A literatura financeira internacional classifica como benefícios privativos de controle as vantagens que acionistas controladores extraem de uma companhia para si mesmos em detrimento de outros acionistas. Quando muito elevados, tais benefícios privativos fazem com que empresas não sejam geridas para maximizar seu valor para todos os acionistas, mas, anomalamente, para potencializar a extração de vantagens para aqueles que as controlam.
É o que faz o Estado brasileiro com as sociedades de economia mista que controla, a despeito de, na maioria dos casos, ter investido a menor parte do capital. Na Petrobrás, por exemplo, o Estado investiu só 28,67% do capital social total, mas detém a maioria das ações votantes, de modo a determinar seus administradores e todas as decisões de gestão. A grande desproporção entre poder de voto e capital investido foi possível graças à emissão de ações preferenciais não votantes, autorizada pela Lei das Sociedades Anônimas de 1976, até o limite de 2/3 do total de ações, apesar de manifestações contrárias da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro na época.
A Bolsa carioca, seguindo a Bolsa de Nova York – que até 1985 proibiu a emissão de ações não votantes –, defendeu neste jornal, em 21/3/1976, que a manutenção e a ampliação do uso das chamadas “ações preferenciais de participação integral” como ferramenta para captação de recursos eram “câncer” que inibiria o surgimento da administração profissional, distanciando o interesse do controlador dos outros soócios acionistas.
Com efeito, tal autorização legislativa está no coração dos problemas hodiernos de governança corporativa da Petrobrás e de muitas empresas no País. Para manter seu padrão de extração de benefícios privativos do controle, de tempos em tempos, o Estado atende seus interesses de curto prazo, trocando até a administração, em prejuízo daqueles de longo prazo da maioria dos acionistas e da própria empresa.
Para recapitular, a Petrobrás havia voltado a ser a companhia mais valiosa da Bolsa de Valores, quando atingiu, em maio passado, R$ 312,5 bilhões, o maior valor de mercado da sua história. Fechou em março deste ano o seu melhor trimestre, desde 2013, com lucro de quase R$ 7 bilhões, em razão da alta do preço do petróleo e da venda de ativos da ordem de R$ 3,2 bilhões (Estado, 9/5).
A greve dos caminhoneiros, porém, fez o governo interferir abruptamente na política de preços da companhia, congelando o preço do diesel, para favorecer a categoria que lhe aprouve, à custa da maioria dos investidores da petroleira. Como o Estado não negocia em Bolsa as ações que lhe garantem o controle (50,26% das ações votantes detidas pela União Federal), apenas os demais acionistas amargaram perda de 30% no valor das suas ações e de R$ 112 bilhões do valor de mercado da companhia na Bolsa (Estado, 4/7).
Não bastasse o desmando do Poder Executivo, o Judiciário decidiu colaborar. O ministro Ricardo Lewandowski suspendeu os processos de alienação de participações acionárias da petroleira em refinarias, argumentando que precisariam de aprovação especial do Legislativo. Tais decisões do Executivo e do Supremo Tribunal Federal (STF) abalam as bases que geraram o lucro do primeiro trimestre da empresa para todos os acionistas.
Enquanto a Corte de Nova York ratificou o pagamento de indenização de US$ 2,95 bilhões (cerca de R$ 11,5 bilhões) pela Petrobrás a acionistas da petroleira nos Estados Unidos, duas ações civis públicas equivalentes buscando ressarcimento por fraudes reveladas pela Lava Jato aos acionistas minoritários brasileiros foram obstadas. Uma juíza de primeira instância extinguiu a ação movida por uma associação de acionistas em São Paulo. A procuradora-geral da República, por sua vez, extrapolou sua competência, impedindo o Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo de impetrar ação no interesse dos minoritários brasileiros: a propositura caberia à Procuradoria do Estado do Paraná. Ocorre que o MP de Curitiba não tomou até hoje nenhuma ação em concreto para buscar a reparação dos acionistas da petroleira.
Para completar, o Ministério da Transparência, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União resolveram assinar acordo de leniência de pífios R$ 2,72 bilhões a serem pagos em 22 anos pela Odebrecht, a maior empreiteira responsável pelo esquema de corrupção que dissipou mais de R$ 40 bilhões dos acionistas da petroleira – sem contar a indenização de R$ 11,5 bilhões a ser paga nos Estados Unidos. Aceitaram, também, a cláusula surreal de que a Petrobrás só fará jus ao recebimento de parte da ínfima quantia como ressarcimento com o compromisso de não usar as provas entregues pela Odebrecht em ações judiciais (Estado, 10/7), o que garante que a petroleira não será mais indenizada pelos danos que lhe foram causados.
Será isso tudo complô do Estado para assegurar que os demais acionistas não sejam reparados pelos benefícios privativos que ele mesmo extrai por abuso de poder ou até corrupção?
Quem comemora é outro acionista controlador, Marcelo Odebrecht, com fortuna estimada pela Forbes em R$ 13 bilhões. Mesmo sendo o principal empresário mentor do maior esquema de corrupção, saiu da cadeia após apenas 2,5 anos, mantendo seu patrimônio pessoal bilionário e a integralidade de sua participação acionária, que permite decidir sobre o futuro da Odebrecht. Até há pouco, Marcelo havia pago só R$ 2,1 milhões das obrigações de R$ 65,2 milhões do seu acordo de delação premiada (Estado, 1/3), deixando obrigações mais polpudas na conta de “sua” pessoa jurídica. Desfrutando dos bilhões com a família, Marcelo Odebrecht, este sim, é indubitavelmente PhD em extração de benefícios privativos de controle.
* DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS, FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE
O Estado de São Paulo