terça-feira, 20 de outubro de 2020

"O papel do STF: HC concedido a André do Rap só aumenta a necessidade de uma reforma urgente na Corte", por Luiz Holanda - Advogado e professor

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) é a instância máxima do nosso Poder Judiciário.

Sua principal função é a defesa da Constituição, conforme o disposto no art. 102, § 3º, inc. IV da CF/88. Além do controle de constitucionalidade, trata também de outras obrigações, entre as quais o julgamento de habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, crimes cometidos pelo Presidente da República e outros.

É composto por onze ministros, todos brasileiros natos, escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, possuidores de notável saber jurídico e reputação ilibada. O escolhido é nomeado pelo presidente da República após aprovação do Senado Federal.

Eles se dividem em turmas de cinco membros em cada, e o presidente da Corte participa das sessões plenárias.

Do ponto de vista processual, um número teratológico de instâncias contribui para o congestionamento provocado pelo excesso de recursos. Além disso, a demora nos julgamentos causa descrença e perplexidade.

O STF, hoje, é a 4ª instância do Judiciário, atuando de acordo com os acórdãos das instâncias inferiores. Isso não tem amparo na Constituição, pois somente depois de percorrer quatro instancias pode-se executar uma sentença de primeiro grau.

No Brasil criou-se o costume de que toda decisão prolatada por órgão inferior é inconstitucional e deve ser submetida ao STF. Há precedentes de que uma decisão de primeira instância (Habeas Corpus) foi direta para o Tribunal.

O ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do HC do ex-ministro Palocci, fez questão de salientar esse fato dizendo que a quantidade de recursos na Corte é uma verdadeira jabuticaba, e que o Habeas Corpus entre nós está tão desorganizado que permite a continuidade da impunidade.

Isso não acontece nos Estados Unidos. Lá a Suprema Corte julga em grau de recurso as causas já decididas pelas Cortes de Apelação Federais e os recursos das decisões das Supremas Cortes Estaduais quando o assunto se refere a direito federal ou questões de ordem constitucional.

A seleção dos processos a serem submetidos a julgamento é feita pela apreciação do “writ of certiorari”, que é uma competência discricionária da Corte, atendendo a um pedido dos litigantes para que ela se manifeste a respeito de uma questão de mérito. O writ será acolhido se, pelo menos, quatro dos seus juízes se manifestarem a favor.

O monstruoso estoque de 80 milhões de processos judiciais existentes em todas as instâncias do nosso Judiciário e a demora em julgá-los resulta em descrença e insegurança jurídica.

O atual sistema judicial não está cumprindo a sua função de pacificar a sociedade com justiça, solucionando os conflitos sociais em prazo razoável, segundo os valores descritos na lei e na jurisprudência.

Se o STF continuar como 4ª instância jamais teremos um sistema de justiça justo.

Outro fator que precisa ser solucionado é a criação de um mecanismo que evite que decisões monocráticas perdurem no tempo sem qualquer apreciação do Plenário.

O habeas corpus concedido ao traficante André do Rap pelo ministro Marco Aurélio Mello só fez aumentar a necessidade de uma reforma na Corte, urgente e eficaz.

Esse fato, conhecido como monocratização do Supremo, precisa ser solucionado.

A urgência de uma reforma no Regimento Interno do tribunal para regulamentar as ordens monocráticas não é novidade. Os ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso já apresentaram sugestões nesse sentido.

Para eles, a medida cautelar concedida por um só ministro deve ser incluída imediatamente em pauta, inclusive em sessão virtual.

No ano 2000, o então presidente, ministro Carlos Velloso, suspendeu o habeas corpus concedido pelo mesmo Marco Aurélio ao ex-banqueiro Salvatore Cacciola. Tal qual André do Rap, Cacciola também fugiu.

Em setembro de 2018, no exercício da presidência, o ministro Luís Fux suspendeu uma liminar concedida por Ricardo Lewandowski autorizando o jornal Folha de São Paulo entrevistar o ex-presidente Lula na prisão.

Logo depois Lewandowski voltou a autorizar a entrevista, mas Toffoli, na presidência do tribunal,, referendou a decisão de Fux.

Em dezembro de 2018, no último dia de trabalhos no STF, Marco Aurélio suspendeu a possibilidade de prender condenados em segunda instância antes do trânsito em julgado de todos os recursos cabíveis. A decisão foi revista por Toffoli, durante o recesso. Essa confusão contribui – e muito-, para a descrença da população nas decisões de nossa Suprema Corte. Prova melhor da necessidade urgente de uma reforma do Judiciário não existe.

Foto de Luiz Holanda

Luiz Holanda

Advogado e professor universitário

Jornal da Cidade