O Globo
Desaparecerá o incentivo de recorrerem a uma delação premiada, o que pode prejudicar seriamente o trabalho dos promotores que devem denunciá-los
Num tempo antigo — e botem antigo nisso — fui, durante dois anos, repórter no Tribunal de Justiça do então Distrito Federal, onde aprendi, entre muitas outras coisas já esquecidas, que decisões finais dos tribunais não se discutem: são obedecidas, e pronto.
Mesmo sem querer ofender essa sábia e ainda vigente norma da Justiça, nada impede que a opinião pública se declare solidária com o espanto e o protesto de policiais e promotores ante uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Trata-se do habeas corpus concedido a nove diretores de empreiteiras acusados do crime bastante sério de corrupção na Petrobras.
Eles deixarão a cadeia para continuarem a ser processados no conforto doméstico. Entre outras consequências da decisão, desaparecerá o incentivo de recorrerem a uma delação premiada, o que pode prejudicar seriamente o trabalho dos promotores que devem denunciá-los. A turma da arquibancada pode perguntar: em benefício de quem? A resposta é singela e triste: deles mesmos, não da Justiça.
Deve-se registrar que os nossos supremos estabeleceram algumas normas de comportamento para os beneficiados. Deverão não sair de casa, perderão seus passaportes, não poderão ter atividades empresariais, usarão tornozeleiras eletrônicas e terão de se apresentar de 15 em 15 dias a um tribunal. É o mínimo que se poderia esperar. Mas a opinião pública tem o direito de perguntar qual seria, no interesse da Justiça, o motivo real dessa colher de chá. Certamente não terá resposta.
Segundo policiais e promotores, o seu trabalho, daqui em diante, será mais difícil. Um dos investigadores, sem se identificar, por razões óbvias, afirmou que a decisão cancela um de seus trunfos: o da delação premiada, que até agora estimulava os acusados a ajudarem na busca de provas em troca dos benefícios da liberdade.