul, sem uma esquerda radical que continue ocupando espaço, e a possibilidade de dois governos de direita numa região tão populista, ficará nas mãos dos hermanos argentinos, quando, em outubro de 2023, poderão dizer adeus a uma opção política que soube como se manter no poder, repetindo o mesmo discurso contra o capitalismo, mas com dirigentes entre os mais ricos do mundo.

Isto sem contar com ter a vice-presidente Cristina Fernández condenada por corrupção e inabilitada para assumir cargos públicos por toda a vida.

“Argentina sem Cristina” | Foto: Divulgação

Ao final, gostam tanto dos pobres que os multiplicam, e, como afirmou Gustavo Petro, presidente da Colômbia, quando o pobre deixa de ser pobre, vota em opções de direita, então o segredo está em mantê-lo pobre, mas com esperança.

Lulu Santos tinha razão: “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia“.

Só que, enquanto formos governados pelo populismo de esquerda, uma coisa poderemos afirmar:

SEMPRE SERÁ PIOR.

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