Na sua primeira interação com a comunidade financeira internacional, no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, o governo do presidente Jair Bolsonaro acertará ao se mostrar comprometido com a agenda de reformas proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A avaliação é do economista-chefe do Itaú-Unibanco, Mario Mesquita, que terá uma longa agenda com investidores durante o evento. Ex-diretor de política econômica do BC e com passagem pelo FMI, Mesquita afirmou que, se quiser continuar contando com a boa vontade dos mercados, o governo precisa aprovar a reforma da Previdência — que considera um divisor de águas para a retomada do crescimento — ainda no primeiro semestre.
O Brasil passou por um longo período de crise, e acaba de tomar posse um novo governo sobre o qual ainda se sabe pouco. Qual é o maior desafio para a economia brasileira neste momento?
Há dois desafios principais: um mais emergencial, que é o fiscal, e um mais estrutural, que é o crescimento. O Brasil tem uma dívida em trajetória insustentável. Vivemos uma calma aparente. A superfície está calma, mas, no fundo, há a questão fiscal. Para as cenas do próximo capítulo, os próximos passos, o mais importante vai ser a apresentação da reforma da Previdência, e a discussão sobre ela no Congresso. Esse é um problema importante que tem de ser equacionado no curto prazo. Sobre o crescimento, o Brasil passou por uma recessão. Vai levar tempo para recuperar as perdas que sofremos com a queda da rendasper capita e do crescimento.
Qual é a capacidade de crescimento do país?
A economia brasileira tem um crescimento potencial de 2% a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). É muito pouco. O crescimento potencial dos Estados Unidos não é muito diferente disso. E, se o crescimento da rendaper capita brasileira for igual ao da americana, como a renda no Brasil é mais baixa, o país nunca vai crescer para reduzir a distância que o separa dos Estados Unidos. Será sempre mais pobre. Precisamos ter condições de registrar taxas de crescimento mais elevadas. O governo tem uma agenda liberalizante para isso, de abertura comercial, com o crescimento liderado pelo setor privado. É uma agenda com potencial positivo, mas temos de ver como vai ser implementada. A avaliação geral, dentro e fora do país, em relação à direção da política econômica tem sido positiva. É um governo que começa, e Davos é sua primeira grande interação com a comunidade financeira internacional.
Nesse primeiro momento de interação, o que o presidente deve deixar claro à comunidade internacional?
O apoio inequívoco à reforma da Previdência, além das expectativas em relação à agenda macroeconômica, à liberalização comercial, às privatizações. Enfim, um apoio bem claro à agenda delineada pelo ministro Paulo Guedes. O público de Davos não é tanto da comunidade de investidores, mas de lideranças empresariais. E existe um grande interesse deles, sobretudo nas privatizações, na desregulamentação, na reforma tributária. Estamos falando aqui do tamanho da carga e da complexidade dos tributos. Não se espera que o presidente vá entrar no detalhe do detalhe, mas que corrobore a agenda.
Há algum tempo o Brasil não é visto como a grande promessa de Davos. A Índia tem recebido destaque do Fórum. Outros emergentes na América Latina terão a atenção dos participantes. Qual será o destaque do Brasil?
Dentro da região, o Brasil chama atenção, sim. Estive no exterior recentemente, vendo investidores. E observei um interesse que não via há muito tempo. Mas o país não será o único foco de interesse entre os emergentes. Há a Índia, por exemplo. Também haverá o Reino Unido, que está em situação muito incerta com o Brexit. Na América Latina, o México é um pais que não crescia muito, mas tinha uma politica econômica previsível, independentemente do governo. Mas, com (o presidente) López Obrador, espera-se mudança. Existe cautela com o Brasil, com viés mais positivo, e mais cautela com o México.
Desde o início do novo governo, houve muitas declarações sobre novas medidas e linhas de condução que tiveram de ser revistas mais adiante. Os mercados não gostam de incertezas.
O que esperam daqui em diante?
Quanto à comunicação, a visão que predomina no mercado é que isso é uma questão de tempo. Uma questão de o novo governo, com essas pessoas novas, se organizar melhor. Até lá, mercados e investidores tendem a relativizar.
Trata-se de uma espécie de lua de mel pós-eleição. Mas quando ela pode acabar?
Os ativos refletem a ideia de aprovação da reforma da Previdência, não muito inferior ao texto que está no Congresso, ainda no primeiro semestre. A visão dominante dos mercados financeiros é essa. Se isso acontece no primeiro semestre, a boa vontade é estendida por mais tempo.
Também existe essa boa vontade por parte da população. Mas há questões como o desemprego e a falta de crescimento, que vão gerar cobranças…
Não dá para vislumbrarmos a retomada do crescimento sem que a situação fiscal e a dívida estejam sob controle. As bolsas em alta e os juros de mercado em queda contribuem para o crescimento. Se as perspectivas se revertem, os indicadores são revertidos. Ao avançar, a agenda da reforma ajuda a retomada da atividade econômica e o crescimento mais forte. Comenta-se que os juros estão em níveis mínimos históricos, mas, se a reforma não for aprovada, aumenta a pressão sobre o câmbio, as projeções para a inflação mudam. O importante é que estamos diante de um divisor de águas e, a partir daí, podemos entrar num ciclo virtuoso ou vicioso.
Em geral, a recuperação econômica é mais demorada do que o efeito da crise. Quando a retomada virá?
Vai demorar até que se volte ao pico da atividade em 2013, início de 2014. Acho que a retomada da renda per capita e do emprego só acontecerá mais para a segunda metade do mandato presidencial. Depois disso, vai ser preciso crescer muito, e mais depressa, para compensar o tempo perdido. Vamos precisar de mais investimentos, e investimentos de melhor qualidade, para aumentar a capacidade produtiva, investir em capital humano, em educação da força de trabalho — além, é claro de uma abertura da economia brasileira. O Brasil é a economia mais fechada do G-20. Se continuar a ser fechado e com o Estado hipertrofiado, vai crescer muito pouco. O Brasil tem que estar disposto a fazer essa transição. Um chefe meu no FMI dizia que é mais difícil fazer reformas para evitar uma crise do que para estimular o crescimento. A agenda de Guedes parece adequada.
Como o Itaú vê esse novo papel dos bancos públicos, que ficarão mais enxutos e voltados para a baixa renda?
Parece que a ideia é ter a ação do governo naquelas atividades em que o setor privado não consegue ou não pode atuar. Se esse vai ser o foco dos bancos públicos, me parece muito acertado. A Constituição Federal estabelece que a atividade econômica deve ser conduzida prioritariamente pelo setor privado.