A presidente Dilma Rousseff parece ter-se inspirado em filmes-catástrofe para governar. Se esse for mesmo o caso, ainda há esperança: aqueles filmes terminam bem, ou pelo menos tão bem quanto possível depois de muita devastação. Mas essa, por enquanto, é só uma hipótese otimista, rejeitada por economistas do Banco Central (BC) e desmentida, até agora, pelas principais fontes oficiais de informação. As novas projeções do BC apontam inflação maior e crescimento econômico menor que os previstos em março no relatório trimestral de inflação.
O desastre fiscal de maio - um rombo de R$ 10,5 bilhões nas contas primárias do governo central - confirmou a piora geral do quadro econômico. Foi o pior resultado das contas públicas neste ano, mas perfeitamente compatível com a evolução das finanças federais. De janeiro a maio, a receita líquida do governo central, R$ 412,74 bilhões, foi 6,5% maior que a de um ano antes, mas a despesa, R$ 393,58 bilhões, ficou 11,1% acima da contabilizada nos primeiros cinco meses de 2013.
Como consequência, o superávit primário, destinado ao pagamento de juros, ficou em R$ 19,16 bilhões, 42,4% abaixo do valor do mesmo período do ano anterior. Esse resultado foi equivalente a apenas 0,91% do produto interno bruto (PIB). Parece muito difícil, nesta altura, a meta fixada para o ano, um resultado primário correspondente a 1,9% do PIB. Mas a mera será alcançada, prometeu na sexta-feira o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ele se dispensou de dizer como esse alvo será atingido. Mas a experiência indica uma resposta muito provável: como fez em anos anteriores e nos primeiros meses deste ano, o governo federal poderá recorrer a arranjos contábeis para fechar o balanço das contas públicas.
Neste ano, até maio, a receita foi reforçada com R$ 9,01 bilhões de dividendos. Esse valor é 230,9% maior que o registrado pelo Tesouro nos mesmos meses do ano passado. Mas o arsenal de truques do governo é mais variado e o volume de receitas especiais poderá ser ampliado até o fim do ano. Mais R$ 2 bilhões já foram garantidos, há poucos dias, por meio de acordo com a Petrobrás. A empresa receberá quatro áreas do pré-sal, sem licitação, e em troca pagará ao Tesouro R$ 2 bilhões neste ano e mais R$ 13 bilhões entre 2015 e 2018.
A concessão aumenta o volume de reservas da Petrobrás e torna a exploração economicamente menos arriscada, mas impõe uma nova sangria à caixa da empresa. Os benefícios poderão surgir dentro de alguns anos, mas o sacrifício financeiro será imediato e tornará obrigatório um ajuste nos planos da companhia.
A presidente da estatal, Graça Foster, classificou o contrato como vantajoso, mas voltou a reclamar aumento de preços para a empresa cumprir a sua parte. O governo confirma, com a imposição desse contrato, a decisão de continuar usando as estatais para resolver os problemas do Tesouro, assim como vinha usando, por meio do controle de preços, para administrar os índices de inflação. Anunciada a manobra, as ações da Petrobrás caíram.
A evidente piora das finanças públicas desmente aposta mais otimista dos dirigentes e economistas do BC - a evolução das contas fiscais para uma posição de "neutralidade", isto é, sem novos efeitos inflacionários. As contas do governo refletem ao mesmo tempo a má situação dos negócios e a causa principal da estagnação da indústria - a condução inepta da política econômica. As desonerações tributárias e os favores financeiros concedidos a alguns setores - e até mesmo a algumas empresas selecionadas - produziram quase nenhum benefício ao conjunto da economia.
Estímulos bem concebidos teriam resultado em aumento da produção e em mais investimentos. Esse efeito acabaria revertendo em maior recolhimento de impostos e contribuições. Nada disso ocorreu e nada, por enquanto, indica resultados melhores em prazo razoável. Mas o governo tornou-se, de certa forma, prisioneiro dos próprios erros. Já se falava, no fim da semana, em renovação de incentivos à indústria automobilística. Mas, segundo o secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Teixeira Nunes, a arrecadação projetada para os segundo semestre inclui a recomposição da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pago pelo setor automobilístico. Mesmo com esse pressuposto, ele reduziu de 3% para 2% o aumento real da receita neste ano.
O novo Relatório de Inflação do BC, um amplo balanço trimestral das condições internas e externas da economia, resume e articula os sinais mais importantes de agravamento da crise brasileira. A projeção central de crescimento econômico neste ano foi reduzida de 2% para 1,6%, mais próxima da estimativa do mercado.
No cenário básico, a inflação acumulada em 12 meses chegará a 6,4% no fim deste ano, a 5,7% em dezembro de 2015 e a 5,1% no período até o segundo trimestre de 2016. Em dois anos, isto é, dentro do horizonte de projeção do BC a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), continuará, portanto, bem acima da meta, 4,5%.
O Conselho Monetário Nacional, formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC, decidiu oficialmente, nesta semana, manter esse alvo até 2016, com a margem de tolerância de dois pontos para cima ou para baixo. A meta fixada no Brasil continuará, portanto, bem acima da adotada na maior parte dos países emergentes e dos desenvolvidos.
Mas qual será a meta efetiva? Nos últimos anos, o governo tem-se contentado com números próximos de 6%. Se houver um esforço real para alcançar a meta, já haverá um progresso. A meta, simplesmente. "Centro da meta" é mistificação ou bobagem. O resto é margem de tolerância, reservada, como em outros países, para desastres. No Brasil, o fator realmente desastroso, há muitos anos, tem sido a política econômica.