A vassourada sem precedentes nos políticos tradicionais e nos investigados da Lava-Jato cristalizou a tendência conservadora que já se revelava em 2016
Foi o mais duro golpe na política tradicional desde a redemocratização. Ao surfarem a onda bolsonarista no domingo 7, os eleitores puniram as maiores legendas do país, reduzindo suas bancadas, e acabaram com a polarização entre PT e PSDB, que dominava o cenário nacional havia décadas. Também mandaram para casa caciques regionais, próceres da República e até clãs inteiros, como o do ex-presidente José Sarney. Na Câmara, a renovação foi de mais de 50%, a maior desde 1998. No Senado, dos 32 parlamentares que tentaram a reeleição só oito saíram vitoriosos.
O rearranjo de cadeiras resultou no fortalecimento da direita radical e do conservadorismo. Houve ainda aumento no número de partidos com representação no Poder Legislativo, o que deve levar o presidente eleito, seja ele quem for, a enfrentar negociações mais custosas com o Congresso. A regra é clara: quanto mais atores na mesa de negociação, maior a dificuldade de chegar a um consenso.
O principal beneficiário da renovação da Câmara foi o PSL, o nono partido na carreira de Jair Bolsonaro, ao qual ele se filiou em março deste ano. O PSL, que elegeu um deputado em 2014, passará a ter 52 em 2019. Será a segunda maior bancada da Casa, atrás apenas da do PT, que, apesar de tudo, elegeu 56 representantes. Petistas, tucanos e emedebistas perderam cadeiras , abrindo espaço para outras siglas no Congresso.
A partir de 2019, a Câmara terá trinta partidos em atuação, contra os atuais 25. No Senado, serão 21, ante os dezessete de hoje. Entre perdas e ganhos nas urnas, as bancadas conservadoras — a evangélica, a da bala e a dos ruralistas — saíram no lucro. Consultorias estimam que a direita, embalada pela onda bolsonarista, terá cerca de 320 dos 513 deputados e 65 dos 81 senadores. Um senhor plantel, já que a aprovação de mudanças na Constituição requer os votos favoráveis de 308 deputados e 54 senadores.
“Acompanho o Congresso há 35 anos, desde a Constituinte. Nunca houve uma renovação com base num clima tão emocional e com uma pauta tão conservadora”, diz Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Cientes de sua força, os conservadores querem aprovar mudanças no Estatuto do Desarmamento, a fim de facilitar o porte de armas no país, e a redução da maioridade penal. Outras metas são derrubar barreiras legais ao uso de agrotóxicos e impedir a flexibilização da lei do aborto. A tríade BBB — boi, bala e Bíblia — está pronta para uma atuação conjunta. “Eles vêm com um impulso muito forte e muito convencidos da pauta que foi a razão para se elegerem. Não entendem a complexidade do processo legislativo e podem tomar mais decisões impensadas, recorrendo menos às articulações políticas e à ideia de compor um consenso”, afirma Queiroz.
Em tese, o triunfo da direita e do conservadorismo nas eleições legislativas pode facilitar a vida de Bolsonaro caso ele vença o segundo turno. A afinidade entre o chefe do Executivo e sua base parlamentar pavimentaria o caminho para a aprovação de pautas comuns — econômicas e comportamentais. Na prática, no entanto, até o chamado Centrão, notório por seu governismo atávico, tem dúvidas sobre o desempenho de Bolsonaro no campo da governabilidade. Não é à toa.
Com ascensão meteórica impulsionada por um discurso contra os partidos e especialmente o PT, Bolsonaro não é versado na arte da negociação. No início da campanha, não conseguiu agregar legendas de médio porte à sua coligação. Fracassada essa tentativa, um de seus filhos chegou a zombar dos integrantes do Centrão, dizendo que era melhor marchar sozinho do que correr o risco de ir parar na cadeia.
“A operação da governabilidade tende a ser muito baixa. O que pode melhorá-la é se Bolsonaro obtiver uma votação expressiva no segundo turno, como a de Lula em 2006, que foi de 61%”, diz o cientista político Antonio Lavareda. “Uma maioria desse tamanho dá uma autoridade adicional ao Executivo perante o Congresso, ao menos na largada, quando é o momento de realizar as reformas”, acrescenta.
No caso de Fernando Haddad, a tarefa de formar maioria no Congresso tende a ser hercúlea, já que seu campo político encolheu. Somadas, as legendas de esquerda e centro-esquerda elegeram menos de 150 deputados.
Ou seja: se eleito, Haddad terá de recorrer à oposição — inclusive àquele pedaço que não tem nada de ideológico e tem tudo de fisiológico. Foi para atraí-lo que nasceram o mensalão e o petrolão, os piores exemplos do presidencialismo de coalizão tropical.
O PT continua vivo na eleição presidencial e conquistou a maior bancada da Câmara graças ao Nordeste, a única região em que Bolsonaro não venceu no primeiro turno. Os petistas, que já haviam sido derrotados nas eleições municipais de 2016, perderam cadeiras nas duas Casas do Congresso. Seus candidatos de destaque fracassaram nas urnas.
A ex-presidente Dilma Rousseff amargou um quarto lugar na eleição para o Senado em Minas, em mais um atestado público de que ela prega a convertidos quando diz ter sido vítima de um golpe. Eduardo Suplicy também perdeu a corrida para o Senado em São Paulo, depois de largar como franco favorito. Rivais do PT nas últimas décadas, os tucanos não tiveram melhor sorte: registraram o pior desempenho em sucessões presidenciais e viram minguar suas bancadas (veja a reportagem na pág. 58).
O Fla-Flu entre as duas legendas, que parecia insuperável, foi pulverizado. A diferença é que o PT continua líder no campo da esquerda, enquanto o PSDB perdeu o protagonismo na direita, agora nas mãos de radicais.
“Este Parlamento é marcadamente novo. Sua principal característica é que houve uma troca de guarda à direita. O núcleo desse comando à direita deve ficar com o PSL, que provavelmente crescerá ainda mais nos próximos meses. A médio prazo, o PSL tende a ser o maior partido do Congresso”, diz Lavareda.
Daniel Pereira, O Globo