Quando terminou seu mandato como prefeito de Cuiabá, em 2016, o empresário Mauro Mendes deixou de lado uma reeleição quase certa para, segundo afirmou à época, dar atenção aos negócios. Seu grupo empresarial, que atua principalmente no setor metalúrgico, estava em recuperação judicial, com dívidas de mais de R$ 120 milhões.
A crise nas empresas foi contornada a tempo de Mendes retomar a carreira política na eleição seguinte. Recém-filiado ao DEM, o goiano de 54 anos encabeçou a chapa que venceu a disputa ao governo de Mato Grosso ainda no primeiro turno, com quase 60% dos votos válidos.
No comando do Palácio Paiaguás há pouco mais de 15 dias, Mendes não usou meias palavras para definir a situação financeira que herdou de seu antecessor, o ex-aliado Pedro Taques (PSDB). "Mato Grosso está quebrado, literalmente", afirmou, em entrevista à Folha.
Além de cortes de secretarias, extinção de órgãos estaduais e o escalonamento dos salários do funcionalismo, ele anunciou que pretende combater benefícios que fizeram a folha de pagamento crescer mais de 70% nos últimos quatro anos. "A mulher que serve cafezinho ganha R$ 13 mil", afirmou.
O PIB de Mato Grosso cresceu 118% entre 2010 e 2016. No ano passado, colheu mais de 25% da produção de grãos do país. Como é possível que este mesmo estado esteja em crise financeira? Descontrole e falta de gestão de um estado que inchou muito. Apesar de a economia privada ter crescido muito, não tivemos competência para aproveitar esse salto a nosso favor. Em quatro anos, nossa receita cresceu 43%, um dos melhores resultados do Brasil, acima da inflação. Ao mesmo tempo, porém, nossa folha cresceu algo em torno de 75%. Ou seja, a despesa disparou, principalmente aquela com pessoal.
O senhor tem dito que o estado está quebrado. Isso é apenas uma força de expressão? Não, é a realidade. Está literalmente quebrado. Um estado que atrasa 13º, que está atrasando folha, que tem todos os seus fornecedores com atrasos de três meses a até um ano, que não paga médicos, hospitais, que não faz repasse aos municípios, não tem outra forma de definir.
Por que a folha de pagamentos se tornou a vilã dos governadores estaduais em todo o país? Eu vou citar um exemplo. Aqui em Mato Grosso, em 2011, nós tínhamos uma servidora de um dos nossos órgãos. Era auxiliar de serviços gerais, servia cafezinho e ganhava R$ 1.300. Em 2018, ela recebeu R$ 13 mil mensais para desempenhar a mesma função. E é justamente isso que aconteceu aqui e provavelmente muitos lugares.
Mas como seria possível intervir nisso sem mexer nos direitos adquiridos? Dentro da esfera estadual, irei encaminhar leis para propor um enxugamento da máquina pública. Aliás, já estamos fazendo isso, reduzindo de 24 para 15 secretarias. Propomos também a extinção de seis empresas públicas, demitir quem for possível demitir e cortar onde for possível cortar. Mas existem as leis federais, às quais todos estamos submetidos. E, se não houver mudanças também nesta esfera, o Brasil também vai quebrar. Ou seja, só tem um jeito: o país precisa entender que não existe milagre. Dinheiro público não brota em árvore. Ele vem do bolso do contribuinte. Ou nós mudamos essa realidade, ou o contribuinte, o cidadão brasileiro, vai pagar cada vez mais pela ineficiência do poder público.
O ex-governador Pedro Taques tinha uma relação conturbada com o funcionalismo estadual. Em seu mandato ocorreu a maior greve da história. Em meio à crise, como pretende evitar que o mesmo ocorra em seu governo? Temos que dialogar sempre. Quem está no serviço público tem obrigação de dar satisfação ao público. Agora, o estado não existe somente para seus servidores. Eles são importantes e têm que ser respeitados, mas existe um grande patrão, que é o cidadão. E temos que ver se esse patrão está disposto a ver sua carga tributária sendo aumentada cada vez mais para bancar um serviço público que não dá respostas à altura. Nossa economia é forte e pujante, mas a ineficiência pública está arrastando o país para o fundo do poço. Ou a gente muda isso, ou todos iremos perder, incluindo aí o próprio servidor.
Um levantamento do Tribunal de Contas do Estado apontou que parte do descontrole se deve a leis que definiram diversas carreiras do serviço público no final de 2014. O senhor pretende alterá-las?Temos condição de pagar o que está previsto? Temos condição de pagar R$ 1 bilhão a mais em salários para a educação? Se isso acontecer, como está previsto, o cidadão fique consciente: vou ter que dobrar o ICMS da energia elétrica e aumentar o dos combustíveis para pagar o aumento previsto para algumas categorias. Não dá mais para fazer um jogo de faz de conta.
Viaturas da polícia e ambulâncias do Samu estão paradas por calote nos contratos de locação. Considerando que ajustes fiscais não dão resultados imediatos, como pretende manter os serviços essenciais? Esse é o resultado de prestações que não são pagas há meses. E que não foram pagas porque o governo anterior não tinha dinheiro. Só o Samu tem seis meses de atraso. As locadoras das viaturas estão com quatro a cinco meses sem pagamento. Nós estamos há pouco mais de 15 dias no governo. E não temos dinheiro em caixa. Estamos juntando dinheiro para pagar folha e para pagar o 13º, que está atrasado. Então existe uma duríssima realidade. O que fazer então? Todos precisam colaborar. Os servidores precisam parar e se dar conta de que hoje já temos bons salários em Mato Grosso. Os salários de algumas categorias estão entre os melhores do país. Os poderes precisam se contentar com o que têm e dar a sua contribuição. E o cidadão, o agronegócio, a indústria, também terão que contribuir. Se todo mundo ficar no seu quadrado, achando que o problema é dos outros, o Estado afunda e leva todo mundo junto.
Uma proposta que vem ganhando força para amenizar a crise nas finanças do estado é a taxação do agronegócio. O senhor acredita que este possa ser o caminho? Mato Grosso é um grande exportador e a exportação de commodities é desonerada. Isso ajuda o Brasil na balança comercial, mas prejudica o estado. Mudar a Lei Kandir [que estabeleceu a desoneração de produtos de exportação como a soja] não depende de mim como governador, mas pretendo cobrar da bancada federal e fazer incursões a Brasília, pleiteando e defendendo essa ideia, que é justa e legítima.
Em um cenário como este, como resolver a questão da obra inacabada do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)? Eu disse durante a campanha que precisaria de um tempo, pois tinha noção da dificuldade financeira. Como vamos gastar R$ 1 bilhão, segundo a estimativa do governo anterior, para concluir essa obra, se não temos dinheiro para pagar o médico que está trabalhando no pronto-socorro, salvando vidas? Se não temos dinheiro para pagar salário em dia? Não temos sequer capacidade de buscar financiamento. Isso é a verdade. Além do VLT, temos outras 500 obras paradas, a maioria por falta de pagamento aos fornecedores. Temos primeiro que reequilibrar as contas para, no futuro, retomar nossa capacidade de investimento.
Sobre a política nacional, como analisa o cenário que levou à eleição de Jair Bolsonaro? Vejo que houve uma fadiga do tecido político que se apresentou ao longo dessas últimas décadas no Brasil. E ambos os lados que polarizaram essa disputa, com todo o respeito, não foram capazes de apresentar um projeto de Brasil que fosse sustentável para médio e longo prazos. Então o eleitor fez uma aposta diferente e que todos temos que torcer para que produza resultado. Do contrário, eu vejo um triste cenário para este país, pior até do que o registrado em alguns países da Europa recentemente.
Que tipo de medidas espera ver implementadas? Reformas. Profundas, verdadeiras e não paliativas. Já estamos devendo mais de 80% do PIB, nosso déficit anual cresce e o país caminha a passos largos para quebrar, inevitavelmente. Não podemos ficar tomando remédio simples para tentar curar um câncer.
Nos primeiros dias de governo, Bolsonaro transferiu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e anunciou mudanças na política ambiental. Como governador de um estado que 43 etnias e três biomas distintos, como pretende tratar estes temas? Mato Grosso tem hoje mais de 60% do seu território protegido por reservas indígenas, áreas de preservação permanente e reservas legais. Nós somos a região do planeta que mais preserva e, ao mesmo tempo, mais produz alimentos. Posso afirmar que farei grande resistência à criação de novas reservas ambientais, porque muitas foram criadas e jamais legalizadas. O Estado não pode mais continuar com esse nível de irresponsabilidade: baixa uma lei, desapropria uma área para fazer reserva, não indeniza os seus proprietários, cria um passivo jurídico monstruoso para o futuro e inviabiliza o crescimento da nossa produção. Nós temos que entender qual é o jogo que está sendo jogado no cenário internacional. Tem países que vem para cá e financiam suas ONGs, ficam ditando regras para o nosso país e, quando nós os visitamos, eles fazem 100% diferente daquilo que exigem que façamos aqui. Na verdade, alguns deles querem tirar a grande competitividade que temos no setor primário.
O senhor tem dito que o estado está quebrado. Isso é apenas uma força de expressão? Não, é a realidade. Está literalmente quebrado. Um estado que atrasa 13º, que está atrasando folha, que tem todos os seus fornecedores com atrasos de três meses a até um ano, que não paga médicos, hospitais, que não faz repasse aos municípios, não tem outra forma de definir.
Por que a folha de pagamentos se tornou a vilã dos governadores estaduais em todo o país? Eu vou citar um exemplo. Aqui em Mato Grosso, em 2011, nós tínhamos uma servidora de um dos nossos órgãos. Era auxiliar de serviços gerais, servia cafezinho e ganhava R$ 1.300. Em 2018, ela recebeu R$ 13 mil mensais para desempenhar a mesma função. E é justamente isso que aconteceu aqui e provavelmente muitos lugares.
Mas como seria possível intervir nisso sem mexer nos direitos adquiridos? Dentro da esfera estadual, irei encaminhar leis para propor um enxugamento da máquina pública. Aliás, já estamos fazendo isso, reduzindo de 24 para 15 secretarias. Propomos também a extinção de seis empresas públicas, demitir quem for possível demitir e cortar onde for possível cortar. Mas existem as leis federais, às quais todos estamos submetidos. E, se não houver mudanças também nesta esfera, o Brasil também vai quebrar. Ou seja, só tem um jeito: o país precisa entender que não existe milagre. Dinheiro público não brota em árvore. Ele vem do bolso do contribuinte. Ou nós mudamos essa realidade, ou o contribuinte, o cidadão brasileiro, vai pagar cada vez mais pela ineficiência do poder público.
O ex-governador Pedro Taques tinha uma relação conturbada com o funcionalismo estadual. Em seu mandato ocorreu a maior greve da história. Em meio à crise, como pretende evitar que o mesmo ocorra em seu governo? Temos que dialogar sempre. Quem está no serviço público tem obrigação de dar satisfação ao público. Agora, o estado não existe somente para seus servidores. Eles são importantes e têm que ser respeitados, mas existe um grande patrão, que é o cidadão. E temos que ver se esse patrão está disposto a ver sua carga tributária sendo aumentada cada vez mais para bancar um serviço público que não dá respostas à altura. Nossa economia é forte e pujante, mas a ineficiência pública está arrastando o país para o fundo do poço. Ou a gente muda isso, ou todos iremos perder, incluindo aí o próprio servidor.
Um levantamento do Tribunal de Contas do Estado apontou que parte do descontrole se deve a leis que definiram diversas carreiras do serviço público no final de 2014. O senhor pretende alterá-las?Temos condição de pagar o que está previsto? Temos condição de pagar R$ 1 bilhão a mais em salários para a educação? Se isso acontecer, como está previsto, o cidadão fique consciente: vou ter que dobrar o ICMS da energia elétrica e aumentar o dos combustíveis para pagar o aumento previsto para algumas categorias. Não dá mais para fazer um jogo de faz de conta.
Viaturas da polícia e ambulâncias do Samu estão paradas por calote nos contratos de locação. Considerando que ajustes fiscais não dão resultados imediatos, como pretende manter os serviços essenciais? Esse é o resultado de prestações que não são pagas há meses. E que não foram pagas porque o governo anterior não tinha dinheiro. Só o Samu tem seis meses de atraso. As locadoras das viaturas estão com quatro a cinco meses sem pagamento. Nós estamos há pouco mais de 15 dias no governo. E não temos dinheiro em caixa. Estamos juntando dinheiro para pagar folha e para pagar o 13º, que está atrasado. Então existe uma duríssima realidade. O que fazer então? Todos precisam colaborar. Os servidores precisam parar e se dar conta de que hoje já temos bons salários em Mato Grosso. Os salários de algumas categorias estão entre os melhores do país. Os poderes precisam se contentar com o que têm e dar a sua contribuição. E o cidadão, o agronegócio, a indústria, também terão que contribuir. Se todo mundo ficar no seu quadrado, achando que o problema é dos outros, o Estado afunda e leva todo mundo junto.
Uma proposta que vem ganhando força para amenizar a crise nas finanças do estado é a taxação do agronegócio. O senhor acredita que este possa ser o caminho? Mato Grosso é um grande exportador e a exportação de commodities é desonerada. Isso ajuda o Brasil na balança comercial, mas prejudica o estado. Mudar a Lei Kandir [que estabeleceu a desoneração de produtos de exportação como a soja] não depende de mim como governador, mas pretendo cobrar da bancada federal e fazer incursões a Brasília, pleiteando e defendendo essa ideia, que é justa e legítima.
Em um cenário como este, como resolver a questão da obra inacabada do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)? Eu disse durante a campanha que precisaria de um tempo, pois tinha noção da dificuldade financeira. Como vamos gastar R$ 1 bilhão, segundo a estimativa do governo anterior, para concluir essa obra, se não temos dinheiro para pagar o médico que está trabalhando no pronto-socorro, salvando vidas? Se não temos dinheiro para pagar salário em dia? Não temos sequer capacidade de buscar financiamento. Isso é a verdade. Além do VLT, temos outras 500 obras paradas, a maioria por falta de pagamento aos fornecedores. Temos primeiro que reequilibrar as contas para, no futuro, retomar nossa capacidade de investimento.
Sobre a política nacional, como analisa o cenário que levou à eleição de Jair Bolsonaro? Vejo que houve uma fadiga do tecido político que se apresentou ao longo dessas últimas décadas no Brasil. E ambos os lados que polarizaram essa disputa, com todo o respeito, não foram capazes de apresentar um projeto de Brasil que fosse sustentável para médio e longo prazos. Então o eleitor fez uma aposta diferente e que todos temos que torcer para que produza resultado. Do contrário, eu vejo um triste cenário para este país, pior até do que o registrado em alguns países da Europa recentemente.
Que tipo de medidas espera ver implementadas? Reformas. Profundas, verdadeiras e não paliativas. Já estamos devendo mais de 80% do PIB, nosso déficit anual cresce e o país caminha a passos largos para quebrar, inevitavelmente. Não podemos ficar tomando remédio simples para tentar curar um câncer.
Nos primeiros dias de governo, Bolsonaro transferiu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e anunciou mudanças na política ambiental. Como governador de um estado que 43 etnias e três biomas distintos, como pretende tratar estes temas? Mato Grosso tem hoje mais de 60% do seu território protegido por reservas indígenas, áreas de preservação permanente e reservas legais. Nós somos a região do planeta que mais preserva e, ao mesmo tempo, mais produz alimentos. Posso afirmar que farei grande resistência à criação de novas reservas ambientais, porque muitas foram criadas e jamais legalizadas. O Estado não pode mais continuar com esse nível de irresponsabilidade: baixa uma lei, desapropria uma área para fazer reserva, não indeniza os seus proprietários, cria um passivo jurídico monstruoso para o futuro e inviabiliza o crescimento da nossa produção. Nós temos que entender qual é o jogo que está sendo jogado no cenário internacional. Tem países que vem para cá e financiam suas ONGs, ficam ditando regras para o nosso país e, quando nós os visitamos, eles fazem 100% diferente daquilo que exigem que façamos aqui. Na verdade, alguns deles querem tirar a grande competitividade que temos no setor primário.