Depois da Copa, começa a campanha eleitoral no Brasil. O momento é de composições, alianças, escolha de vice. Costumo defini-lo como um momento em que os jogadores ainda estão no vestiário, antes de saírem para o campo aberto sob o olhar da plateia.
Mas as notícias que vêm do túnel indicam um personagem que parece rivalizar com os candidatos: o centrão.
Participei de quase todas as campanhas até 2010. Estou procurando entender esta e vejo o papel do Congresso mais explícito. O Congresso provou o gosto de sangue através da fragilidade dos dois último governos, Dilma e Temer. Ambos precisaram muito dele para sobreviver. E o centrão ganhou força e vai usá-la para que tudo continue o mesmo, sobretudo a ocupação partidária da máquina, a troca de votos por verbas; enfim, o velho fisiologismo.
O centrão, com a fortuna do Fundo Partidário, preservara seu número de deputados e enfraquecera o presidente eleito com sua bomba fiscal.
É uma forma mais articulada do que no passado. Mas também eles têm mais medo do que no passado.
Enquanto os times não entram em campo, fora do túnel, no mundo real observe também algo mais novo nas eleições brasileiras.
Como no passado, algumas figuras da sociedade pensam em se candidatar e desistem.
Desta vez, o número foi um pouco maior, e observe um grande peso das famílias na desistência dos possíveis candidatos. Sempre foi assim. Mas, no passado, a condição de político não repercutia tanto na vida da família, e a resistência era mais pela perda da proximidade do ente amado.
Agora pesa também, creio eu, além da ausência, o fato de que a pessoa vai transitar num universo ético desprezado, e isso repercute demais no cotidiano familiar.
Até os bancos brasileiros têm um pé atrás e classificam os parentes também como pessoas politicamente expostas.
Aproveitando que ainda estou no vestiário, cuido de alguns detalhes. É o período também em que surgem as denúncias. Uma delas me interessou não pelo conteúdo, mas pela palavra: museu do eclipse.
É um museu em homenagem ao maior eclipse da história, ocorrido em 1919.
Quando li museu do eclipse, pensei: certas palavras não podem cair na minha frente, pois esqueço logo a trama política, aliás bem tediosa.
Por que um museu do eclipse em Sobral?
Atribui-se ao eclipse de 1919 uma grande importância científica, pois foi possível comprovar aspectos da teoria da relatividade, inclusive em Sobral, onde se concentrou um grupo de cientistas brasileiros e ingleses.
Um eclipse que trouxe luz, algo para comemorar.
Peço licença para usá-la num contexto mais amplo. A tendência a manter o velho estilo de governar diante de nossa carência de mudança vai transformar o Brasil num museu do eclipse.
As convenções que vi pouco falaram de uma perspectiva para o país. A sensação apocalíptica se acentua quando você vê conservadores discursando, mandando abraços héteros, confessando heteropaixões.
No passado, todo mundo mandava abraços e pronto. Ninguém se preocupava em definir sua orientação sexual.
O tema ganhou uma nova dimensão nos últimos anos, e tornou-se no discurso de Bolsonaro uma bandeira eleitoral.
Sem perceber o clima de intensa divisão, acaba produzindo uma nova palavra, o “heteroabraço”. E, consequentemente, o homoabraço.
Não haverá abraço possível entre um hétero e um homo, fica uma lacuna no vocabulário. A única saída é tentar reencontrá-la na sua forma mais simples e cristalina: abraço.
Com essas palavras, a gente vai construindo o museu do eclipse. Aliás, a fala do Ciro Gomes prometendo botar juízes e promotores em caixinhas e restabelecer a autoridade política. Essa vai na íntegra.
São apenas registros. Não vejo uma campanha como uma sucessão de bater e apanhar. Na verdade, no Brasil, todos apanhamos tanto da realidade que o ideal seria achar uma boa forma de discutir.
Vi uma entrevista do Alckmin no “Roda Viva”. Sua resposta sobre o crescimento do PCC em São Paulo e sua expansão pelo Brasil. Ele respondeu que todos os líderes do PCC foram presos.
Mas foi incapaz de elaborar que, apesar disso, a organização cresceu, que alguma coisa está errada, que os mecanismos de repressão ao crime organizado ainda são frágeis.
Claro que enfatizar um lado positivo faz parte do discurso de um candidato. Mas para mim, que vejo de fora, soa assim: nós prendemos os líderes; agora, se estão crescendo, isso é problema deles.
Se pudesse escolher outro cenário, certamente o faria. Mas esse é o que teremos, e será uma longa viagem não só num país muito estranho, mas também num mundo muito estranho.
O Globo