Em um dia no final de novembro em 1983, Steven Levy, então um jornalista freelancer para a revista "Rolling Stone", entrou em um carro na estrada Bandley, 10.460, em Cupertino, Califórnia.
Enquanto o veículo deixava o edifício comercial branco, Levy olhou para o motorista e disse "olá" para Steven P. Jobs, o então jovem e ágil cofundador da Apple, que imediatamente respondeu com um eloquente discurso inflamado sobre a revista para a qual Levy trabalhava.
Enquanto ziguezagueava pelas ruas de Cupertino em direção a uma pizzaria, Jobs reclamava que uma reportagem futura sobre o Macintosh –um computador que só seria anunciado dois meses depois– não seria a capa da "Rolling Stone", e sim estaria entre as matérias internas da edição. Jobs reclamou que a revista era, como Levy se recorda, um palavrão, e que uma reportagem de capa anterior sobre a MTV também havia sido um palavrão.
Quando Levy finalmente pôde falar, explicou que havia escrito a reportagem de capa sobre a MTV que Jobs odiara tanto.
"Ele imediatamente mudou de assunto", lembrou Levy com um sorriso em uma entrevista por telefone.
Ao longo das horas seguintes, comendo pizza com azeitonas, Levy entrevistou Jobs sobre o computador Mac, sua filosofia de design, uma separação que havia deixado Jobs doente de amor e, sinistramente, as brigas com o conselho da Apple a respeito da direção da empresa. (Jobs seria demitido dois anos depois.)
A entrevista foi um momento raro e cru para Jobs, em que ele revelou abertamente seus sentimentos verdadeiros a um repórter.
Enquanto alguns trechos da conversa de 11.500 palavras foram usados ​​em uma reportagem da "Rolling Stone" (que nunca chegou a ser capa), até agora a transcrição estava escondida em um dos arquivos de Levy.
Para comemorar o 30º aniversário do Mac, Levy disse nesta sexta-feira (24) que estava anexando a transcrição, "essencialmente não editada", a uma versão atualizada para Kindle do livro sobre o nascimento do Macintosh, "Insanely Great: The Life and Times of Macintosh, the Computer that Changed Everything" ("Insanamente ótimo: a vida e a época do Macintosh, o computador que mudou tudo", em tradução livre).
Está claro na entrevista que Jobs estava lutando com alguns demônios. Por um lado, ele estava chateado com um artigo recente na revista "Time" que o descrevera como petulante e cruel. E culpou uma separação amorosa por sua obsessão com o trabalho.
"Um romance que me importa muito, muito –muito mesmo– virou fumaça. Por causa do stress e do tipo de 'outra mulher' que o Macintosh é", disse Jobs.
Contudo, o que é evidente na discussão é que Jobs sabe que está prestes a lançar um computador que vai mudar o mundo. Ele discute os gráficos e o design da máquina com a paixão de um artista que descreve uma obra recém-concluída. "Digo, ele é incrivelmente ótimo", disse Jobs, quando questionado sobre o Mac. "É insanamente ótimo."
O Macintosh sobre o qual ele estava tão animado seria o primeiro computador pessoal de mercado de massa do mundo a contar com uma interface gráfica e um mouse.
"É difícil se colocar naquela mentalidade, olhar para o modo como as coisas eram naquela época", disse-me Levy quando perguntei sobre a releitura da entrevista depois de todos esses anos. "Na época, os computadores tinham aquelas letras verdes brilhantes e não havia internet."
Mas Jobs parecia saber exatamente o tipo de impacto que o Mac teria e a equipe de pessoas que o ajudaram a torná-lo uma realidade.
Ele se refere repetidamente à equipe que construiu o Mac como "piratas", e, em seguida, diz uma frase que se tornou famosa anos mais tarde: "É melhor ser um pirata do que entrar para a marinha."
Também é claro que Jobs e seu bando de piratas atolados de trabalho haviam agonizado sobre cada detalhe do computador, analisando até mesmo detalhes do manual.
MOTIVAÇÃO
Há alguns aspectos da entrevista de 30 anos atrás que podem responder a algumas perguntas irrespondíveis sobre o que Jobs teria feito com sua vida se ainda estivesse vivo hoje.
Quando Levy disse a Jobs que havia "especulações" de que ele poderia entrar para a política, Jobs respondeu que não tinha nenhum desejo de entrar no setor público e observou que o setor privado pode ter uma influência maior sobre a sociedade. "Eu sou uma daquelas pessoas que pensam que Thomas Edison e a lâmpada mudaram o mundo muito mais do que Karl Marx", disse Jobs.
Uma coisa que Levy buscava continuamente na entrevista era descobrir o que motivava Jobs –uma pergunta que ecoa em "Steve Jobs" (2011), a biografia escrita por Walter Isaacson.
Na entrevista de 1983, fica claro que dinheiro não é a resposta. Jobs falou sobre a queda de seu patrimônio líquido em US$ 250 milhões ao longo seis meses. "Eu perdi um quarto de bilhão de dólares! Isso constrói o seu caráter", disse ele, que observa ainda que contar os próprios milhões de dólares é "uma estupidez".
Levy pressionou novamente. "A pergunta a que eu queria chegar é: o que está conduzindo você até aqui?"
"Bem, é como se computadores e sociedade fossem a um primeiro momento nesta década, e por algum motivo louco nós estamos justamente no lugar certo e na hora certa para fazer esse romance florescer", respondeu Jobs, observando que os anos 1980 foram o início da revolução da computação.
"Nós podemos torná-los [os computadores] excelentes, podemos fazer um grande produto que as pessoas possam usar facilmente."
Essa paixão é algo que seguiria Jobs ao longo de sua carreira, e o que ele disse em seguida parecia ser a força motriz por trás dessa paixão.
"Eu olho para mim mesmo como um artista", disse Jobs. "Tipo um trapezista."
"Com ou sem rede?", perguntou Levy.
"Sem", Jobs respondeu, e então disse uma das coisas mais profundas da entrevista: "Você sabe que nós estamos constantemente pegando as coisas. Não fazemos a maioria dos alimentos que comemos, não os cultivamos. Usamos roupas que outras pessoas fazem, falamos um idioma que outras pessoas desenvolveram, usamos uma matemática que outras pessoas passaram as suas vidas construindo. Quero dizer que estamos constantemente pegando as coisas. É uma sensação de êxtase maravilhosa criar algo e colocá-lo na fonte da experiência humana e do conhecimento. "
Tendo em conta que ainda estamos falando sobre o Mac 30 anos depois e sobre uma longa lista de outros produtos que Jobs ajudou a criar, é evidente que ele foi capaz de acrescentar algo a essa fonte.
Enquanto o veículo deixava o edifício comercial branco, Levy olhou para o motorista e disse "olá" para Steven P. Jobs, o então jovem e ágil cofundador da Apple, que imediatamente respondeu com um eloquente discurso inflamado sobre a revista para a qual Levy trabalhava.
Enquanto ziguezagueava pelas ruas de Cupertino em direção a uma pizzaria, Jobs reclamava que uma reportagem futura sobre o Macintosh –um computador que só seria anunciado dois meses depois– não seria a capa da "Rolling Stone", e sim estaria entre as matérias internas da edição. Jobs reclamou que a revista era, como Levy se recorda, um palavrão, e que uma reportagem de capa anterior sobre a MTV também havia sido um palavrão.
Quando Levy finalmente pôde falar, explicou que havia escrito a reportagem de capa sobre a MTV que Jobs odiara tanto.
"Ele imediatamente mudou de assunto", lembrou Levy com um sorriso em uma entrevista por telefone.
AP
Steve Jobs e John Sculley apresentam o Mac em reunião com acionistas em janeiro de 1984
Ao longo das horas seguintes, comendo pizza com azeitonas, Levy entrevistou Jobs sobre o computador Mac, sua filosofia de design, uma separação que havia deixado Jobs doente de amor e, sinistramente, as brigas com o conselho da Apple a respeito da direção da empresa. (Jobs seria demitido dois anos depois.)
A entrevista foi um momento raro e cru para Jobs, em que ele revelou abertamente seus sentimentos verdadeiros a um repórter.
Enquanto alguns trechos da conversa de 11.500 palavras foram usados ​​em uma reportagem da "Rolling Stone" (que nunca chegou a ser capa), até agora a transcrição estava escondida em um dos arquivos de Levy.
Para comemorar o 30º aniversário do Mac, Levy disse nesta sexta-feira (24) que estava anexando a transcrição, "essencialmente não editada", a uma versão atualizada para Kindle do livro sobre o nascimento do Macintosh, "Insanely Great: The Life and Times of Macintosh, the Computer that Changed Everything" ("Insanamente ótimo: a vida e a época do Macintosh, o computador que mudou tudo", em tradução livre).
Está claro na entrevista que Jobs estava lutando com alguns demônios. Por um lado, ele estava chateado com um artigo recente na revista "Time" que o descrevera como petulante e cruel. E culpou uma separação amorosa por sua obsessão com o trabalho.
"Um romance que me importa muito, muito –muito mesmo– virou fumaça. Por causa do stress e do tipo de 'outra mulher' que o Macintosh é", disse Jobs.
Contudo, o que é evidente na discussão é que Jobs sabe que está prestes a lançar um computador que vai mudar o mundo. Ele discute os gráficos e o design da máquina com a paixão de um artista que descreve uma obra recém-concluída. "Digo, ele é incrivelmente ótimo", disse Jobs, quando questionado sobre o Mac. "É insanamente ótimo."
O Macintosh sobre o qual ele estava tão animado seria o primeiro computador pessoal de mercado de massa do mundo a contar com uma interface gráfica e um mouse.
"É difícil se colocar naquela mentalidade, olhar para o modo como as coisas eram naquela época", disse-me Levy quando perguntei sobre a releitura da entrevista depois de todos esses anos. "Na época, os computadores tinham aquelas letras verdes brilhantes e não havia internet."
Mas Jobs parecia saber exatamente o tipo de impacto que o Mac teria e a equipe de pessoas que o ajudaram a torná-lo uma realidade.
Ele se refere repetidamente à equipe que construiu o Mac como "piratas", e, em seguida, diz uma frase que se tornou famosa anos mais tarde: "É melhor ser um pirata do que entrar para a marinha."
Também é claro que Jobs e seu bando de piratas atolados de trabalho haviam agonizado sobre cada detalhe do computador, analisando até mesmo detalhes do manual.
MOTIVAÇÃO
Há alguns aspectos da entrevista de 30 anos atrás que podem responder a algumas perguntas irrespondíveis sobre o que Jobs teria feito com sua vida se ainda estivesse vivo hoje.
Quando Levy disse a Jobs que havia "especulações" de que ele poderia entrar para a política, Jobs respondeu que não tinha nenhum desejo de entrar no setor público e observou que o setor privado pode ter uma influência maior sobre a sociedade. "Eu sou uma daquelas pessoas que pensam que Thomas Edison e a lâmpada mudaram o mundo muito mais do que Karl Marx", disse Jobs.
Uma coisa que Levy buscava continuamente na entrevista era descobrir o que motivava Jobs –uma pergunta que ecoa em "Steve Jobs" (2011), a biografia escrita por Walter Isaacson.
Na entrevista de 1983, fica claro que dinheiro não é a resposta. Jobs falou sobre a queda de seu patrimônio líquido em US$ 250 milhões ao longo seis meses. "Eu perdi um quarto de bilhão de dólares! Isso constrói o seu caráter", disse ele, que observa ainda que contar os próprios milhões de dólares é "uma estupidez".
Levy pressionou novamente. "A pergunta a que eu queria chegar é: o que está conduzindo você até aqui?"
"Bem, é como se computadores e sociedade fossem a um primeiro momento nesta década, e por algum motivo louco nós estamos justamente no lugar certo e na hora certa para fazer esse romance florescer", respondeu Jobs, observando que os anos 1980 foram o início da revolução da computação.
"Nós podemos torná-los [os computadores] excelentes, podemos fazer um grande produto que as pessoas possam usar facilmente."
Essa paixão é algo que seguiria Jobs ao longo de sua carreira, e o que ele disse em seguida parecia ser a força motriz por trás dessa paixão.
"Eu olho para mim mesmo como um artista", disse Jobs. "Tipo um trapezista."
"Com ou sem rede?", perguntou Levy.
"Sem", Jobs respondeu, e então disse uma das coisas mais profundas da entrevista: "Você sabe que nós estamos constantemente pegando as coisas. Não fazemos a maioria dos alimentos que comemos, não os cultivamos. Usamos roupas que outras pessoas fazem, falamos um idioma que outras pessoas desenvolveram, usamos uma matemática que outras pessoas passaram as suas vidas construindo. Quero dizer que estamos constantemente pegando as coisas. É uma sensação de êxtase maravilhosa criar algo e colocá-lo na fonte da experiência humana e do conhecimento. "
Tendo em conta que ainda estamos falando sobre o Mac 30 anos depois e sobre uma longa lista de outros produtos que Jobs ajudou a criar, é evidente que ele foi capaz de acrescentar algo a essa fonte.