sábado, 28 de junho de 2014

"Guerra que redesenhou mapa global completa 100 anos hoje", por Caio Blinder

Veja

O mundo de chuteiras (Primeira Guerra Mundial)

Nas trincheiras belgas, o futebol entre britânicos e alemães na trégua de Natal em 1914
Na frente belga, o futebol entre britânicos e alemães na trégua de Natal em 1914
Claro que o título acima é uma pegadinha no embalo da série “pátrias de chuteiras”, mas o tema ainda envolve venenos nacionalistas e ambições de ser o número 1. A História maiúscula jamais irá premiar o 28 de junho como o dia em que Brasil e Chile jogaram no Mineirão, em Belo Horizonte. Os horizontes históricos são mais amplos e muito feios. Em 28 de junho de 1914 começou a Primeira Guerra Mundial. O estopim foi o tiro disparado em Sarajevo pelo estudante sérvio Gravilo Princip que matou o herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando.
Não vou aqui mergulhar a fundo na história. Em um verbete superficial, a Primeira Guerra Mundial destruiu quatro impérios: 0 Austro-Húngaro, o Otomano, o Russo e o Alemão. O mapa global foi redesenhado pelas potências colonialistas vencedoras (a destacar Grã-Bretanha e França). Do legado da guerra, constam países como Iraque, Síria (que hoje eu chamo de Siraque) e Ucrânia, hoje no centro dos acontecimentos
A guerra também sugou os EUA para o centro do cenário (o país emergiu da guerra como grande potência). Levou também às promessas nazistas de restaurar as glórias imperiais da Alemanha, deflagrou a Revolução Russa e obviamente plantou as sementes da Segunda Guerra Mundial, ainda mais cataclismática do que a primeira. Depois veio a Guerra Fria. Pode-se dizer que aquela guerra iniciada em 28 de junho de 1914 apenas terminou com a queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989. Foi uma longa guerra.
Há uma vasta literatura sobre as origens da Primeira Guerra Mundial e as lições sobre como incidentes (a exemplo do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando) podem causar cataclismas. Em um revisionismo mais recente, temos o livro do historiador australiano da universidade britânica de Cambridge, Christopher Clark, com o argumento que dilui a responsabilidade da belicista Alemanha (aliada do Império Austro-Húngaro) pela escalada. Clark, publicou o livro Os Sonâmbulos, com a ideia de que os impérios de 100 anos atrás não queriam a guerra, mas foram levados para ela como sonâmbulos. Eu reitero que o argumento relativiza a responsabilidade de estados e de líderes.
A historiadora Margaret MacMillan, canadense e de Oxford, adverte contra a tese de “ninguém ou cada um foi culpado”. Nem todos eram sonâmbulos. A Alemanha estava mais desperta (ou mal dormida) para assumir os riscos de uma escalada e em particular sua decisão de invadir a neutra Bélgica em 4 de agosto de 1914 impeliu os britânicos a declararem guerra.
A Europa aprendeu suas lições com as duas guerras mundiais no século XX (viva a União Europeia!) e não é mais o centro do mundo como em 1914 (e, ao que tudo indica, cada vez menos do futebol, na grande guerra da Copa do Mundo). As analogias hoje são feitas entre a Alemanha inquieta em 1914 para ocupar mais espaço estratégico e a China, que deixa assanhados o Japão e países asiáticos (aliados dos EUA, a superpotência cansada de guerra). Temos ainda as anacrônicas ambições imperiais de Vladimir Putin na Eurásia e o caos geopolítico no Oriente Médio.
O cientista político francês Dominique Moisi alerta que não existe um arcabouço de paz tão sólido no mundo de hoje como na União Europeia e fora dela as regras do jogo variam. Portanto, hoje é apropriada a angústia intensificada pela memória de incidentes como o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando. E vivemos em um mundo que carece de lideranças efetivas para lidar com complexos desafios geopolíticos globais. Dá até medo dizer que estamos à mercê de sonâmbulos.
No entanto, não quero assustar ninguém com pesadelos de uma Terceira Guerra Mundial. Acredito no papel da dissuasão nuclear. Ademais, duas hecatombes no século XX dão para o gasto. Vamos ficar tensos neste 28 de junho com guerras mais prosaicas, onde não faltam xingamentos, caneladas e chutes nos adversários, mas não dá mais pensar sequer em mordidas.
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