Há uma emergência na economia brasileira. Com o Tesouro esburacado e a dívida púbica em disparada, o País está arriscado a quebrar e a ter de pedir socorro em poucos anos, talvez ainda no mandato do próximo presidente. O alarme soa sem parar, mas os candidatos à Presidência parecem desconhecer o óbvio: seu desafio mais urgente será cuidar das finanças oficiais e impedir um desastre. Sem isso nenhum plano de governo, de qualquer coloração política, terá sentido prático.
Mas eles continuam falando de seus planos como se o maior dos obstáculos fosse problema secundário, facilmente superável ou mesmo distante. Nenhum dos dois passaria num teste para o Corpo de Bombeiros ou para o serviço de pronto-socorro. Mas há uma diferença. Um reconhece explicitamente a existência de um problema fiscal importante, mas continua sem dizer com clareza como vai enfrentá-lo a partir de 2019. O outro mal admite a importância do problema e acena com aumento de gastos públicos no primeiro ano de mandato.
Para entender a emergência é bom começar pela dívida pública. O leitor pode escolher o critério. Pelo padrão de Brasília, em agosto o governo geral devia R$ 5,22 trilhões, soma equivalente a 77,3% do produto interno bruto (PIB). Em dezembro do ano passado a relação estava em 70%. No fim de 2018 estará bem próxima de 80% e continuará crescendo nos próximos anos. Pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI), a relação dívida/PIB chegou a 84% no ano passado, deve atingir 88,4% em 2018, baterá em 97,1% em 2022, no fim do próximo mandato presidencial, e alcançará 98,3% no ano seguinte.
O critério oficial brasileiro exclui os títulos do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC). O padrão do Fundo facilita comparações internacionais. No ano passado a dívida do governo geral, no caso dos países emergentes e de renda média, equivalia a 48,7% do PIB. No caso da América Latina, a proporção média correspondia a 62,5%, mas esse número é obviamente distorcido pelo peso da dívida brasileira. O quadro, porém, é até pior: no ano passado a dívida média nas economias avançadas era igual a 75,1% do PIB, segundo o FMI.
Por qualquer critério, do Fundo ou do governo brasileiro, a situação do País é muito ruim e chama a atenção de financiadores e investidores do mercado internacional, especialmente, é claro, das agências de classificação de risco.
Quanto pior a classificação, maior o custo do financiamento conseguido no exterior. Mesmo sem esse peso adicional, o custo da rolagem da dívida pública brasileira é muito alto e assim continuará enquanto as contas oficiais permanecerem muito frágeis.
O governo geral, considerado nesses cálculos, inclui os três níveis da administração. O problema é explicável principalmente pelo mau desempenho financeiro do governo central. Mas o endividamento de alguns Estados também cresceu perigosamente nos últimos anos, quando o governo petista afrouxou os controles e concedeu garantias de forma irresponsável.
A dívida continuará em expansão enquanto a administração for incapaz de pagar pelo menos os juros vencidos. Para pagar esse compromisso será necessário obter superávit primário, isto é, uma sobra nas contas do dia a dia do governo. Se o dinheiro for suficiente para cobrir apenas uma parte dos juros, o endividamento continuará a crescer, porque será preciso refinanciar também uma parcela dos encargos.
Enquanto esse quadro perdurar, os juros continuarão elevados e faltarão recursos para o investimento empresarial. Para captar dinheiro no mercado as empresas terão de competir, como tem ocorrido há muitos anos, com um governo devorador de uma enorme fatia da poupança disponível.
Tentar controlar o custo do crédito será inútil, como sempre foi, porque juros tabelados ou de alguma forma controlados acabam resultando em desajustes. Um dos mais visíveis é o aumento da inflação, como os brasileiros deveriam ter aprendido. Inflação baixa, ou em queda, e contas públicas no rumo do ajuste são os caminhos mais seguros para baratear o crédito, liberar recursos para investimento – público e privado – e elevar o potencial de crescimento econômico.
O guru econômico do candidato Jair Bolsonaro coordena uma grande equipe envolvida no planejamento do governo. Pouco se revelou, no entanto, sobre a estratégia de arrumação das finanças públicas e sobre o desenho para a reforma da Previdência. Privatizações e concessões foram apontadas como fontes de recursos para a redução da dívida. Mas o processo continua obscuro. Além disso, a dívida voltará a crescer, depois dessa operação, se faltar um ajuste efetivo do Orçamento público. Os detalhes permanecem misteriosos.
O petista Fernando Haddad mal admite a existência de um problema fiscal. Ao contrário: tem falado em eliminar o teto de gastos, em discutir a reforma da Previdência com o funcionalismo e em gastar mais para animar a economia. De onde virá o dinheiro? Como recursos dificilmente caem do céu, o caminho será um maior endividamento. Empresários poderão até aplaudir o impulso inicial, mas um desarranjo maior será inevitável, até porque os amigos da corte cobrarão incentivos fiscais e financeiros e proteção comercial.
O Haddad do segundo turno permanece incapaz de apresentar propostas econômicas claras e compatíveis com a experiência acumulada no Brasil e no exterior. Parou de falar em constituinte especial e de propor censura aos meios de comunicação (a tal regulação da mídia) e controle social dos Poderes (algo acima da democracia representativa). Mas continua representando, no essencial, o velho papel. Deixando de ir a Curitiba e reduzindo o uso da cor vermelha, ele apenas cumpre ordens de Lula – como sempre. O discurso pode ter mudado. Lula, o verdadeiro candidato, certamente é o mesmo.
JORNALISTA
Com O Estado de São Paulo