Mentiras e versões grassam por toda parte. A campanha eleitoral só pode chegar às ruas em 6 de julho, mas já começou. Basta ver a agenda dos três principais candidatos, em que o destaque é a oratória de palanque, com acusações recíprocas, defesas e promessas. Luiz Inácio poderá voltar e tomar o lugar de Dilma Rousseff como candidato do PT? Ora, ele nega peremptoriamente.
A propaganda governamental - dos governos federal e estaduais - é proibida de veicular mensagens de cunho eleitoreiro, porém o que se vê são mensagens de feitos de governantes versando sobre temas de impacto, em evidente sinalização de propaganda eleitoral. Sob a exuberante arquitetura de 12 arenas locupletadas - a partir de 12 deste mês -, que abrigarão o maior espetáculo esportivo do planeta, a Copa do Mundo, a ser vista por 4,5 bilhões de pessoas em 212 países, ares de medo e interrogação se espraiam pelo território, a indicar um dos pleitos mais contundentes de nossa história política.
Por que a eleição deste ano assume posição de destaque na série histórica das disputas? Pelo fato de o Brasil se aproximar, velozmente, de uma encruzilhada, tendo de decidir se continuará a seguir em frente, à direita ou à esquerda. As direções, neste caso, dizem menos respeito às linhas do arco ideológico e mais às de busca de alternativas, do tipo redefinição de estratégias de desenvolvimento, correção e ajustes macroeconômicos, realização de reformas (política, fiscal-tributária, previdenciária, educacional), adequação do papel e do tamanho do Estado a uma nova ordem social e política e ações em áreas sensíveis, como direitos humanos, comunicação, sustentabilidade, infraestrutura, servidores públicos, etc.
A par das mudanças clamadas pela sociedade e confirmadas por pesquisas, que se imporão a qualquer vitorioso(a) no pleito, trata-se, ainda, de abrir horizontes na radiografia hegemônica do poder, dando chance a novos atores, avançando sobre a desgastada polarização PT-PSDB e oxigenando os pulmões da velha política.
A campanha deste ano agrega forte diferencial pelo fato de reunir três perfis competitivos, representando grupos partidários de expressão, cada qual, a seu modo, procurando interpretar as demandas de uma comunidade mais exigente, ativa e participativa. Nunca se ouviu tanto o eco das ruas como neste momento. O clima continua sob os efeitos (hoje mais débeis) da torrente escandalosa que pegou os costados do PT.
A Ação Penal 470 deixa ver nuvens sombrias sobre o partido que está no comando do poder e se apresentava como a vestal da República. Ainda a pontuar diferenças, o pleito contará, pela primeira vez, com uma classe média majoritária, que perfaz 53% da população, mesmo segmentada em três compartimentos (A, B e C).
Por último, o destaque de que a contenda fecha o ciclo de 1964. Expliquemos: os pesados anos de chumbo redefiniram os rumos da política, fazendo nascer partidos, formando grupos, multiplicando alas e dando margem à diástole que propiciou a abertura dos horizontes democráticos. Os atores alçaram ao patamar contemporâneo sob o empuxo de um discurso que teve como eixo o combate ao passado sombrio.
Fernando Henrique, José Serra, Luiz Inácio e Dilma, entre outros, fazem a ponte entre o ontem e o hoje, eles que padeceram sob o tacão da ditadura militar. Vozes do passado ainda se ouvem. Mas é forte o clamor para que o País descortine uma nova era, dando vez ao grupo pós-64.
Por isso mesmo a batalha se cerca de inusitado preparo com o uso antecipado de ferramentas, incluindo intensa propaganda política, manipulação das massas, alianças sem eira nem beira, lógica/ilógica dos discursos.
O medo torna-se arma de guerra. É um recurso extremo, de efeito devastador. Como pregava Hitler, “é apenas na aplicação permanentemente uniforme da violência que consiste a primeira das condições de sucesso”. Implicava a “violação psíquica das massas pela propaganda emotiva baseada no medo”.
Serge Tchakotine, em A Mistificação das Massas pela Propaganda Política, explica que Hitler usou a estratégia do medo para ativar os dois primeiros instintos humanos: o impulso combativo (o medo e a luta pela sobrevivência, contra incertezas, obstáculos, inimigos, etc.) e o impulso nutritivo (alimento, bolso com dinheiro para suprir o estômago). Para ganhar as massas, ensinava Goebbels, “é preciso contar com sua fraqueza e bestialidade, baixar o nível intelectual da propaganda, simplificar as ideias complicadas”.
Mas os tempos são outros. O dito hitlerista “quanto maior a mentira, maior a chance de todos nela acreditarem” não engabela como no passado, apesar da possibilidade de ainda enrolar incautos e incultos. Entre nós, a estratégia do medo bate nos fundões sob os braços do assistencialismo.
Acontece que a estratégia do terror foi banalizada, já não finca raízes profundas. A população, mesmo a das margens, parece vacinada contra a artilharia psicológica adotada em guerras eleitorais. Será difícil convencer comunidades de que um programa como o Bolsa Família, por exemplo, será extinto. Tornou-se política de Estado. E é pouco provável que temas abstratos - privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica - sejam palatáveis aos sentidos das massas.
Os governantes, é oportuno lembrar, têm a vantagem do “poder da caneta” - liberar verbas, aprovar projetos, nomear pessoas - para dar crédito às promessas. Mesmo assim, a credibilidade do discurso palanqueiro perde força.
Infere-se, portanto, que as firulas nos campos eleitorais não derrubam jogadores, como certos “técnicos” do marketing eleitoral imaginam. A esperança, essa, sim, é o xis da questão. O Brasil esperançoso é o do crescimento, da harmonia, da segurança, do trabalho. Que candidato veste melhor esse figurino? Quem fará as mudanças que todos clamam? Abraham Lincoln dizia que “demagogia é a capacidade de vestir ideias menores com as palavras maiores”. Quem tem coragem de arriscar?