Dyelle Menezes e Gabriela Salcedo - Contas Abertas
Após a imprensa nacional e internacional se render ao Mundial no Brasil e os brasileiros se dedicarem mais às partidas de futebol do que aos protestos, o governo se apropriou do mérito da apelidada “Copa das copas”, a ponto de afirmar que o sucesso do evento se deve à aplicação dos investimentos.
Entretanto, as razões pelas quais a Copa foi classificada como a melhor de todas já ocorridas até então, resultam da identidade do povo brasileiro, hospitaleiro e festeiro, e, principalmente, da qualidade dos jogos já realizados.
Questionado pelo Contas Abertas sobre os investimentos realizados nos centros de treinamentos que ficaram disponíveis para as seleções e não foram utilizados, o Ministério do Esporte, por meio de nota, afirmou que “O sucesso da Copa do Mundo demonstra o acerto na realização dos investimentos”.
Apesar disso, o que os turistas têm destacado de melhor na Copa do Mundo no Brasil não passou pelos órgãos governamentais. De acordo com a BBC Brasil, o principal comentário dos estrangeiros exalta o próprio povo brasileiro.
“A hospitalidade do brasileiro foi o que sobressaiu aos olhos de todos os estrangeiros. Holandeses, croatas, chineses, uruguaios, ingleses, chilenos, mexicanos, alemães, coreanos, belgas, canadenses, americanos, todos, sem exceção, citaram “as pessoas” como o melhor do Brasil até agora”, afirma reportagem.
No entanto, no mesmo texto da coorporação britânica, os turistas destacaram problemas como de infraestrutura, obras que não terminaram, falta de segurança e estádios que ainda não estão prontos. “Fiquei impressionado com as obras inacabadas, muita coisa por fazer. Acho que a Fifa tinha que ter pressionado mais para as coisas saírem”, contou à BBC o holandês Siegfried Mulder.
“Os estádios não estão prontos. Estão funcionando, mas não estão prontos”, disse o sul-coreano Sangnin, que passou por Cuiabá, Porto Alegre e São Paulo indo aos jogos da Coreia.
Apesar dos protestos não terem atingido escalas iguais às de junho de 2013, alguns turistas afirmam que entenderam as manifestações depois de alguns dias no Brasil. “Estamos conseguindo entender melhor por que as pessoas estavam reclamando dessa Copa, por que dos protestos e tudo mais”, pontuou o alemão Jan Menke, que veio para o Brasil com quatro amigos para curtir a Copa, mas sem ir aos estádios – “os ingressos estão muito caros”, explica ele.
Para José Cruz, jornalista que há mais de 20 anos cobre os bastidores da política e economia do esporte, ignorar a confraternização dos torcedores e a alegria nos jogos seria burrice, mas enquanto a imprensa concentra atenção nas emoções do futebol, “outro Brasil continua sua rotina de mazelas, entre elas a corrupção e a exploração sexual infantil, duplicada em Fortaleza”.
“Portanto, o ‘sucesso’ na competição revela mais uma surpresa: além da eliminação da campeã Espanha e da surpreendente classificação da Costa Rica, o Brasil apresenta ao mundo a sua Copa ‘sem planejamento’, como afirmou o Tribunal de Contas da União, e de transparência opaca”. (Veja matéria).
Legado
Enquanto os torcedores vibravam nas estádios 12 arenas construídas ou reformadas para o mundial, milhares de brasileiros enfrentavam o drama de inundações no Nordeste e no Sul do país, problema que se repete de governo para governo. Que o prometido legado diminuiu ninguém pode negar.
De fato, além de estarem atrasados, os investimentos previstos para obras de mobilidade urbana, por exemplo, caíram drasticamente. A Matriz de Responsabilidades que chegou a estimar em R$ 12 bilhões as obras de mobilidade urbana em 2012, está agora com apenas R$ 8 bilhões previstos para aplicações no setor.
Embora algumas obras tenham sido incluídas na Matriz, cerca de 18 ações foram retiradas entre julho de 2012 e setembro de 2013. Burocracia, chuvas, disputas judiciais sobre desapropriações, impasse para obtenção de licenças, entre outros, estão entre as justificativas apontadas pelos gestores para o atraso ou cancelamento das obras.
Cruz destaca que o Brasil esportivo ainda não conhece o relatório final dos Jogos Pan Americanos, que ocorreu em 2007, mas em campo tem sucesso na Copa do Mundo. “Isso permite um parâmetro do que ainda está por vir. O Brasil é capaz de receber um megaevento com sucesso, enquanto não é capaz de resolver seus mais graves problemas sociais”, afirma.