domingo, 29 de julho de 2018

‘Privatização mostrou mal que monopólio pode fazer’, diz ex-ministro Mendonça de Barros


Luiz Carlos Mendonça de Barros era o ministro das Comunicações no período em que o Sistema Telebrás foi privatizado - Edilson Dantas/Agência O Globo


Ministro das Comunicações em 1998, quando o Sistema Telebrás foi privatizado, Luiz Carlos Mendonça de Barros se diz satisfeito com o resultado do que até então havia sido o maior leilão do setor de telecomunicações no mundo. Entre as principais conquistas, cita a introdução da concorrência entre empresas privadas no lugar do monopólio estatal e a atualização tecnológica, mas prefere esquecer as polêmicas do grampo telefônico que lhe custou o cargo.

Qual o principal legado da privatização para o setor?
O principal objetivo era a introdução da concorrência. A Telebrás era um monopólio público estabelecido por lei. Ou seja, era a única que podia explorar o serviço. Então, o objetivo não era apenas privatizar, mas introduzir novas companhias. Na época, o ex-ministro (das Comunicações) Sergio Motta e as pessoas envolvidas tinham como preocupação evitar o que ocorreu no México alguns anos antes. Lá, o país saiu de um monopólio público para um privado. Não adianta apenas privatizar o monopólio, pois todas as distorções vão continuar em benefício de um grupo privado. Por isso, o modelo no Brasil caminhou no sentido de dividir a empresa em doze diferentes negócios, como a divisão das empresas de telefonia fixa da Telebrás e novas licenças de operação na área de celular. Só assim seria possível acabar com o monopólio de fato. Foi o desenho. E, ao escolher esse modelo, as dificuldades de implementação cresceram.

E quais foram as dificuldades?
Era avaliar, para efeito de venda, esses doze novos negócios. Alguns tinham números do passado, outros, não. Mas o grande objetivo era introduzir operadoras privadas no país. E, hoje, há várias empresas no Brasil. O mercado está na ponta tecnológica porque há o setor privado oferecendo serviços. Sinto-me exitoso com o resultado. O Brasil é hoje um dos países com maior presença de telecomunicações. Tanto que, até hoje, o parâmetro que ainda permanece é que a Anatel não pode tomar nenhuma decisão que possa reduzir a concorrência. É claro que se fala do alto nível de queixas em telefonia, mas nunca houve tantos milhões de celulares.

O Brasil conta hoje com operadoras de países como Espanha, México e Itália, mas a brasileira Oi sempre teve dificuldades. Por quê?
A Oi foi uma distorção do modelo inicial, que não contemplava nenhuma vantagem por se ter ou não um grupo nacional. Pelo contrário. O financiamento do BNDES para grupos nacionais obrigava a ter um operador internacional no consórcio. Isso porque o Brasil sempre teve monopólio e não existia um grupo nacional com experiência e modelo de negócios. A ideia não era facilitar a vida de grupo nacional. Mas essa questão apareceu por um problema de um grupo brasileiro que quis usar isso como vantagem para entrar no leilão. E a Oi é uma excrescência que ocorreu por conta do oportunismo de alguns grupos nacionais, de tentar usar o nacionalismo como uma vantagem para eles. Não aceitamos isso. Depois, deu aquela confusão toda do grampo. E isso reaparece no governo Lula, quando vieram de novo com a tal da empresa nacional (numa referência à supertele). Até hoje, o que se tem é que a Oi está aí no mercado cheia de problemas. É um problema adicional para se resolver. O que eu sempre digo, e é um ditado nordestino, é pau que nasce torto morre torto. A Oi é isso.

O senhor citou o caso do grampo telefônico. Como o processo envolvendo a Oi foi distorcido?
Existia, nas normas do BNDES, uma regra de que era necessária a presença de um operador internacional para que um grupo nacional tivesse acesso ao financiamento e permitisse a entrada no leilão. E a Oi não fez isso. Como ela conseguiu não fazer isso... é uma história que pretendo não me lembrar.

Por que ter parceiro internacional era essencial?
Na época da privatização, não tinha celular nem internet. E o negócio era o telefone analógico. Mas já percebíamos os primeiros sinais da revolução tecnológica. Não tinha celular porque a Telebrás não se interessou por isso. Mas, quando se ia para o exterior, já ficava claro que havia uma revolução no rádio. Em vez de ter fio de cobre, já se operava a transmissão via rádio. Então, nossa preocupação era que, ao colocar uma empresa internacional no controle acionário das empresas, você traria para o país o que estava acontecendo nos mercados mais avançados. A Oi não fez isso e não percebeu essa mudança tecnológica. De modo que hoje ela tem um perfil de rede desvinculado (com cobre) do que é o verdadeiro mercado de telecomunicações. Queríamos concorrência e sabíamos que havia uma transformação tecnológica em curso. E isso foi explicado. E se jogou, como sempre se joga no Brasil. Agora, estão fazendo isso com a Embraer, sobre o nacionalismo. E a Oi é um exemplo típico de como estávamos certos.

A Telebrás pode servir de referência para a privatização da Eletrobras?
A grande vantagem que temos, 20 anos depois, é mostrar o mal que um monopólio público pode fazer para o país. Se não fosse a privatização, o Brasil não teria a malha de telecomunicações que tem hoje. Na Eletrobras, é o mesmo modelo, embora o monopólio hoje já esteja um pouco mais enfraquecido. Mas os benefícios de introduzir a competição como o de geração elétrica é fundamental. No caso da Telebrás, foi um exemplo de sucesso.

E para a Petrobras?
Vale a mesma coisa para a Petrobras, que é um monopólio público tão forte como era a Telebrás. A vantagem é que, no caso da Petrobras, ela percebeu a revolução tecnológica que foi a água ultraprofunda. Mas claramente tem que introduzir o setor privado nisso e eventualmente manter a Petrobras, mas não com o monopólio que é hoje.

Se o balanço é positivo no caso da Telebrás, por que muitos pré-candidatos à Presidência evitam o termo privatização?
Acredito que esse tema não foi superado. Uma parte importante ainda se rende aos encantos de Estado e governo fortes. No caso da Telebrás, enfrentamos isso. A oposição foi muito grande. O sucesso foi tal que hoje ninguém pede a Telebrás de volta. Há esse sentimento nacionalista agora com a Embraer, que está tendo sua indústria reconhecida como líder e comprada pela maior empresa de engenharia aeronáutica no mundo. Entre os candidatos, a maioria tem discurso nacionalista.



Por Bruno Rosa, O Globo