sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Por que Bolsonaro está quase lá

O que explica a ascensão de Jair Bolsonaro, o candidato de 49 milhões de votos que quase liquidou a fatura no 1º turno das eleições e segue como franco favorito para ocupar a cadeira presidencial a partir de 2019


Crédito: Jorge Araújo/Folhapress
PERTO DA RAMPA DO PLANALTO A duas semanas do 2º turno, Bolsonaro surfa na onda conservadora e antipetista, e se consolida em primeiro lugar (Crédito: Jorge Araújo/Folhapress)
O ARTICULADOR Gustavo Bebbiano é hoje um dos principais conselheiros de Bolsonaro (Crédito:Marcos Ramos / AG O Globo)
Em 1992, James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton, do Partido Democrata, na disputa pela Presidência dos Estados Unidos contra George Bush, concorrente à reeleição, cunhou um mantra para o resultado de qualquer refrega política: “É a economia, estúpido!”.
 O termo pouco educado pretendia mostrar que é a questão econômica a balizadora dos resultados eleitorais.
 No caso, Carville apostava que a crise americana superaria o sentimento de resgate da autoestima do cidadão obtido após a vitória na Guerra do Golfo. O que se confirmou e garantiu a vitória de Clinton.
 As eleições brasileiras de 2018 parecem contrariar o mantra de Carville.
 No caso, o que definiu o resultado das urnas foi “a política, estúpido!”. E nenhum outro candidato beneficiou-se dessa nova ordem de forma melhor que Jair Bolsonaro, do PSL.
 “Houve uma mudança profunda no sentimento do eleitor, que a maior parte dos candidatos, à exceção de Jair Bolsonaro, demoraram a perceber”, observa o cientista político André Felipe, especialista em questões municipalistas. Muitos ainda nem perceberam. 
Até 2014, prevalecia o voto econômico, voltado a temas como controle da inflação, desemprego, estabilidade, desigualdade social. 
Este ano, não. 
Compõem os alicerces do voto em Bolsonaro o combate à corrupção, o enfrentamento dos problemas de segurança pública, a contestação ao establishment, que faz com que o eleitor do candidato do PSL sinta-se quase como um revolucionário dos tempos modernos, o conservadorismo, ao qual estão umbilicalmente ligados a questão cultural e os costumes – defesa da religião e de valores da família tradicional composta por “pai e mãe” contra uma agenda considerada progressista – e, claro, o antipetismo, grande responsável pela avalanche de votos na reta final.
Como disse na terça-feira 9 a senadora Ana Amélia (PP-RS), no seu primeiro compromisso após deixar de ser a candidata à vice-presidência na chapa de Geraldo Alckmin, do PSDB, o eleitor acalenta uma mudança drástica. E identifica em Bolsonaro a possibilidade. 
“Nós sabemos que ele, com 21 anos de mandato como deputado federal, está longe de ser exatamente o ideal. Mas o eleitor resolveu correr o risco, mesmo que seja para tirá-lo depois”, afirma ela, que franqueou apoio ao candidato. 
Está embutida nesse raciocínio a constatação da força que o cidadão pode ter na transformação política. 
Em 2013, o mundo político ficou surpreso quando as ruas do país se encheram de manifestantes em protesto durante a Copa das Confederações. Como os antigos imperadores romanos, os governos do PT ofereciam o pão e o circo. 
Mas o cidadão, descontente, reclamava da corrupção e da falta de segurança. Exigia para o país o “padrão Fifa” de excelência, que os governos justificavam para construir faraônicos estádios de futebol. As manifestações cresceram. 
Viraram os movimentos que alimentaram o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Tornaram concreta a sensação de que é possível “tirar” os governantes que frustrarem suas expectativas.
Enquanto a revolta do subsolo já estava a pleno vapor, um reduzido grupo formado por uma dezena de deputados pouco conhecidos, integrantes do baixo clero da Câmara, começava a se reunir para avaliar os acontecimentos. Esses deputados percebiam que, em grande parte, somavam-se aos protestos reclamações de ordem moral mais conservadora. 
Especialmente, a população assustava-se com o aumento dos casos de violência. Parecia exigir maior autoridade dos governos. Ordem. 
Alguns mais extremados começaram a pregar o que eufemisticamente chamavam de “intervenção militar”, que nada mais era que apoiar um novo golpe como o de 1964.
PELOTÃO DE FRENTE Eleito senador por São Paulo, Major Olímpio foi um dos idealizadores da candidatura do ex-capitão
O grupo de deputados começou a considerar que havia ambiente para produzir uma espécie de militarização, mas pela via democrática. 
Pelo voto. Um dos deputados desse pequeno grupo era Jair Bolsonaro. 
O ex-capitão do Exército era figura polêmica na política desde que se elegeu pela primeira vez vereador no Rio de Janeiro em 1989. 
No Exército, se envolvia em disputas de cunho sindical, pela melhoria dos soldos aos militares. Logo depois foi para a reserva e para o início da sua carreira política. Na qual aos poucos foi derivando da mera defesa dos interesses da corporação à defesa de uma agenda conservadora. 
Sem medo da polêmica, defendeu a ditadura militar, chegou a se referir de maneira pejorativa a homossexuais, atacou o que chama de “ideologia de gênero” e denunciou a existência de um “kit gay”, um material que seria distribuído nas escolas para educação sexual. Conquistou a chamada direita popular.
Marcos Ramos/Ag. O Globo; Divulgação
Marcos Ramos/Ag. O Globo; Divulgação
A bancada da bala, boi e Bíblia
O time que se reunia para discutir a escalada dos protestos no país era formado por deputados da chamada “bancada da bala”, oriundos da área de segurança pública e das corporações militares. 
Nomes como Major Olímpio (PSL-SP), eleito agora senador, Delegado Francischini (SD-SP) e Alberto Fraga (DEM-DF). E, de novo, Jair Bolsonaro. 
O grupo começou a considerar que o ex-capitão do Exército espelhava o perfil que emergia das manifestações. 
A equipe ganhou corpo. Incorporou a bancada evangélica e parte da bancada ruralista, formando o que passou a ser conhecido no Congresso por BBB (Bala, Boi e Bíblia). 
Em 2017, os bolsonaristas ganharam a adesão de um deputado mais experiente, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que passou a atuar como coordenador da turma.
Fora do meio parlamentar, a eles incorporou-se o advogado Gustavo Bebbiano. Inicialmente um admirador do candidato, Bebbiano levou dois anos para conseguir se aproximar de Bolsonaro. Conseguiu por intermédio de um dos filhos do capitão, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, com quem começou a ser corresponder pelo Whatsapp. Depois de conquistar Bolsonaro, Bebbiano foi se tornando o principal articulador do projeto político. 
Em estratégia semelhante à de Fernando Collor em 1989, quando buscou uma legenda para transformá-la em seu partido, o PRN, Bebbiano foi atrás de uma agremiação que aceitasse que Bolsonaro chegasse para ser candidato já exercendo o comando. 
Tentou inicialmente o Patriota. Não conseguiu. 
Numa cartada certeira, obteve a condição que desejava no PSL. E conquistou definitivamente o coração de Bolsonaro. Hoje, Bebbiano é o seu principal conselheiro e uma das figuras mais influentes da campanha.
Contexto favorável
As crescentes manifestações de protesto iniciadas em 2013 culminaram com o movimento que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. Michel Temer tomou posse em seu lugar e os problemas de segurança pública explodiram em todo o país. O ano de 2017 começou com sangrentas rebeliões em presídios. Uma escalada de criminalidade que não parou. 
No Rio de Janeiro, somou-se aos casos de corrupção, que envolveram toda a cúpula política. 
O ex-governador Sergio Cabral foi parar na prisão. Com frequência cada vez maior, Temer foi se valendo da força militar para tentar resolver os problemas, a partir do envio de tropas para Garantia de Lei e da Ordem (GLO). Até culminar, logo depois do carnaval deste ano, com a decretação da intervenção militar na área de segurança no Rio.
“Ainda que a intervenção militar não tenha produzido seus efeitos, o governo Temer contribuiu para gerar a ideia de que basta chamar os militares para a solução dos problemas. E havia um militar dizendo isso há alguns anos como candidato à Presidência”, analisa André Felipe. 
Sim, Bolsonaro.
“Enquanto Alckmin falava em imposto de valor
agregado, Bolsonaro usava uma linguagem simples”

André Felipe, cientista político
Ao atacar os problemas que desde as manifestações preocupavam a população, Bolsonaro assemelhou-se a Lula em 2002 pela linguagem simples e de fácil entendimento com que se dirigia às pessoas. 
“Enquanto Alckmin falava na criação de Imposto de Valor Agregado, algo que poucos compreendem, ele falava de segurança e de kit gay”, relembra. 
Para o deputado Onyx Lorenzoni, essa é uma das chaves do sucesso do capitão. 
“Mudou-se o conceito de uma campanha política”, diz. Enquanto os demais candidatos faziam promessas, com propostas mirabolantes, vendendo terreno na lua, Bolsonaro preferiu vender conceitos e valores. Tornou-se também aquele que melhor soube valer-se das redes sociais.
E as pessoas que se organizaram naqueles ambientes desde os protestos de 2013 começaram a aderir a ele. A campanha ganhou uma dinâmica própria.
Essa conjunção de fatores projeta uma consolidação que muito dificilmente deverá mudar no segundo turno. A primeira pesquisa pós-primeiro turno escancara esse cenário. Mostra Bolsonaro com 58% dos votos válidos, contra 42% de Haddad. Para virar o jogo, o petista terá de tirar algo em torno de um milhão de votos por dia – quase um trabalho de Sísifo. O maior desafio para o candidato do PSL será tirar o país do atoleiro da crise, depois de eleito. 
Hoje, ao lado de Bolsonaro, encontra-se uma profusão de políticos de menor experiência. Mesmo com a grande renovação, o Congresso em princípio não deixará de seguir suas regras fisiológicas habituais. 
Sofrerá pressões para prosseguir no velho toma lá, dá cá. Caso não o faça, poderá sofrer boicotes e não aprovar seus projetos. 
“Sempre há chance de frustração, com qualquer um. Mas é como me disse uma eleitora na fila de votação: voto nele. Se errar, tira”, afirmou Ana Amélia Lemos. Se assim deseja a maioria do povo brasileiro, quem somos nós para contrariá-lo?