“E outros ensaios” é o título do livro de Eduardo Giannetti, obra virtuosa pela originalidade, pela consistente erudição e um estilo leve e elegante. E tem a ver com Copa do Mundo.
Explico: o autor inspirou-se na Copa de 1958, ocasião em que a profecia de Nelson Rodrigues contrariou a “unanimidade burra”. Segundo Nelson, a raiz do nosso fracasso era a falta de “fé em si mesmo” e que nosso grande e único inimigo, “poderia chamar – dizia ele – de complexo de vira-latas[…] a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”.
A constatação do complexo é o ponto de partida dos desafios diante dos quais Giannetti se coloca: a questão é ser ou não ser vira-lata? E o que é o vira-lata?
Com a palavra o autor: “O vira-lata é essencialmente o mestiço […] O complexo inadvertidamente introjeta e endossa o preconceito do civilizado ‘louro e sardento’ […] A depreciação do vira-lata inerente ao complexo que leva o nome dele carrega como premissa básica o culto do ideal de pureza racial, beleza estética, virtude da racionalidade nos moldes definidos especialmente pela vertente anglo-americana da civilização cristã ocidental”.
“Quem, então, é superior ou inferior a quem?”. Giannetti desdobra o auto-desafio. Com lucidez, reconhece uma verdade singela: “O Brasil é vira-lata” […] Na penosa construção simbólica de nós mesmos, a tarefa maior é virar o complexo de vira-lata pelo avesso […] Complexo à parte, o vira-lata encarna uma forma de vida: uma constelação de valores e uma concepção de felicidade […] expressa no plano ético-espiritual a peculiar fusão do vetor ibero-imigrante com a milionária contribuição afro-ameríndia”.
Comparando estilos de vida, a do homo ludens (o vira-lata) e o homo faber (o anglo-americano), o autor alerta que não são realidades excludentes e o que conta são valores dominantes. Somos propensos a uma integração harmoniosa, assim exemplificada pelo autor: “a eficiência catarinense e a exuberância baiana; o progressismo paulista e a irreverência carioca; o brio gaúcho e a delicadeza mineira; a bravura pernambucana e a prodigalidade amazônica”.
Trata-se de uma obra luminosa que revela nossa alma, vícios e virtudes, entre as quais, “a alegria é a prova dos nove” e o Brasil uma promessa irrealizada de nação permeada de afetos e de esperanças.
O livro chega no momento histórico das eleições e com a mensagem aos candidatos de que o consciente vira-lata merece celebrar dias melhores.
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco
Com Blog do Noblat, Veja