segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

"Mirando no inimigo errado", por Francisco José Ferraro Genu

As excelentes matérias do GLOBO  Operações da Lava-Jato indicam que corrupção causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao estado (02/12/2018) e  Cervejaria Petrópolis pagava mesada de R$ 500 mil ao grupo de Cabral, diz relator  (06/12/2018) constituem inequívocas demonstrações dos prejuízos que a corrupção traz para o Brasil e, em particular, para o Rio de Janeiro. É evidente que a sociedade deve exigir que tal crime seja combatido com rigor. Isso é coisa que não se discute.
Contudo, desejo lançar luz sobre certos temas, que, da mesma forma que a corrupção, são roubos descarados do dinheiro público. E com dois agravantes: primeiramente, envolvem muito, mas muito, mas muito mais dinheiro que a corrupção; em segundo lugar, quase posso apostar que você sequer enxerga essas pilhagens.
Por exemplo, as isenções fiscais. Para citar um único caso, a maioria da população desconhece que, há um ano, as petroleiras internacionais receberam benefícios fiscais no valor de 1 trilhão de reais. Sabe o que isso significa? Que a cervejaria citada no início deste artigo precisaria dar R$ 500 mil por mês de propina durante 166 mil anos para totalizar o que receberam, numa única madrugada, as petroleiras internacionais, essas pobres coitadas.
E o que dizer da sonegação de impostos? Por mais problemáticas que sejam tais estimativas, calcula-se que esse crime atinja a cifra de R$ 500 bilhões por ano. Se uma conhecida empresa sonegadora acumula dívidas de R$ 3 bilhões com o Estado do Rio, referentes a autuações de ICMS, imagine a quanto não pode chegar o valor que surrupiam outras tantas empresas que se utilizam dessa prática aqui no Rio e em todo o Brasil.
E nem me estenderei sobre a dívida pública, caixa-preta que faz os bancos movimentarem exércitos se ousarmos falar mais do que cinco palavras sobre o tema. Baseadas na experiência de outros países, pessoas muito sérias juram de pés juntos que uns 30% de toda essa dívida representam pura fraude, roubo mesmo, não precisariam ser pagos.
Você já ouviu falar na lei estadual 7.116/2015, “fabricada” na Alerj sob medida para os grandes conglomerados? Aposto que nunca ouviu falar. Pois é, esta lei permitiu a uma empresa parcelar uma dívida de R$ 1,2 bilhão, oriunda de sonegação, em 2.100 anos. Acredita-se, portanto, que no ano 4.100 DC, no episódio final de "Star Wars", a última prestação desse parcelamento venha a ser paga por Luke Skywalker, após o embate definitivo contra Darth Vader. Molezinha, não?
O mais triste de toda essa história é que uma série de fatores históricos, culturais, políticos e econômicos opera para que você sequer enxergue essa malversação do dinheiro público, ou, se você conseguir enxergá-la, não a considere como roubo. Todos os holofotes ficam exclusivamente voltados para a corrupção, crime grave, sem dúvida, mas que, quando comparada aos desvios de que tratamos neste artigo, não passa de uma gorjetinha que a verdadeira elite reserva para os políticos, não mais do que uns 5% de tudo que é roubado.
Fique claro então que, por meio de sonegação, benefícios fiscais, dívida pública e tantas outras coisas mais, uma pequena elite saqueia uma montanha de recursos públicos. Com toda a certeza, são esses desvios que quebram o país, retiram o hospital público da sua mãe e inviabilizam a existência de uma escola de qualidade para o seu filho. Portanto, fique esperto: preste atenção em tudo, sobretudo no que de fato é importante. 
Francisco José Ferraro Genu é  auditor fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro

O Globo