O secretário do Tesouro, Bruno Funchal, assumiu o cargo no “olho do furacão”, quando o governo teve de deixar de lado o esforço fiscal e abrir os cofres para atender às demandas trazidas pela pandemia. Nesta entrevista, ele fala sobre o impacto colossal da covid nas contas públicas e a importância de retomar a política de austeridade no pós-pandemia, para evitar uma crise de confiança em relação à capacidade de o País administrar uma dívida que deve roçar os R$ 7 trilhões neste ano.
Do ponto de vista fiscal, como
o sr. analisa o volume de gastos
públicos na pandemia?
O aumento de gastos nesse período era necessário. Como estamos falando de vida, é bem razoável que você tome medidas excepcionais para poder lidar com o problema. Foi um movimento que ocorreu no mundo todo, para poder fazer frente à pandemia e ao grande cenário de incertezas que ela trouxe, não só em relação a como lidar com a doença, mas também sobre como a economia iria reagir. Agora, é um custo bem alto. É uma conta que, em última instância, vai ser paga por todos nós e pelas gerações futuras.
Qual o impacto real da pandemia
nas contas públicas?
A gente saiu de um déficit primário projetado pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de R$ 124 bilhões para um déficit de quase R$ 800 bi. Além desses R$ 124 bilhões já contratados, foram mais R$ 500 bilhões em despesas, equivalentes a 7,5% do PIB, para proteger os mais vulneráveis, garantir os empregos e dar liquidez para as empresas, e mais R$ 20 bilhões em reduções e desonerações tributárias. Tem também a frustração de receita, porque a gente achava que o PIB iria crescer 2,5% a 3% neste ano e vai cair 4,7% pelas projeções da Secretaria de Política Econômica (SPE). No total, considerando uma despesa com juros de 4,8% do PIB, a gente projeta um déficit nominal de 16,1% do PIB em 2020. Essa diferença que estamos adicionando, em relação ao que estava previsto no orçamento, vai se refletir na nossa dívida.
Alguns analistas dizem que quase
toda a verba liberada na
pandemia foi para aliviar seu
impacto social
e econômico e que a parte da
saúde, para prevenção e
combate à doença,
foi muito baixa, cerca de 10%
do total. Como o sr. vê essas
criticas?
Desde o início da pandemia, a maior prioridade do governo, do ministro (Paulo) Guedes, era não faltar recursos para a saúde, enquanto houvesse demanda. Além disso, dos R$ 60 bilhões direcionados a Estados e municípios, R$ 10 bilhões foram destinados à saúde. Os outros R$ 50 bilhões eram desvinculados, mas foi um pedido dos próprios Estados e municípios, para ter maior liberdade de aplicar o dinheiro. No fundo, o atendimento na saúde acontece na ponta. Então, o importante era irrigar de recursos os entes subnacionais para que eles pudessem fazer a gestão. É o gestor que está na ponta que sabe onde o dinheiro é mais necessário. Como houve uma redução grande de receita também nos Estados e municípios e um rearranjo de recursos para a saúde, acabou faltando dinheiro em outras áreas, para rodar a máquina.
Tudo isso vai exigir um grande
esforço do governo para
reequilibrar as contas
públicas. Qual a sua avaliação
sobre o quadro fiscal nos
próximos anos?
É preciso ter em mente que a gente está passando por um choque temporário. À medida que a economia se recuperar, as nossas ações têm de voltar para a agenda pré-crise. Não pode tornar permanente o que é temporário, para não deteriorar mais o quadro fiscal. No futuro pós-pandemia, a nossa trajetória de consolidação fiscal tem de ser igual à do pré-pandemia. Nosso endividamento é muito alto. A gente não pode nem pensar em ações que fragilizem a nossa situação fiscal. Com a manutenção do teto de gastos e o período que a gente terá de juros baixos, podemos controlar a dívida e fazer um esforço para voltar a um nível de endividamento mais razoável.
O que pode acontecer se isso
não for feito?
Se a gente transformar essas medidas temporárias em despesas permanentes, as expectativas em relação às contas públicas vão piorar muito. Se a gente perder a credibilidade em relação à estabilidade da nossa dívida, o reflexo nos juros será imediato. Aí vamos ter uma combinação de juros altos com dívida alta. A gente estará flertando com um risco fiscal altíssimo. Por isso é importante retomar a agenda de consolidação fiscal e fortalecer o teto de gastos. É ele que ancora as expectativas e faz com que todos acreditem que as despesas estão controladas e as taxas de juro fiquem baixas.
José Fucs, O Estado de S.Paulo