segunda-feira, 2 de julho de 2018

Elena Landau defende Neymar e ataca o ‘politicamente correto’

ELENA LANDAU. FOTO FABIO MOTTA/ESTADÃO
Elena Landau defende o jogador das cobranças, 
acha Marcelo o principal craque do 
elenco brasileiro, critica CBF e federações e diz que 
o futebol precisa de “um choque de governança”
Elena Landau não faz segredo de que, família à parte, a grande paixão de sua vida é o Botafogo. Sempre próxima do futebol, ela chegou a ajudar informalmente na gestão do clube, em passado recente – mas foi como a economista aplicada e polêmica que ela se destacou durante as reformas estruturais da era FHC. Agora, em plena Copa da Rússia, a botafoguense decidiu entrar em campo para defender Neymar.
Na contramão de tantos que o acham “mimado e exibicionista” ela faz o elogio do talento: “Adoro jogador que faz embaixadinha, que dá drible. O Garrincha era um debochado, humilhava o marcador e todos aprovavam e aplaudiam”.  Mas agora, diz ela, “temos essa forte corrente do politicamente correto que é o maior atraso que já tivemos no futebol. Ora, muitos desses meninos vieram do nada, o Estado os ignorou e abandonou. Eles ficam ricos e famosos à custa de sua competência e esforço – e, como outros ricos e famosos de hoje, dispõem de assessor, cabeleireiro, fotógrafo, estilista, Facebook, Instagram. Não entendo essa birra com o Neymar. O engraçado é que cantores, artistas, não sofrem essa cobrança.”
Figura ativa por longo tempo no PSDB, que abandonou recentemente, tendo passado pela presidência do BNDES e pelo programa de desestatização nos anos 90, mas sempre com um pé nos estádios, Elena acha que o Brasil “tem o melhor elenco da Copa” e que Marcelo “é o melhor lateral do mundo, o craque mais importante do time brasileiro – e espero que seja escalado logo”.
Nesta entrevista a Gabriel Manzano, ela faz duas constatações de peso: “Assim como teve um choque de governança nas estatais, precisamos de um choque semelhante no futebol.” Para ela, “os problemas do futebol são os mesmos do Brasil enquanto nação”. A seguir, os principais trechos da conversa.
Como você junta, na cabeça, sua atividade como economista e a paixão pelo futebol?
Eu não ligo política, economia e futebol, são coisas distintas. O desânimo da população com o governo, se fosse valer, a gente não tinha se envolvido também na Copa de 2014. Muito mais que o governo Temer, acho que os 7 a 1 foram, sim, motivo para muitos se desligarem um pouco. Senti no início desta nova Copa que muitos torcedores ficaram “esperando pra ver”, com um pé atrás.
Nesse “esperar pra ver”, os episódios envolvendo Neymar tomaram conta do noticiário. Como você os analisa?
Acho que ele está sendo cobrado injustamente. Esse negócio de enfiar o politicamente correto no futebol é o maior atraso de vida que já tivemos no nosso futebol. Eu adoro jogador que faz embaixadinha, que dá drible. O Garrincha era um debochado e era um ídolo nacional. Esculhambava qualquer zagueiro e todos adoravam. E depois? Lembro que o Robinho foi massacrado porque fez umas embaixadas, que o Paulo Nunes empurrou o Edilson para o fundo de um túnel e não foi ele o criticado, pela violência, mas o Edilson, porque brincou na frente do adversário e acabou cortado da seleção.
‘O ESTADO NUNCA AJUDOU 
ESSES MENINOS, ELES VENCERAM 
PORQUE SÃO BONS E MERECEM 
O DINHEIRO QUE GANHAM’
E a carretilha do Neymar no zagueiro da Costa Rica?
A carretilha que o Neymar deu outro dia num zagueiro, ele só fez porque estava cercado por dois. E fez porque sabe, porque é gênio. Dizem por aí “Ah, o Neymar é um péssimo exemplo para a juventude!” Péssimo coisa nenhuma. Um garoto que saiu do anonimato, se impôs pelo seu talento, sozinho. Muitos outros craques, a gente sabe, são filhos de mãe solteira, criados pelo avô, etc. O Estado nunca ajudou, esqueceu essa gente, eles venceram porque são bons, merecem o dinheiro que ganham.
Então você discorda dos que  acham Neymar mimado, exibicionista…
Não vejo problema nenhum desse tipo. Veja, se ele tem Instagram, reclamam porque tem. Se fecha, dizem que ele não aceita críticas. O que vi, pelo menos nos primeiros jogos, é que todas as jogadas do Brasil passavam por ele. É porque ele é fominha? Ou é porque o Tite armou um esquema assim? Ou porque os outros não são criativos e lhe entregam a bola pra ele resolver? Ele recebe 60% das faltas em campo e não pode abrir a boca? E olhe, esclareço aqui que, para mim, o grande nome do nosso elenco – que considero o melhor da Copa – é o Marcelo. O maior lateral do mundo, o craque mais importante do nosso time, habilidoso, maduro, o mais consistente.
Tivemos outros exemplos de malandragem no passado – Gerson, Romário, muito antes deles o rebelde Almir. Dá pra fazer um paralelo?
Acho que a malandragem pode ser usada em campo até certo ponto, até onde ela ajuda. Naquele lance do pênalti contra a Costa Rica, se o Neymar não ficasse agitando os braços creio que o juiz marcaria. Quanto aos outros que você citou… bem, eram outros tempos. No passado, ninguém ficava discutindo isso e não se falava nunca da vida privada de um jogador. Hoje eles são perseguidos a cada instante, querem saber de tudo, até em quem eles votam. Virou um politicamente correto além da conta, com rede social policiando tudo.
Por falar nisso, o que diz do debate sobre machismo e homofobia nos estádios?
São coisas ridículas, não só de brasileiros e nem só na Rússia. É uma marca de muitas torcidas. Mas esse não é um problema do torcedor, é do ser humano. As pessoas acham que, como futebol é uma paixão, você tem passaporte pra ser imbecil. Quem é machista ou homofóbico não mostra isso só no estádio, mas em casa, na rua, no trabalho. Não é um problema do esporte, é um desafio da sociedade.
Tem ideia de como as coisas poderiam melhorar?
Quando saí da privatização eu já dizia que, assim como tivemos um choque de governança nas estatais, precisávamos de um choque igual no futebol. Havia uma CPI nos anos 90, ela foi bem feita, estávamos descobrindo operações irregulares na venda de jogadores. Comecei a me envolver na mudança do futebol lá por 2000. A gente tinha esperança de fazer a profissionalização.
O que era exatamente, então, essa profissionalização?
Permitir que se abrisse o capital, trazer investimentos, indicar diretores profissionais, tornar os clubes sociedades anônimas. Claro que isso ia contra todos os interesses da cartolagem, dos direitos televisivos, do status quo nos clubes.
No que deu aquilo tudo?
A gente perdeu a batalha. A lei saiu capenga, um punhado de investidores contactados voltou atrás. Vieram leis e mais leis, criou-se quase um Refis permanente das dívidas dos clubes. Eu fui contra a Copa no Brasil porque já sabia que era pra fazerem obras, repassar fortunas para as construtoras. Enfim, nosso futebol padece dessa questão estrutural e de uma crise de identidade.
Pode explicar?
A CBF é um exemplo. Ela é uma entidade privada. Por quê? Pra escapar dos controles, como o do TCU. Mas veja só, é uma entidade privada que tem o monopólio dos direitos da seleção! Ela representa o País na Fifa e tem os direitos de exploração sem pagar nada a ninguém. Tem o direito de explorar o verde-amarelo, de tocar o hino nacional. E se alguém quer usar a imagem da seleção tem de pagar pra ela!
E como junta isso com o lado empresarial nos clubes?
Bem, aí decidem que o futebol é um bem público e portanto não pode cobrar caro o ingresso. Se cobrar, o Ministério Público entra na briga e para tudo. As federações são uma caixa preta. Em resumo: o Brasil precisa se resolver no futebol, como na economia e na política. Vamos nos abrir para o mundo? Vamos pertencer ao século 21? Ou quero ser um populista intervencionista a mais na América Latina? Como se vê, o desafio do futebol é o mesmo do Brasil enquanto nação.
‘QUEREMOS UM PADRÃO DA
CHAMPIONS LEAGUE MAS 
NÃO QUEREMOS PAGAR 
O PREÇO PRA CHEGAR LÁ’
Qual é, no caso, o desafio?
Criar um padrão Champions League. Estamos longe disso. Veja, este não é o país do futebol, é o país da novela. O jogo durante a semana é sempre “depois da novela”. E não há segurança, e as famílias não podem ir com criança a um estádio ver jogo às 9 da noite. Ele se torna um ponto de concentração de grupos violentos. E a Champions? Tem jogo de qualidade em estádio de qualidade, segurança dentro e fora dele, transporte fácil, calendários inteligentes…
Imagina um caminho pra dar esse salto? Por exemplo, extinguir as federações?
As federações são um câncer no futebol. Mas acho que tem de decidir pelas beiradas. Não acredito numa grande reforma, com uma lei aprovada no Congresso, porque ele é igualzinho às federações. O lobby da federação está no Congresso, o da televisão também. Não é por aí. Temos de ir por partes, na segurança, na transparência, na modernização dos clubes. Superar essa história de só pensar no esporte em ano de Olimpíada e de Copa. Mas o grande fato, a sério, é que gostaríamos, sim, de ter o padrão Champions League mas não queremos pagar o preço para chegar lá. Daí, nosso destino é sermos um celeiro de talentos.

Por Sonia Racy, O Estado de São Paulo