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Até mesmo as legendas sem um único representante no Congresso recebem uma cota do Fundo Eleitoral. Nesta eleição, foram distribuídos quase R$ 5 bilhões
Nas eleições brasileiras, a disputa não ocorre somente pelas vagas nos Poderes Executivo e Legislativo. Na mira dos políticos — sobretudo daqueles que estão nas cúpulas partidárias — também há o embate por verbas arrancadas do bolso dos pagadores de impostos para sustentar os 32 partidos que existem hoje no Brasil.
Entre as fontes de financiamento público, a mais vultosa é o Fundo Eleitoral — criado em 2018 exclusivamente para bancar as milionárias campanhas políticas. Naquele ano, o valor disponibilizado aos partidos foi de R$ 1,7 bilhão. Em 2020, passou para R$ 2 bilhões. Neste ano, a bolada saltou para R$ 4,9 bilhões. Para efeito de comparação, com o montante seria possível distribuir mais de 6 milhões de cestas básicas na cidade de São Paulo, onde os itens têm o valor mais caro para uma capital no país. Se fosse usada para custear gás de cozinha, a quantia compraria quase 45 milhões de botijões, considerando o valor médio nacional registrado pela Petrobras (R$ 113).
Sem nunca ter chegado nem perto de vencer a disputa presidencial, José Maria Eymael, filiado ao Democracia Cristã (DC), decidiu concorrer ao cargo pela sexta vez neste ano. Às vésperas do primeiro turno, suas chances de morar no Palácio do Planalto são do tamanho da quantidade de parlamentares que o DC tem no Congresso: zero. Ainda assim, compensa entrar no páreo.
Em entrevista ao programa Pânico, da Rádio Jovem Pan, Eymael confessou que está na disputa não tanto pela vitória, mas para “fortalecer o partido”. A imagem do político, sempre acompanhada do jingle “Ey, Ey, Eymael, um democrata cristão”, consegue garantir alguns eleitores a mais aos escassos votos dados aos candidatos da legenda.
Pelo fato de o DC ter elegido um parlamentar em 2018 — que abandonou o partido depois de eleito —, Eymael garantiu R$ 1 milhão do Fundo Eleitoral para gastar na corrida ao Planalto. Quase R$ 120 mil do montante foram empenhados na locação de veículos — incluindo serviço de motorista.
A divisão da bolada
Só por ter registro na Justiça Eleitoral, os partidos já recebem uma verba de pelo menos R$ 3,1 milhões. Desse modo, cerca de R$ 100 milhões foram distribuídos logo de cara às 32 legendas existentes, independentemente da expressividade política. PCO, PMB, PRTB, PSTU e UP, que não elegeram sequer um parlamentar em 2018, ganharam juntos em 2022 R$ 15 milhões.
Caso a legenda consiga fazer pelo menos uma cadeira no Congresso (caso do DC), a grana dá um salto. A Rede, por exemplo, faturou pouco mais de R$ 20 milhões depois de ter elegido um único deputado federal em 2018 e contar com votos válidos de outros candidatos que não se saíram bem na disputa. Pelas cinco cadeiras conquistadas no Senado, foram cerca de R$ 45 milhões. No total, incluindo outros critérios de distribuição, a Rede ficou com quase R$ 70 milhões do Fundo Eleitoral.
Já o partido de Eymael levou quase R$ 15 milhões pelos votos para a Câmara dos Deputados recebidos na eleição passada. Luiz Antônio, do Rio de Janeiro, único deputado federal eleito em 2018, hoje está no PP.
Grandes partidos, negócios ainda maiores
As bancadas partidárias com maior expressão recebem as fatias bem mais volumosas do Fundo Eleitoral. O União Brasil, que surgiu da fusão do DEM com o PSL, ficou com a maior cota: R$ 760 milhões. O montante veio graças à eleição de 85 deputados e dez senadores, grande parte deles puxada pela popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que estava no PSL na disputa passada.
Luciano Bivar, um dos políticos no comando da nova legenda, foi responsável por “emprestar” o PSL para o presidente concorrer em 2018. Filiado a ele, Bolsonaro fez uma campanha denunciando os crimes cometidos nos governos petistas.
Agora, o novo partido de Bivar encampa a campanha da senadora Soraya Thronicke à Presidência. Na eleição passada, ela se declarava a “candidata de Bolsonaro para o Senado em Mato Grosso do Sul”. Hoje, com R$ 30 milhões bancados pelos pagadores de impostos, ela faz oposição ao presidente.
Quase R$ 90 milhões foram reservados pelo PT para serem gastos no primeiro turno da corrida ao Planalto
O União Brasil também tem entre seus quadros Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, que rompeu com Bolsonaro e, quando juiz, sentenciou Lula à prisão. Antes de migrar para a legenda, o ex-magistrado foi pré-candidato à Presidência pelo Podemos, que tem uma verba de R$ 210 milhões.
Moro agora concorre a uma vaga ao Senado pelo Paraná, numa campanha que recebeu R$ 2,2 milhões, apenas do Fundo Eleitoral. Contudo, a soma total dos recursos do pagador de impostos para a corrida ao Senado chega a R$ 4 milhões — a quantia restante vem do Fundo Partidário, uma bolada anual que já passou de R$ 600 milhões de janeiro a agosto de 2022, distribuídos para 24 partidos. Para ter direito a este segundo fundo, é preciso eleger pelo menos um parlamentar. Em 2021, o montante ficou próximo de R$ 940 milhões.
Uniões de interesses
Num casamento impensável quatro anos atrás, Lula agora “tenta voltar à cena do crime” ao lado de Geraldo Alckmin. Para participar das eleições de 2022, o ex-tucano migrou para o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e aceitou a vaga de vice na chapa encabeçada pelo petista. A dupla conta com o apoio de Rede, Psol, PCdoB, Agir, Avante, Pros e PV. O acerto entre os nove partidos reuniu R$ 1,25 bilhão do Fundo Eleitoral para serem gastos na disputa deste ano. Do total, quase R$ 90 milhões foram reservados para o primeiro turno da corrida ao Planalto.
Até o momento, a quantia bancou despesas como os quase R$ 26 milhões destinados à M4 Comunicação e Propaganda, uma empresa criada há quatro meses. Entre os sócios da companhia, Sidônio Pereira, marqueteiro que prestou serviços para o PT no passado e que, de acordo com o R7, chegou a ser denunciado pelo Ministério Público da Bahia por improbidade administrativa durante uma prestação de serviços à Câmara Municipal da capital, Salvador.
Na lista de despesas do petista também constam gastos de R$ 2,4 milhões com advogados. A quantia é dividida em partes iguais entre os escritórios de Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff (PT), e Zanin Martins, que atua na defesa de Lula nos processos da Operação Lava Jato.
O PSDB, agora sem Geraldo Alckmin, tem R$ 320 milhões. Um pouco menos que os R$ 340 milhões do PSD — partido liderado por Gilberto Kassab, mentor de alianças passadas tanto com os tucanos quanto com os petistas. Ciro Gomes (PDT), que também buscou o apoio de Kassab, é candidato à Presidência pela quarta vez neste ano. A sigla tem R$ 250 milhões do Fundo Eleitoral, sendo quase R$ 35 milhões para a disputa ao Planalto.
Desse dinheiro, R$ 8 milhões vão para os honorários de João Santana. Marqueteiro da atual candidatura de Ciro, Santana esteve à frente de campanhas encabeçadas pelo PT e acabou condenado na Operação Lava Jato por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Para o MDB, que no passado já abrigou Ciro e Alckmin, foram destinados R$ 360 milhões. Nesta eleição, o partido lançou a senadora Simone Tebet à Presidência. Somando os fundos Eleitoral e Partidário, são R$ 36 milhões para a campanha. Atual partido de Jair Bolsonaro, o PL tem R$ 270 milhões do Fundo Eleitoral para gastar neste ano.
Nas eleições de 2022, cerca de 1.630 cargos estão em disputa. A conta inclui da Presidência da República às assembléias legislativas, passando pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e pelos governos estaduais. Se os R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral forem divididos igualmente entre essas vagas, cada candidato eleito terá custado R$ 3 milhões aos pagadores de impostos. A quantia é infinitamente superior ao que a maioria dos brasileiros jamais receberá em uma vida de trabalho.
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Revista Oeste