quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Estatais perdem R$ 130,2 bilhões em valor de mercado após eleição de Lula

 

Entre as estatais, a Petrobras perdeu quase um terço do valor desde a eleição de Lula.| Foto: André Coelho/EFE


As três maiores estatais brasileiras com ações negociadas na bolsa de valores (B3) perderam R$ 130,2 bilhões em valor de mercado desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República. Entre o último dia de campanha, em 28 de outubro, e esta terça-feira (20), as ações da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Seguridade despencaram entre 11,96% e 26,86% no período, com destaque para as preferenciais da petrolífera, principalmente após rumores de que um político pode ser indicado para o comando da empresa.

A Petrobras entrou no foco do mercado quando, na última semana, nomes petistas como o ex-ministro Aloísio Mercadante e o senador Jean Paul Prates (RN) começaram a ser cotados para presidir a estatal. Em apenas um dia, as ações da petrolífera despencaram 9,8%, com uma perda de R$ 30 bilhões. Depois, Mercadante acabou confirmado para presidir o BNDES, mas o estrago já estava feito.

A alteração da Lei das Estatais que abriria espaço para a nomeação de políticos para os mais altos cargos de direção chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas parou no Senado e foi adiada para 2023. O atraso acalmou os ânimos dos investidores por enquanto, mas o risco de uma mudança ainda ronda o mercado e levanta dúvida sobre o tamanho da interferência do novo governo sobre essas companhias.


Veja abaixo quanto as estatais brasileiras com ações negociadas na bolsa já perderam em valor de mercado desde a eleição de Lula:


Petrobras (PETR3 e PETR4)

Valor de mercado em 28 de outubro: R$ 448,7 bilhões.

Valor de mercado em 20 de dezembro: R$ 335,2 bilhões, queda de 25,3%.


Banco do Brasil (BBAS3)

Valor de mercado em 28 de outubro: R$ 111,2 bilhões.

Valor de mercado em 20 de dezembro: R$ 96,8 bilhões, queda de 12,93%.


Caixa Seguridade (CXSE3)

Valor de mercado em 28 de outubro: R$ 26,3 bilhões.

Valor de mercado em 20 de dezembro: R$ 24 bilhões, queda de 8,88%.


Exceção a elas é a BB Seguridade (BBSE3), subsidiária do Banco do Brasil, que acumulou ganhos de R$ 6,6 bilhões no período por ter títulos atrelados à taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano e com previsão de voltar a cair apenas a partir do fim de 2023.

Nas outras companhias, a desvalorização foi provocada pelo receio que os investidores têm de que se repitam escândalos ocorridos no passado com o envolvimento de estatais, em casos como mensalão e petrolão. Para agentes do mercado financeiro, as sucessivas declarações dadas pelo futuro governo contra a Lei das Estatais começaram a ecoar logo após o resultado do segundo turno.

“O PT deixou bem claro que dentro das alavancas para estimular a economia vai utilizar principalmente o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica e Petrobras. E essa última acaba sendo o grande destaque entre todas, em que até mesmo um governo mais liberal como o de Bolsonaro interveio nos preços dos combustíveis. De um governo PT a gente espera tudo o que Bolsonaro fez e um pouco mais”, explica Victor Inoue, líder da WIT Invest assessoria de investimentos.

O economista ressalta esse “um pouco mais” como uma possível mudança na política de desinvestimento da petrolífera, que se tornou uma grande pagadora de dividendos após se desfazer de negócios que não eram sua especialidade para focar naquilo que dá mais lucro – extração de petróleo.

Mas o temor não fica restrito à Petrobras. Hugo Queiroz, diretor da área de mercado de capitais da consultoria TC, lembra que outras políticas implantadas nos governos anteriores também não foram bem sucedidas e provocaram prejuízos.

“O Banco do Brasil é a mesma coisa, com a concessão de linhas de crédito muito ruins, com baixo spread e alto risco de inadimplência. Um bom exemplo foi aquela linha criada no governo Dilma [Rousseff] (PT) para a compra de móveis e eletrodomésticos, que teve um alto calote na Caixa”, lembra.

Outro fantasma do passado foi a política das “campeãs nacionais”, em que o BNDES despejou R$ 18 bilhões em alguns poucos grupos privados para que pudessem concorrer no mercado internacional. Esse incentivo desenvolvimentista se mostrou um insucesso e foi abandonado em 2013. Em paralelo, o banco de fomento recebeu R$ 440 bilhões do Tesouro para financiar a juros baixos empresas, estados, municípios e pessoas físicas, dinheiro que terminará de devolver em 2023.


Muitos interesses políticos e poucos cargos disponíveis no alto escalão

Adriano Gianturco, cientista político e coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec, lembra que as estatais brasileiras eram usadas até 2016, quando a legislação mais restritiva foi aprovada, como mais um órgão público para distribuir cargos a aliados políticos.

Para ele, só a sinalização de querer se mudar a Lei das Estatais já é motivo suficiente para o mercado deixar de lado a confiança. “Historicamente, o normal nas estatais sempre foi o de um cabide de emprego, para alocar os ajudantes do presidente e aqueles que o apoiaram durante a eleição, e para desviar dinheiro legalmente e ilegalmente. Tivemos um breve momento de exceção a isso, mas, no médio prazo, sempre volta ao normal histórico de sempre”, afirma o Gianturco, autor do livro “A Ciência da Política”.

Ele acredita que nem mesmo o fato de as estatais terem sócios privados afasta o risco de uso indevido, até porque o governo – que normalmente é o sócio-controlador – tem mecanismos para “comprar o apoio”. Um deles é a concessão de empréstimos vultuosos com juros subsidiados do BNDES.

Inoue, da WIT Invest, considera um grande problema a indicação de políticos mais alinhados aos interesses do presidente da vez que aos do mercado. Estatais com uma gestão mais técnica que política, observa ele, acabam revertendo mais lucros para o governo, acionista majoritário que tem nos dividendos uma fatia importante do orçamento da União.

Como os investimentos acabam consumindo parte desses dividendos, escolhas erradas podem acabar afetando o negócio como um todo, levando a prejuízos não apenas dos sócios privados, mas do próprio governo, explica Queiroz, da TC.

“Um bom exemplo é a gente pegar o planejamento estratégico da Petrobras antes e pós-governo [Michel] Temer. Vejo que o novo governo pode querer atuar em investimentos que não fazem sentido nenhum pra companhia hoje por questões de margem baixa, risco alto de crescimento da alavancagem e endividamento. Antes do Temer, se investiu em refino, que tem uma rentabilidade muito baixa, em termelétricas, em outros negócios altamente arriscados que demandam muito capital e, dependendo da volatilidade do mercado de petróleo, do risco de quebra por conta da alta intensidade de capital e de dívida”, diz.

E há, ainda, outro fator que o economista da WIT Invest vê com preocupação: a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de outra alteração na Lei das Estatais, para aumentar de 0,5% para 2% da receita bruta o montante que estatais podem gastar com publicidade, “o que equivale apenas na Petrobras a algo entre R$ 8 bilhões e R$ 11 bilhões por ano nos próximos quatro anos”.

O projeto de lei, agora no Senado, traz de volta a memória do escândalo do mensalão, que utilizava exatamente o orçamento de publicidade dos Correios para desviar verbas usadas para pagamento de propina para a cooptação de partidos e políticos. Anos depois, a Operação Lava Jato descobriu o uso de verba de publicidade do BB no petrolão.

“O mercado vê tanto o que aconteceu no passado como a expectativa futura. Essa memória já existia antes [da eleição], mas talvez havia uma expectativa diferente, de que [o novo governo Lula] seria algo como um governo Bolsonaro [mantendo a política de mercado] com mais gastos sociais, mas está se revelando bem diferente. Mais do que um governo Lula 3, está parecendo mais um Dilma 3”, arremata Adriano Gianturco ressaltando que a frustração veio mais rápido do que se esperava.


Expectativa de “Dilma 3” enquanto não há planos concretos para cada estatal

Duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou inconstitucional o "orçamento secreto" e permitiu a retirada do Bolsa Família do teto de gastos, significaram uma vitória para Lula antes mesmo da posse, e uma derrota do Cetrão na negociação por cargos nas estatais e ministérios no novo governo.

Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, mesmo sem a necessidade de se lotear cargos nas companhias, o mercado ainda vai continuar olhando com cautela os movimentos de Lula nas indicações às diretorias. A desconfiança ainda vai provocar muitas oscilações, e as perdas acumuladas até agora só poderão ser revertidas quando o governo apresentar efetivamente as novas políticas das estatais, quando os indicados tomarem posse.

“No caso específico da Petrobras, esperamos uma política massiva de investimentos, com mais compras de refinarias, a exploração do petróleo em águas profundas e a transição da matriz energética de energia limpa [muito ressaltado por Lula durante a campanha], o que vai ser bom para o caixa. O grande medo do mercado é que toda vez que a companhia tenta fazer alguma coisa que não seja extrair petróleo do pré-sal, ela faz investimentos de uma forma muito ruim, com perspectiva de retorno negativa muitas vezes”, afirma Inoue.

No Banco do Brasil e na Caixa, o mercado espera um crescimento na concessão de crédito direcionado em diversas modalidades, mas principalmente pelo “Minha Casa Minha Vida”. E ainda um reforço de empréstimos do BNDES, que Lula sinalizou ao longo da campanha eleitoral.

Apesar das sinalizações do novo governo, Queiroz acredita que as reformas promovidas nos últimos seis anos foram suficientes para gerar um ambiente pró-mercado muito mais vantajoso, e que a equipe econômica de Lula está enfim sendo bem formada de modo a entender que muita coisa mudou.

“Tivemos muitas reformas que geraram foco em investimento e também tiraram o foco do consumo e de pilares específicos como commodities. A gente saiu de um crescimento conjuntural para um estrutural de cinco a dez anos, que não depende de ciclos econômicos brasileiros ou globais específicos. Ele puxa o crescimento sozinho nesse intervalo e, além disso, tira os efeitos de ciclicalidade das commodities, gerando uma recorrência de crescimento. O ambiente de negócios ficou muito melhor nos últimos seis anos, e a sociedade produtiva não vai aceitar retroceder”, completa.

No cenário mais geral do mercado, Inoue vê um esforço grande do PT em aprovar a reforma tributária logo nos primeiros seis meses, por conta da nomeação de Bernard Appy para o cargo de secretário especial no Ministério da Fazenda. O economista acredita que o partido possa usar a reforma para equilibrar as contas públicas, “mesmo que isso imponha um aumento significativo na carga tributária”.

Ele vê, ainda, a possível volta das conversas para a taxação de dividendos, que afeta diretamente a bolsa de valores. E, ainda, o mercado segue em dúvida se essa taxação pode afetar também outros ativos, como fundos imobiliários, títulos de renda fixa isentos, Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRI e CRA), entre outros.


Guilherme Grandi, Gazeta do Povo