sexta-feira, 7 de agosto de 2020

"Manual da Procuradoria-Geral", por Guilherme Fiuza

 O guia para que a PGR possa trabalhar em paz, procurando não encontrar nada


— O que faz o procurador-geral?

— Procura geral. O nome já diz.

— Ah, tá. Procura o quê?

— Procura não achar.

— Não é perigoso?

— Por quê?

— Dizem que quem procura acha.

— Depende. Se procurar direito, não acha.

— Entendi. E no caso é pra não achar o quê?

— Difícil te responder isso, enquanto nada for achado.

— Imagino. Você não pode adivinhar, né?

— Pois é.

— Mas você não tem nem uma hipótese?

— Sobre o quê? Me perdi.

— Normal. Quem não acha se perde mesmo.

— Que bom que você entende a angústia de um procurador-geral.

— Entendo totalmente. E vou te ajudar: estávamos falando sobre o que o procurador-geral procura não achar.

— Lembrei. É, realmente não sei.

— Foi aí que te perguntei se você não tem uma hipótese…

— Hipótese, no caso, de quê?

— Do que o procurador-geral procura não achar.

— Ah, sim. Tenho.

— Ótimo! O que seria?

— Ladrão.

— O procurador-geral procura não achar ladrão?

— Não sei. Você pediu uma hipótese.

— Claro, claro. Mas esse “ladrão” aí é código, né? Estamos falando de que na verdade?

— De ladrão mesmo.

— Ladrão ladrão?

— Isso.

— De galinha?

— Não. De dinheiro.

— Que dinheiro?

— Dinheiro público. Que não é de ninguém, aí fica mais fácil não achar.

— Faz sentido. E o que você acha…

— Não acho mais nada. Já achei demais pra quem procura não achar.

— Desculpe, tem toda a razão. E já andaram achando demais no Brasil nos últimos anos, né?

— Demais. Se perderam de tanto achar.

— Acharam até a quadrilha do Lula.

— Lula? Que Lula?

— Também não sei. Me perdi.

— Se perdeu porque não está procurando direito. Aí acaba achando.

— Verdade. Quem acha se perde.

— Aí é a Perdição-Geral da República.

— Que horror.

— Não se preocupe. Estamos corrigindo isso.

— Que bom. Ninguém aguentava mais esse achismo.

— O que é isso?

— Achismo é quando muitas coisas são achadas.

— Ah, aí é terrível mesmo. O achismo leva ao investigacionismo.

— Que leva ao punitivismo.

— Que leva ao prisionismo.

— Que leva ao legalismo.

— Chega de ismos.

— Já bastam os abismos.

— O Brasil precisa de paz.

— Amor.

— Tolerância.

— Toga.

— Hein?

— Toga. Toga para todos.

— Para todos? Será que dá?

— É… Acho que não. Desculpe, me empolguei.

— Sem problema. Na hora do discurso a gente se empolga mesmo.

— Isso. Deixa como tá.

— Como tá, não. Como era antes.

— Me referi às togas: deixa como tá, pra voltar como era antes.

— Perfeito. Acho que encontramos o ponto.

— Jamais repita isso! Procurar, sempre; encontrar, jamais.


Revista Oeste