domingo, 29 de junho de 2014

Picciani:‘Não vai ter negócio de três palanques, não’

Juliana Castro e Maiá Menezes - O Globo

Peemedebista calculou cada passo até levar o PMDB estadual a se rebelar contra Dilma


“Eduardo, tá tranquilo. Diz que a unidade é aqui pelo Rio e pronto. Vamos dobrar a campanha do (Luiz Fernando) Pezão para ganhar", assim o presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, recebeu a ligação do prefeito Eduardo Paes (PMDB), na última quarta-feira, durante o café da manhã em um hotel na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Uma deferência do prefeito, que ajustava com Picciani o tom da entrevista que daria à rádio CBN, em seguida, para justificar a informação publicada pelo GLOBO de que organizaria a base eleitoral da presidente Dilma Rousseff no Rio.

Em troca de mensagens com o ex-governador Sérgio Cabral e com Paes, o peemedebista monitorava passo a passo os desdobramentos da aliança que engendrou com o DEM do ex-prefeito Cesar Maia. E que sacramentou a adesão ao movimento que surgiu como uma dissidência no PMDB, o “Aezão”, de apoio ao candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves. Paes não engoliu o nome de Cesar, seu desafeto e ex-padrinho.

Incluir Cesar Maia na aliança demandou uma longa negociação, que começou com um encontro na casa de Aécio Neves, no Rio, há oito meses. A última resistência a cair foi a de Pezão, que tem relação pessoal com a presidente Dilma. Incumbência dada a Picciani por Cabral.

— Espero que a relação do Pezão com a Dilma não estremeça. É difícil não estremecer. Vai ser natural. Daqui a pouco o jogo vai ser duro. Não vai ter negócio de três palanques, não. Vai ser um único — prevê Picciani.

Pezão já disse que seu palanque vai contar com três candidatos à Presidência: Dilma, Aécio e o Pastor Everaldo (PSC).

Sempre de braços dados com o poder, lançando mão de uma forte — e controvertida — atuação nos bastidores, Picciani começou há um ano e três meses sua engenharia pró-Aécio. Uma operação deflagrada, segundo ele, depois de programa eleitoral do PT que batia severamente no governo Cabral. O presidente do PMDB e ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) diz que sua decisão se alimentava a cada movimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para garantir a reeleição da presidente Dilma, entre eles a aproximação com o ex-governador Anthony Garotinho, candidato ao governo do Rio pelo PR, e a articulação em prol do nome Lindbergh Farias (PT) ao governo. A visão que Picciani tem de Lula, ex-aliado, é de um adversário ferrenho:

— Quem comanda esse movimento é o Lula e os que estão presos. Dentro de um jogo político que ele passou a compreender muito bem, até se transformar talvez no político mais pragmático de todos os tempos. Havia um projeto nacional do PT, que foi se desenvolvendo para perpetuar o partido no poder, tornando o PT quase que um partido totalitário. Isso é perigoso para a democracia — diz Picciani.

Ele afirma que o placar de 41% dos convencionais a favor do rompimento com o PT, na convenção nacional do PMDB, no último dia 10, é sinal de derrota para os petistas. Diz que divergir faz parte do jogo. E conta uma passagem da convenção para ilustrar. Deu um abraço no vice-presidente Michel Temer e disse: “estou aqui para te derrotar".


PESQUISAS, UMA OBSESSÃO

O presidente regional do PT, Washington Quaquá, desqualifica os métodos de Picciani para atrair aliados. Ele sustenta que o presidente do PMDB cresceu em um espaço criado por Cabral:

— O Picciani não tinha poder nenhum. Se o governador (Cabral) não tivesse dado a ele as condições políticas para fazer as operações, ele não tinha feito nada. Ele não tem força nenhuma, não fosse o Cabral dar força para ele. Além disso, eles têm a máquina administrativa, têm dinheiro — acusa.

Formado em contabilidade e estatística, Picciani é obcecado por pesquisas. O sobe e desce eleitoral dos presidenciáveis no estado é acompanhado de forma sistemática por ele, que mostra um e-mail que trocara com Cabral na semana passada. O assunto: “Queda de Dilma”.

O comentário do ex-governador: “Impressionante!”. Outra obsessão do peemedebista, que se tornou um jargão de campanha é a expressão “Homem de palavra”.

— Eu não minto. Eu até omito, se não puder falar — diz.

Acordo feito com ele, afirma, é acordo cumprido. Tinha, em 2010, uma certeza matemática de que venceria as eleições ao Senado. Amargou uma derrota (teve 20,73%) contra Lindbergh e Marcelo Crivella (PRB). E se sentiu traído por aliados que lhe afiançaram apoio. Garante que a mágoa não o move. Mas é lacônico ao falar de Lindbergh Farias, eleito com 66,08% dos votos. Perguntado se tem alguma relação com o ex-aliado responde: “Zero”.

A lealdade que ele alega levar para o dia a dia de suas articulações é a que ele cobra dos aliados:

— Aquela nota do Paes (chamando de bacanal a aliança com o DEM) foi com o intestino. 
Não dá para fazer política com o intestino — disse Picciani, para em seguida dar o recado:

— O Paes não precisa fazer a campanha do Cesar. O que ele precisa é respeitar a aliança. Da mesma forma que a gente respeita ele estar ao lado da Dilma.

No raciocínio de Picciani, o tucano, Pezão e Cesar se alinham no campo que ele qualifica de “formadores de opinião”, com escolaridade alta e bom nível salarial.

— Eu precisava de um movimento oficial, não oficioso. O Aezão era muito legal, muito bacana, reuniu muita gente, mas era oficioso — capitaliza o ex-deputado, afirmando não ter agido “por orientação nem por incentivo” de Cabral, que também se irritou com as críticas do PT:

— Ele tinha ciclos de irritação e voltava ao chão. Ele me pedia para ter calma.

Enquanto tocava as articulações, ele organizava uma festa de casamento para 700 pessoas com Hortencia Oliveira, de 26 anos. Casado por 30 anos, Picciani se separou logo depois da derrota de 2010. Aécio Neves foi o convidado mais assediado do evento, ocorrido no dia 10 de maio.

Na política há 23 dos seus 59 anos, Picciani já teve aliados de variados matizes políticos, mas diz ser até hoje “um brizolista”. Foi um dos fiadores da candidatura de Garotinho ao governo do Rio em 1998.


COM A CANETA, ALIANÇAS

Há trinta anos, é pecuarista. Em 2010, recebeu multa de R$ 1,5 milhão da Receita Federal por sonegação, referentes aos exercícios fiscais de 2000 a 2003. A série “Homens de Bens da Alerj”, publicada em 2004, indicava o crescimento patrimonial de 1.065% dos bens do deputado, que também é ex-fiscal de rendas, em dez anos. Quando os adversários querem atingi-lo, lembram denúncias, já arquivadas, de que havia trabalho escravo em suas fazendas.

“Firme” para uns, “rude”, para outros, Picciani admite que é “duro”, em “alguns momentos”.

— O argumento dele é a expectativa de poder. Ele apresenta o espaço que os partidos podem ocupar — analisa um aliado do peemedebista.

— Ele já tem o xadrez dessa eleição na cabeça. Já está pensando na outra. Ele está sempre na frente, onde a cabeça das pessoas ainda não chegou — diz uma ex-funcionária dele.
É um olho no futuro, e outro cobrando a fatura do passado. Picciani garante que, ao unificar o PMDB, “fez uma diferença na campanha de Eduardo Paes para o segundo turno (em 2012)”.

— Ele (Paes) estava muito assustado quando ganhou a primeira vez, porque fez uma aliança ampla no primeiro turno. Eu disse a ele: eu sou é brizolista. E o Brizola dizia o seguinte: “está com a caneta na mão, faça aliança”. Mas não me venha fazer uma coisa que não queira.

Para o futuro, afirma que “o Eduardo vai compreender que não vai caber um setor só do partido ter 2016 e 2018”. No tabuleiro do futuro, Picciani defenderá o nome do filho, o deputado federal Leonardo Picciani, para a prefeitura. E Paes o de Pedro Paulo, ex-chefe da Casa Civil de seu governo. O prefeito seria o nome para concorrer ao governo em 2018.

Para si mesmo, os cenários também estão traçados. Ainda influente na Alerj, é para a Casa que pretende voltar em 2015. Para o caso de vitória de Pezão, planeja assumir posto-chave no governo. Caso o governador perca, o presidente do PMDB já trabalha com a possibilidade de retornar à Presidência. Desta vez, como oposição.