O risco da segunda moratória em 13 anos é parte da história da demolição de um país que, na primeira metade do século XX, tinha alto desenvolvimento
O fim de semana deverá ser de intensas negociações entre Buenos Aires e Nova York, depois que o juiz americano Thomas Griesa considerou, ontem, ilegal a tentativa da Argentina de antecipar o pagamento a outros credores, sem cumprir a determinação da Suprema Corte dos Estados Unidos de resgatar pelo valor integral o crédito de fundos especulativos, chamados de “abutres”. Griesa, autor do veredicto contra a Argentina confirmado na última instância na Justiça americana, deseja empenho das partes para se chegar a um acordo. Por isso, barrou a manobra argentina.
Mas o tempo é curto, porque vence segunda-feira o prazo para o pagamento vetado por Griesa. Se a Argentina não puder fazê-lo, o país entra em virtual moratória, a ser confirmada 30 dias depois. Será, em 13 anos, o segundo calote argentino, algo poucas vezes visto na história de um país.
Há um corredor estreito pelo qual a Argentina precisa passar — e talvez ele não tenha saída. Mesmo que não houvesse a sustação do pagamento, os fundos, com base na decisão da Suprema Corte, podem pedir o arresto desse dinheiro. Logo, não há mesmo outra saída a não ser a negociação com os “abutres”.
Mas ceder e compor não é da natureza do kirchnerismo. O governo de Cristina K., mesmo nessas circunstâncias desfavoráveis, não contraria a natureza agressiva do nacional-populismo peronista. Já houve passeatas em Buenos Aires na região da embaixada americana, há pichações do tipo “pátria ou abutres”, cria-se a ideia de que a nação sofre ameaças de um inimigo externo. O truque é recorrente na história argentina. Foi assim nas Malvinas, quando a ditadura militar tentou safar-se embrulhada na bandeira nacional. Não deu certo. Pirotecnias têm sido executadas para evitar o incontornável: a sentença da Suprema Corte, a ser cumprida, como em qualquer país sério. Ou as partes que entrem em acordo para contorná-la.
Cristina despachou o jovem ministro da Economia, Axel Kicillof, para Nova York. Por enquanto, em vão. Afinal, ele foi à ONU e participou de uma pajelança multilateral contra os fundos, com auxílio da diplomacia brasileira, aliada da Casa Rosada. Perda de tempo, da Casa Rosada e do Itamaraty.
Os reais inimigos da Argentina são internos — sabe-se há décadas. Assim não fosse, o país não percorreria uma trajetória inédita: de uma economia com indicadores de país desenvolvido na primeira metade do século passado, passou a ser um pária no mundo.
Esta crise é fruto de mais uma tentativa argentina de praticar heterodoxias sem cuidados mínimos com equilíbrio fiscal, juros e câmbio. E foi por copiar algumas dessas heterodoxias que o governo Dilma padece de uma conjuntura econômica madrasta para quem se candidata à reeleição. O alerta de mais uma debacle da Argentina serve para todo o continente.