domingo, 27 de novembro de 2016

"Saboroso veneno", por Ana Cristina Pinho e Tania Cavalcante

O Globo

Aditivos para dar aromas e sabores adocicados e mentolados aos cigarros cumprem um papel fundamental na iniciação dos jovens ao tabagismo


Os ministros do STF vão tomar em breve uma das decisões mais importantes para a saúde pública brasileira nos últimos anos. A Corte vai julgar se a indústria do tabaco pode continuar a usar aditivos que dão diferentes sabores e aromas a cigarros, cujo objetivo é facilitar a iniciação de adolescentes ao fumo.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso dos aditivos em 2012, após um amplo debate. Infelizmente, pouco tempo depois, uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) e liminar suspenderam a eficácia da decisão. O julgamento da Adin pelo STF está marcado para quarta-feira.

A Política Nacional de Controle do Tabaco brasileira é apontada como um caso de sucesso mundial. A prevalência de fumantes no país caiu pela metade do fim da década de 1980 até hoje. Em 20 anos, as ações para o controle do tabagismo no país já salvaram cerca de 420 mil vidas.

No entanto, a prevalência de experimentação de cigarros entre adolescentes mantém-se no patamar inadmissível de 18,5%, segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde do Escolar (PeNSE). No Brasil, 80% dos fumantes começaram a fumar antes dos 18 anos, segundo pesquisa do Ministério da Saúde e IBGE em 2008.

Os aditivos para dar aromas e sabores adocicados e mentolados aos cigarros cumprem um papel fundamental na iniciação dos jovens ao tabagismo, conforme revelam documentos internos dos fabricantes abertos ao público em litígios judiciais. As companhias reconhecem que o primeiro contato com o cigarro é sempre uma experiência desagradável e descrevem os aditivos como uma importante tecnologia para tirar o gosto ruim do tabaco e disfarçar a irritação da fumaça na garganta.

Superada a aversão inicial, a dependência de nicotina se instala, e o jovem torna-se o mais novo consumidor de cigarros, em substituição aos adultos que conseguiram parar de fumar e a aqueles que — é trágico, mas verdadeiro — morreram em função de doenças cardiovasculares ou de câncer.

Os jovens são o alvo preferencial da indústria do tabaco, porque podem se tornar consumidores durante décadas, apontam os documentos internos. Proibidos de fazer propaganda e patrocinar eventos, a indústria investiu nos aditivos e na atratividade das embalagens dos maços, coloridas e brilhantes, que são posicionadas ao lado de balas, chicletes e chocolates nos pontos de venda.

O tabagismo é considerado pela OMS uma doença pediátrica, uma vez que a idade média da iniciação no mundo é de 15 anos e que estudos demonstram que o cérebro do adolescente é mais sensível aos efeitos da nicotina do que o de adultos.

Mesmo com a forte redução da prevalência de fumantes nas últimas décadas, o tabagismo foi responsável por 147.072 óbitos, 157.126 infartos agudos do miocárdio, 75.663 acidentes vasculares cerebrais e 63.753 diagnósticos de câncer no Brasil, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz em 2011.

A suspensão do uso de aditivos representa uma grande conquista para a saúde pública no Brasil e proteção dos nossos jovens contra a pandemia mundial do tabagismo.

Ana Cristina Pinho é diretora-geral do Inca e Tânia Cavalcante é secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco do Inca