Atacante deu ‘tiro no pé publicitário’ ao dizer, com três semanas de atraso, o que deveria ter dito na Rússia, sem ser pago
Passado o fracasso na Copa da Rússia e a enxurrada de críticas e memes que, com o perdão da redundância, colocaram sua imagem no chão, Neymar e seu estafe recorreram a um duvidoso plano de gerenciamento de crise. Até começaram bem, com a estratégia de rir da própria desgraça, entrando na brincadeira do “Neymar Challenge” e tentando transparecer humildade, como quando marcou presença em um torneio de pôquer ao lado de anônimos, como um inscrito qualquer – ainda que o craque acostumado a regalias tenha insistido aos organizadores que mudassem a programação, para que ele pudesse comparecer ao casamento de um amigo. No entanto, neste domingo Neymar – e trupe – mostrou que não aprendeu nada com os erros e deu mais um enorme tiro no pé já combalido por lesões e pisões. Não bastasse a total falta de dignidade de capitalizar com seu ‘mea-culpa’, o mais talentoso jogador do país ainda escorregou feio ao novamente justificar seus erros, lendo um texto quase ignóbil, ao se definir como “um menino” e não um homem de 26 anos, um pai de família.
O trecho mais absurdo do vídeo da Gilette – que incluiu no texto expressões como “cara limpa” e “se olhar no espelho” para promover seu produto – é aquele em que Neymar nega ser um “moleque mimado” justamente definindo o que é uma pessoa mimada. “Quando eu pareço malcriado, não é porque eu sou um moleque mimado, mas é porque eu ainda não aprendi a me frustrar. Dentro de mim ainda existe um menino. Às vezes ele encanta o mundo, e às vezes ele irrita todo mundo.” Sim, irrita.
O “menino Ney” também “explicou” por que, ao contrário dos colegas (incluindo Gabriel Jesus, cinco anos mais jovem e igualmente criticado), ignorou os jornalistas após a eliminação contra a Bélgica. “Quando eu saio sem dar entrevista, não é porque eu só quero os louros da vitória, mas porque eu ainda não aprendi a te decepcionar.” Neymar, sinto informar, mas você vem decepcionando muita gente há muitos anos – não por seu futebol, exuberante, mas por seu mau comportamento dentro e fora de campo (aqui, uma lista com 15 pisadas na bola do craque), a única explicação para a atual “vingança” dos árbitros e haters. Afinal, Neymar não foi um autêntico fiasco em campo nem simulou tanto assim na Copa. Ele não está pagando a conta de três semanas infelizes na Rússia, mas de quase uma década de carreira.
E será que não passou por sua cabeça que este “manifesto” seria muito mais respeitado se emitido em uma entrevista tradicional (ainda que para um “parça”, como Luciano Huck, por exemplo) e não em um comercial? Ou mesmo em suas redes sociais, mas que fosse um desabafo genuíno, sem leitura de teleprompter ou ajuda de redatores e designers. Neymar não tem obrigação de ser exemplo, como outros craques como Romário e Garrincha passaram longe de ser. O que mais incomoda é sua total falta de naturalidade. Tudo é forçado, (mal) calculado.
Mas como um otimista convicto, consigo destacar um fato positivo: o de Neymar ter aceitado ler um trecho em que, enfim, admite suas falhas – mesmo que sendo pago por isso. “Você pode achar que eu exagero, e às vezes eu exagero mesmo (…) Você pode achar que eu caí demais, mas a verdade é que eu não caí. Eu desmoronei”, diz, entre imagens em que aparece rolando no chão. É pouco, mas um começo. É curioso que, horas antes da divulgação do comercial, Neymar tenha dado uma bola dentro, ao fazer uma declaração de amor a Bruna Marquezine, que ao menos pareceu sincera e genuína. Seria interessante que o craque tratasse a sua carreira da mesma forma que vem tratando o namoro.