domingo, 14 de outubro de 2018

"Alimentos no futuro", por Roberto Rodrigues

A indústria de alimentos é parceira da maior importância para a real integração das cadeias produtivas do agronegócio: ela processa 58% da produção agropecuária brasileira, segundo informa a Abia.
E informa ainda mais: segundo dados do USDA, somos o segundo maior exportador mundial de alimentos processados, em volume. Isso se deve a uma poderosa indústria representada por 35,6 mil empresas que geram 1,6 milhão de empregos diretos e que faturaram em 2017 cerca de R$ 642,6 bilhões, dos quais 81% foram alimentos propriamente ditos e 19% bebidas.
Desse faturamento significativo, 87,6% vieram da venda de produtos usados na nossa culinária tradicional, como carnes (incluindo pescados), laticínios, cereais, derivados de trigo, óleos e gorduras, derivados de frutas e legumes, desidratados e açúcares. E outros 12,4% vieram de aperitivos ou sobremesas, incluindo snacks e chocolates.
A gente nem se dá conta, mas os brasileiros fazem mais de 500 milhões de refeições todos os dias e, de acordo com o Ital, 68,9% dos gastos das famílias com alimentos acontecem nas refeições feitas em casa e outros 31,1% são custos de quem come fora de casa. Para esses, há uma inimaginável rede de mais de 1,5 milhão de estabelecimentos que preparam refeições: são 774 mil bares e pequenos serviços, 446 mil restaurantes e fornecedores de fast food, 82 mil padarias, supermercados e lojas de conveniência, e um sem número de feiras populares em todos os municípios. E ainda tem mais de 35 mil hotéis e pousadas, 190 mil escolas e até 29 mil hospitais, todos ocupados com o tema. É um universo gigantesco com o qual nos encontramos todo o tempo sem nos darmos conta de quanto o agro está vigorosamente presente em tudo isso.
Atenta a esses fatos, a Fiesp realizou uma ampla pesquisa quanto à tendência de consumo de alimentos, mostrando algumas contradições surpreendentes. Por exemplo, 74% dos brasileiros afirmam que “se preocupam em manter a forma física”; em contrapartida, 70% deles “admitem não fazer academia ou praticar algum tipo de exercício ou esporte com regularidade”.
São 56% os que “ficam com a sensação de ter comido mais do que deveriam”. Pudera, são 61% os que preferem alimentos mais “gostosos”, principalmente os mais jovens.
A pesquisa da Fiesp mostra também uma série de questões que precisam ser melhor esclarecida para a população, sem que haja nesse processo de comunicação nenhuma predisposição de caráter ideológico ou maniqueísta. É essencial que a ciência e a tecnologia sejam a parte mais evidente nesse capítulo.
Há uma curiosa resposta sobre a pergunta feita aos consumidores se acreditam que “a maioria dos alimentos prontos não é saudável”: 51% acham que não, um dado estranho, embora tenha havido uma melhora sobre pesquisa igual feita em 2010, quando 59% também achavam que não. Por outro lado, a respeito “do que acham os consumidores sobre a melhoria dos alimentos industrializados nos últimos dez anos”: 56% acreditam que houve melhora em qualidade, 60% em sabor e 73% em praticidade. Mas só 27% acham que os preços melhoraram, o que representa uma importante crítica indireta à indústria, e isso precisa ser explicado.
Uma curiosidade: há uma clara diferença conceitual entre o significado das palavras “alimentação” e “comida”. Alimentação traz à memória: regra, dieta, nutrição, fome, ingredientes, responsabilidade, fresca, qualidade. Já comida tem a ver com coisa boa, apetitosa, em casa, arroz e feijão, desejo, felicidade, prazer, lazer, bastante quantidade.
Seja como for, são temas da maior importância contemporânea. Assombra o mundo todo o crescimento da obesidade, uma verdadeira epidemia global. E a alimentação tem tudo a ver com isso. É imperioso esclarecer o papel da indústria de alimentos nesse cenário, sem o preconceito de que alimento processado não é saudável. Deve sempre prevalecer a ciência em tudo, inclusive em temas como rotulagem ou o consumo de carnes ou de açúcar, muitas vezes identificados como inadequados. 
Afinal, até 2050 a população vai precisar de mais 70% de alimentos, e já se fala abertamente em proteína vinda de insetos, que tem pouca gordura, são fáceis de criar e ocupam pouco espaço. Segundo a FAO, já são conhecidas 900 espécies de insetos comestíveis.
Que tal um risotinho de grilos, formigas e gafanhotos servido com uma salada de moscas e baratas? E de sobremesa um pudim de larvas?
Não, ainda não: vamos cuidar do agro sustentável coroado por uma indústria alimentar idem.
EX-MINISTRO DA AGRICULTURA E COORDENADOR DO CENTRO DE AGRONEGÓCIOS DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
O Estado de São Paulo