sexta-feira, 21 de julho de 2017

"A derrota do Trumpcare e a equidade", por Cláudia Costin

Yuri Gripas/Reuters
Manifestantes protestam em frente ao Capitólio, em Washington, durante votação da lei que substitui a reforma da saúde 'Obamacare'
Manifestantes protestam em Washington contra o fim do 'Obamacare'


Folha de São Paulo

Há poucos dias, dois senadores republicanos anunciaram que não vão apoiar o fim do Obamacare, praticamente inviabilizando a proposta de Trump para a saúde. O presidente americano jogou o problema de volta para o Senado, sugerindo que senadores proponham sua própria reforma do sistema.

Por trás dessa discussão, resultante de uma proposta de campanha de Trump, está a questão da equidade, fundamental para sistemas democráticos poderem funcionar bem. O Obamacare, que tem o nome oficial de "Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente", tem o objetivo de ampliar o acesso de cidadãos dos EUA a planos de saúde privados, no que é não propriamente um sistema nacional de saúde pública, mas certamente um mecanismo para promover maior equidade.

A ideia de equidade é fundamental em políticas públicas, pois ela permite atender às pessoas de acordo com suas necessidades, oferecendo mais a quem mais precisa, reconhecendo diferenças nas condições prévias de vida e de saúde. Assim, pode-se atender primeiro, num centro de emergências, pacientes em risco de vida ou dar uma atenção especial a pessoas vulneráveis.

No caso americano, permitir que os mais pobres tenham acesso a tratamentos de saúde não é apenas um imperativo ético e um direito (mesmo que num sistema privado de atenção), mas uma questão de promoção de igualdade de oportunidades e de desenvolvimento humano.

Esse mesmo princípio, consagrado no SUS, justifica também a prioridade de vagas em creches públicas para as famílias em situação de extrema pobreza ou com crianças com deficiências e torna-se ainda mais presente com a integração de diferentes políticas públicas, como educação e saúde, para melhorar as condições de sucesso das futuras gerações. Isso inclui atenção à gestante, apoio ao parto, orientação quanto aos cuidados com o recém-nascido, a formação de vínculos e a estimulação precoce, o que é fundamental para nivelar as diferenças de origem socioeconômicas no desempenho escolar e na vida futura.

Afinal, na corrida da vida não se pode esperar chegar a um mesmo resultado quando se inicia de pontos de partida diferentes. Mas é exatamente isso que o presidente americano parece não perceber: não é possível ter uma democracia sólida nem coesão social se a igualdade de oportunidades não pode frequentar o imaginário das pessoas. Sem acesso à saúde e com uma educação desigual, baseada em imposto de propriedade, num país com acentuada segregação de moradias, a primeira economia do mundo não vai se manter forte, como ele preconiza.

E os eleitores dos dois senadores sabem disso. Aparentemente, os dois também.