terça-feira, 1 de julho de 2014

"Tem de querer", por Ilan Goldfajn

O Estado de S.Paulo

Não foi nos últimos seis minutos da virada espetacular da Holanda que o México começou a perder o jogo. Começou quando o treinador mexicano, Miguel Herrera, substituiu o atacante Giovani dos Santos e recuou exageradamente o time. Ele deixou de querer mais e perdeu a vantagem no placar. Acabou perdendo também a chance histórica de classificar o México para as quartas de final da Copa do Mundo.


Na economia deixamos de querer mais já há algum tempo. Os jornais do fim de semana comemoraram os 20 anos do Plano Real. O plano foi um marco, saímos da inflação alta e começamos a enxergar o futuro. Mas, anos depois, faltou dar-lhe sequência. Alguns mecanismos de indexação persistiram, o gasto público nunca parou de crescer e nos contentamos em manter o centro da meta de inflação em 4,5% (para que baixar mais?). O tempo foi passando e fomos recuando. Introduzimos novos mecanismos de indexação, acomodamo-nos no teto da meta de inflação (6,5%) e reintroduzimos controles de preços que nunca funcionaram no combate à inflação (na verdade, só pioraram).

Com o time recuado, começamos a duvidar da sua qualidade. A inflação ainda é alta... deve ser algum problema estrutural. Os juros sobem e a inflação permanece alta... deve ser a falta de eficácia da política monetária. Afinal, vivemos um paradoxo: a inflação hoje é alta e a atividade fraca (como pode haver inflação numa economia fraca?).

De fato, a inflação ronda o teto da meta, de 6,5%, apesar do controle de preços administrados, cuja inflação é de apenas 4,1%. No mês de junho a inflação dos últimos 12 meses atinge 6,5% e deve ficar acima do teto da banda até dezembro. Para os próximos anos as expectativas são de inflação ainda alta. A inflação esperada calculada a partir dos títulos indexados encontra-se em 5,9% para os próximos anos. A pesquisa Focus mostra que as expectativas para 2015 estão em 6,1%.

E a atividade vai na direção contrária. O sinal é inequívoco. Um conjunto amplo de indicadores coincidentes para o segundo trimestre - incluindo, entre outros, indicadores para a produção industrial, setor de serviços, demanda por crédito e confiança de empresários e consumidores - aponta para uma retração da atividade econômica (projetamos queda de 0,2%). Assim, no primeiro semestre a economia deve ter estagnado. Os índices de confiança de empresários e consumidores atingiram os menores níveis desde a crise financeira internacional.

O Banco Central baixou a projeção de crescimento para 1,6% em 2014 no último Relatório de Inflação. Mas com o resultado mais fraco do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre, bem como essa perspectiva para o segundo trimestre e a análise dos fundamentos econômicos, vai ser difícil a economia conseguir crescer acima de 1% em 2014. É necessária uma recuperação vigorosa no segundo semestre para alcançar essas projeção (uma queda da atividade de 0,2% no segundo trimestre requer uma recuperação de 0,5% por trimestre para a economia ainda crescer 1% neste ano).

A verdade é que não há paradoxo. A princípio, qualquer fenômeno que venha a reduzir a oferta tende a diminuir a produção enquanto eleva os preços. Uma queda da produtividade da economia leva a atividade fraca e inflação alta. O mesmo ocorre quando há uma queda dos termos de troca (preços de exportação sobre importações). Ambos parecem ter afetado a economia brasileira nos últimos anos.

Mas mesmo sem choques de oferta seria difícil espantar-se com a resistência da inflação. A subida recente de juros ocorreu após uma forte queda nos últimos anos, uma parte é apenas correção de rumos. E, quando vista em conjunto, a política econômica não tem contribuído plenamente para a queda da inflação.

O problema é que apenas um jogador ficou na frente: o Banco Central. O combate à inflação é um jogo de equipe. O aumento de gastos e a queda do superávit primário do governo, associados a incentivos ao consumo privado, têm prolongado o descompasso entre a demanda e a oferta no País.

Nos últimos anos, o superávit primário caiu de 3% a 4% do PIB para 1% a 2%. Em maio o déficit primário atingiu R$ 11 bilhões - 2,5% do PIB - e o acumulado em 12 meses, 1,5%. Estimamos que o superávit recorrente - aquele que é sustentável - atingiu apenas 0,5% do PIB. Neste ano, com a queda da arrecadação devida à atividade mais fraca, será muito difícil atingir a meta fiscal de 1,9%.

O uso de controles de preços para combater a inflação tem sido um verdadeiro gol contra. Controles mantêm acesa a perspectiva de reajustes de preços administrados no futuro. Não se acredita na queda futura da inflação, apesar da atividade fraca. Com expectativas de inflação em alta, é mais difícil reduzir a inflação corrente (quem quer abdicar de reajuste com perspectiva de inflação em alta?).

Mas o jogo não está perdido. Longe disso. Estamos distantes das ameaças hiperinflacionárias de décadas atrás. E a sociedade fica incomodada com as altas de inflação que reduzem o seu poder de compra, atuando como um verdadeiro imposto regressivo.

Para a frente, apesar de teoricamente possível, não acredito na persistência prolongada da inflação alta, com queda da atividade. Os preços livres vão acabar cedendo e afetando a inflação. Mas a política econômica tem de atuar em conjunto com um objetivo bem definido. E é importante atuar nas expectativas para reduzir o custo da desinflação. Para isso é necessário desembaraçar a questão dos preços administrados, a fim de evitar manter as altas expectativas de inflação. Afinal, tem de querer para avançar.

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DO ITAÚ UNIBANCO