Para o economista Armínio Fraga, já estava claro desde o ano passado que o crescimento do Brasil não iria engrenar por falta de investimentos.
"Quem vai inaugurar um projeto de longo prazo, imobilizando capital, num cenário de incerteza como o que vivemos?", questiona.
Mas avalia que a situação se agravou a partir da paralisação dos caminhoneiros não apenas pela insatisfação da categoria, que parou o país por duas semanas, mas pela falta de uma liderança do governo para dar limites à mobilização.
"A greve em si adquiriu uma dimensão maior em função de um governo fragilizado, um governo assim: fim de linha."
Fraga conta que teve empatia com o estilo do apresentador Luciano Huck e diz acreditar que ele tinha chance de concorrer. Levou tão a sério a possibilidade de Huck chegar à Presidência que investiu recursos e esforços pessoais para redigir um plano de governo.
Com a desistência de Huck, ele dá continuidade à elaboração dos projetos que pretende entregar ao novo presidente seja ele quem for. "Eu pensei em fazer um plano por medo: vai que Luciano Huck se candidata e vai que ele se elege", diz.
Já estamos no meio do ano e as projeções de crescimento não se confirmaram. O que houve?
Havia algum espaço para o que chamamos de recuperação cíclica —após uma recessão, os mecanismos de autocorreção funcionam. O Banco Central tem espaço para reduzir os juros e a coisa começa a virar. É um caminho clássico.
Mas não havia espaço para uma recuperação completa porque o investimento me parecia, já antes dos atuais números que são muito ruins, fadado a esperar o resultado da eleição.
Quem vai inaugurar um projeto de longo prazo, imobilizando capital, num cenário de incerteza como o que vivemos? Há um ano esse argumento já valia. Aí, em cima disso vem essa conjuntura mais turbulenta.
As projeções de crescimento entre 3% e 2% foram revisadas para a faixa de 1%. Já tem gente até falando em menos.
A sequência para mim é aguardar os debates para ver se os candidatos vão se apresentar como líderes que o país precisa ou vão repetir o teatro populista e, com isso, garantir o fracasso futuro.
Mas o sr. acredita que o eleitor está preparado para aceitar medidas econômicas mais duras para melhorar a situação econômica?
De fato, não tenho convicção disso, mas tenho esperança. As pessoas já devem ter percebido que toda a aventura intervencionista que o país viveu deu errado. O Brasil requer uma retórica diferente.
É muito comum a gente ouvir: temos de nos preparar para o sacrifício para colocar o país nos trilhos. A abordagem é totalmente errada. Espelha a tentação populista. Dá a impressão de que há uma alternativa. O custo do não sacrifício é muito maior.
As pessoas falam de austeridade com constrangimento. Austeridade é ótimo. Cada um tem de viver dentro da realidade do que pode, ciente das dificuldades.
Eu tenho consciência da imensidão de pessoas que são extremamente pobres. Essa é uma questão fundamental para ser tratada pela política pública. Mas o país como um todo precisa usar os recursos de maneira racional.
A paralisação dos caminhoneiros não mostra o contrário? Foi deflagrada por causa da política de reajustes de preços da Petrobras que tentou dar mais realismo à variação das cotações internacionais sem o intervencionismo de antes.
Na greve dos caminhoneiros é preciso separar causa e consequência. A tentativa da Petrobras foi correta. Talvez tenha faltado algum mecanismo para suavizar as oscilações. Mas o que faltou mesmo foi a busca de uma alternativa que evitasse o subsídio.
O subsídio traz de volta aquele sonho de que o governo pode dar tudo para todos instantaneamente. Preço congelado e subsídio para nós são armadilhas. Não tem risco de dar certo.
Mas essa greve não ganhou a dimensão que ganhou por razões técnicas. A greve em si adquiriu uma dimensão maior em função de um governo fragilizado, um governo assim: fim de linha.
O discurso da austeridade é de centro, e os candidatos de centro não decolam. São os extremos à direita e à esquerda que aparecem mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais.
Para mim, hoje está difícil entender o que é centro e o que é esquerda. Está claro o que é direita.
Essa esquerda nossa é mesmo esquerda depois de tudo que fez? Depois dos programas gigantescos e fracassados de bolsas empresários, maiores até do que os oferecidos na área social? Isso é esquerda? Essa roubalheira toda?
Eu diria a mesma coisa sobre o centro. Ele não pode se deixar confundir com o chamado centrão, que é outra coisa. É meio o retrato do Brasil velho. O PSDB sempre trabalhou no centro.
O que o sr. está chamando de centrão?
Essa massa de partidos que não exibem clareza programática ou ideológica. Estão ali, no poder, operando "O Mecanismo", como descreveu José Padilha.
Com eles, grandes temas, grandes projetos, visões de longo prazo ficam totalmente inviabilizados.
E o centrão tem uma característica interessante: é conservador de uma forma primitiva. Trabalha pela conservação do poder, pela concentração da riqueza para poucos. Não tem conservadorismo no sentido filosófico, com valores.
Esse centrão não foi capaz de nos trazer desenvolvimento, mas até por senso de autopreservação foi capaz de evitar aventuras maiores.
Como assim autopreservação?
O impeachment, por exemplo, que foi vendido para o mundo como sendo um golpe —o que não foi—, no fim pode ser considerado um ato de autopreservação deles.
Todo mundo viu que o país ia quebrar se continuasse naquele caminho. A política reagiu desse jeito. Isso significa que a nossa política é boa? Não. Ela está cheia de problemas.
Esse tipo de conservadorismo nos prejudica, mas funciona contra avanços agressivos.
Mas na área econômica, na sequência, veio o programa Ponte para o Futuro, que também não vingou com esse grupo. Por quê?
O Ponte foi uma grande surpresa, assim como Temer. Como vice-presidente ele foi parte importante desse modelo. Foi uma surpresa quando ele decidiu pular fora.
O Ponte para Futuro foi um movimento importante. Mas esse movimento foi conduzido pelo mesmo grupo que tinha raízes profundas com esse Brasil velho. O lado político da proposta de Temer foi velho, e eles acabaram tropeçando nas armadilhas que eles próprios armaram para eles mesmos.
É possível ter desenvolvimento econômico moderno com política velha?
Não. Essas duas coisas não caminham juntas. O modelo de patrimonialismo, de corrupção não nos leva a lugar nenhum. Mas há uma sinalização de mudança, com uma turma mais nova entrando, questionando essa cacofonia partidária.
O sr. se aproximou do apresentador Luciano Huck quando ele avaliava ser candidato. Por quê?
Luciano é uma pessoa com grande energia pessoal, grande inteligência, querendo entrar na política com um capital pessoal de grande visibilidade. Eu enxergava nele um canal para se tentar dar ao Brasil um governo melhor. Não foi uma coisa planejada.
Foi por pura empatia?
Sim. Um dia começamos a bater papo. Ele tem uma notável capacidade de trabalho. É rápido. Quando caminhou para a decisão, eu estava muito perto. Ele estava um pouco entusiasmado por um lado, assustado por outro. Foi uma decisão muito pessoal dele.
Um outsider consegue sobreviver na política brasileira?
Eu não teria me colocado à disposição se não considerasse a candidatura viável, mas nunca achei que seria fácil. A família de Luciano é ligada ao PSDB. E o PSDB se atrapalhou muito. Luciano seria um outro caminho.
O sr. já fez várias manifestações mostrando desilusão com o PSDB...
Eu nunca fui filiado. Mas acho que o PSDB queimou uma franquia que tinha. É uma pena. Hesitou muito nos temas financeiros. Mas, sobretudo, teve uma certa leniência com questões de natureza ética.
Mesmo com essa avaliação, o sr. já abriu o voto em favor de Geraldo Alckmin? Por quê?
Ele tem experiência, é um conservador fiscal e está bem assessorado [pelos economistas Pérsio Arida e Edmar Bacha, pais do Plano Real].
O sr. também não se afastou totalmente da política e tem produzido uma agenda com propostas. Como tem sido esse trabalho?
São projetos apartidários, totalmente independentes. Eu estou bancando custos, que não são grandes, mas existem. Minha proposta é produzir algo que, quando a pessoa chegue lá, tenha na mão um plano equilibrado e fundamentado, com chance de dar um passo na direção para ser aprovado no Congresso.
Um grupo redige uma proposta de reforma da Previdência mais completa. A do governo foi dilapidada. Quem coordena é Paulo Tafner.
Também estou muito animado com o outro projeto mais difícil. É meio pomposo falar, mas se trata de uma reforma do Estado. Nessa estão Ana Carla Abraão e Carlos Ari Sundfeld, uma sumidade do direito público.
Estamos vendo também como desvincular 100% do Orçamento. É uma PEC [proposta de emenda à Constituição] curtinha. Difícil é passar. Mas eu acho que tem chance de passar, apesar de 99% das pessoas com quem converso dizerem que eu estou errado.
O nosso Orçamento caminha para a falência se continuar nessa trajetória, e a desvinculação toca em muitos interesses, mas vai dar a chance de organizar as finanças.
Tem também a reforma tributária. Bernard Appy tem uma proposta, o Ministério da Fazenda também. Conversei com o Appy que, se possível, preparasse os documentos legais. Em tudo isso não tem nada de original, mas eu pensei em fazer um plano por medo: vai que Luciano Huck se candidate e vai que ele se elege.
Fez pelo Luciano Huck?
Sim. Por ele e por meu próprio medo. Eu já passei pelo governo. Sei como as coisas lá funcionam. Um dia ele me perguntou: 'E aí como seria lá?' E eu pensei: 'Sem um plano, seria complicado'.
Armínio Fraga, 60
Economista pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor na área pela Universidade de Princeton. É sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos, foi diretor-gerente do Soros Fund Management, empresa de investimentos do empresário George Soros (1993 a 1999) e presidente do BC (1999 a 2002). Apoiou a candidatura de Aécio Neves na campanha à Presidência de 2014, cotado para ser ministro da Fazenda.
Alexa Salomão, Folha de São Paulo