A indignação das classes médias brasileiras escrachada agora pelas urnas vem sendo vista como parte do mesmo fenômeno manifestado em outros países. Mas tem lá suas peculiaridades.
Nos Estados Unidos, as classes médias indignadas elegeram Donald Trump e aparentemente gostam do que ele faz na Casa Branca. Na Itália, apareceram antes, com Silvio Berlusconi, e agora atuam sob outro comando do ministro do Interior, Matteo Salvini. Na Alemanha, puxam nova oposição de radicais de direita contra a chanceler Angela Merkel. Na França, apoiam a ultradireitista Marine Le Pen. Mas também vicejam na Áustria, na Hungria, na Polônia e na Turquia.
Quatro movimentos históricos alimentaram e parecem unificar essa indignação. O primeiro deles é a enxurrada de produtos industrializados baratos da China e do resto da Ásia que esvaziaram a indústria e o emprego no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. O segundo é a cada vez mais intensa utilização de tecnologia da informação no setor produtivo, que dispensa cada vez mais mão de obra, destrói empregos e semeia insegurança. O terceiro fator que tira o chão das classes médias e espalha ressentimento é a crescente incapacidade dos Estados de garantir o mínimo de benefícios sociais (aposentadoria, seguro-desemprego, saúde fundamental, educação para todos e segurança). E, quarto fator, em parte impulsionado pelos anteriores, é o aumento da migração de pobres e refugiados para os países mais ricos, o que aumenta a sensação de que mais gente está inviabilizando a vida de quem tanto luta para mantê-la.
A insatisfação dos remediados não é novidade. Sempre esteve aí, às vezes mais explícita e outras, latente, porque essa gente sempre teve tolhida sua aspiração de ascensão social e de acesso à renda. A sociedade alimenta sonhos cuja realização não consegue entregar e isso frustra e revolta. No passado, muito dessa revolta foi resolvida por meio de guerras ou, simplesmente, por alguma distribuição de pão e de jogos de circo, recursos que perderam eficácia.
Essa percepção de fracasso e de prostração teve até recentemente poder limitado de produzir mudanças políticas. O que mudou foi o alcance da comunicação instantânea, graças à internet, às redes sociais, ao celular e ao WhatsApp, que produziram enorme capacidade de mobilização.
Os próprios intelectuais não davam importância aos movimentos das classes médias. Os marxistas, por exemplo, viam a chamada pequena burguesia como mero instrumento das classes dominantes e seus movimentos (ou a falta deles), como manobras de dominação exercida na luta de classes. Não viam as classes médias como categoria social relevante. São conceitos que agora estão à espera de revisão, até mesmo no que tinham de correto.
A indignação das classes médias brasileiras apareceu mais intensamente nas manifestações de 2013, até agora não atendidas. Também tiveram como fatores detonadores a recessão, o desemprego crescente, a falta de perspectivas profissionais, a insegurança provocada pelas políticas econômicas desastradas do período Dilma. Mas, diferentemente do que aconteceu com outros movimentos de indignação ao redor do mundo, também se avolumaram em consequência do brutal e instantâneo conhecimento da existência de uma vasta rede de corrupção, revelada sucessivamente pelas denúncias dos anões do Congresso, do mensalão, do petrolão e das atividades ilícitas ligadas a grandes empreiteiras.
Como lidar e, sobretudo, como consertar tudo isso é que são elas. As esquerdas do PT estão perplexas e desesperadas. Não sabem nem o que fazer com seu discurso. Bradaram que o impeachment foi golpe, mas atiraram-se aos conchavos com os golpistas.
Pretenderam ser “uma ideia”, mas não conseguem sequer reconhecer que pilharam o patrimônio público e afundaram a economia. Basearam sua estratégia na palavra de ordem “Lula livre”, mas agora o escondem e o tiram até mesmo do material de propaganda. Sugerem nos acréscimos do tempo de jogo a concertação para uma união nacional, mas parecem não perceber que foram eles que produziram o Bolsonaro e toda a rejeição a eles.
Bolsonaro, por sua vez, apresenta pouquíssimas credenciais. Nunca chegou a administrar nem sequer um condomínio residencial. Ele se confessa ignorante em matéria de política econômica, saúde pública, em educação. Quando avisa que vai enfrentar tudo a bala e quando humilha as minorias, tende a provocar ainda mais violência e mais desconsideração.
Dizer que no fim vai dar tudo certo é pretender saídas mágicas do buraco em que se meteu o Brasil.
O Estado de São Paulo