domingo, 29 de junho de 2014

Aécio cumpre o ritual 'nordestino-gastronômico', por Josias de Souza

Blog do Josias 


Uma das graças das campanhas eleitorais é acompanhar as aventuras gastronômicas e as adaptações no figurino dos candidatos. As melhores cenas virão depois da Copa. Mas Aécio Neves ofereceu na noite de sexta-feira uma ideia do que está por vir. Ele foi a duas das mais tradicionais festas de São João do Nordeste, nas cidades de Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco.


Ciceroneado por correligionários locais, o presidenciável tucano entregou-se a um ritual que já se tornou clássico. Mantendo a tradição inaugurada no PSDB por Fernando Henrique Cardoso, Aécio enfiou no cocuruto um chapéu de couro típico dos vaqueiros sertanejos. E, ao lado do senador Cássio Cunha Lima, seu candidato ao governo da Paraíba, deglutiu briosamente uma especialidade da culinária nordestina: a carne de sol.
Aécio não chegou a igualar FHC. Mas, até outubro, terá quatro meses para continuar tentando. Na sua primeira cruzada presidencial, no ano de 1994, sob patrulhamento dos aliados do pefelê (atual DEM), FHC protagonizou o célebre episódio da buchada de bode. Foi submetido à iguaria no distrito de Pau Ferro, município pernambucano de Petrolina. Digeriu-a com destemor.
Depois, questionado por repórteres sobre os novos hábitos, FHC reagiu como se as tripas de bode o acompanhassem desde a mamadeira: “Eu gosto muito de buchada. É uma delícia.” Tentou construir um elo entre o mundo do PFL e o seu. Disse que, em Paris, a buchada é um prato chique. Referia-se, conforme esclareceria mais tarde, a uma receita chamada ‘tripe à la mode de Caen’, igualmente feita à base de tripas.
Noutra incursão pelo Nordeste, dessa vez na cidade alagoana de Delmiro Gouveia, FHC permitiu-se escalar uma montaria com a cabeça adornada pelo chapéu de vaqueiro. “Era um cavalo”, apressou-se em esclarecer o então candidato, depois que o noticiário informara que ele se exibira no dorso de um jegue. FHC prevaleceria sobre Lula um par de vezes, no primeiro turno. Mas alcançou o feito porque cavalgava o Plano Real, não um quadrúpede.
Desde então, o Nordeste converteu-se numa espécie de Waterloo do tucanato. Os grotões que antes eram dominados pelo ex-PFL foram gradativamente conquistados pelo PT. A legenda avançou sobre o voto do nordestino pobre junto com a progressão do Bolsa Família. Consolidou o território grudando no PSDB a pecha de legenda demofóbica.
José Serra e Geraldo Alckmin, os tucanos que disputaram a Presidência antes de Aécio, também se renderam ao binômio chapéu de couro-comida típica. Mas isso não impediu que fossem surrados nas urnas do Nordeste. Em privado, Aécio diz não ter a pretensão de bater Dilma Rousseff nos Estados nordetinos. Mas avalia que o desempenho da antagonista do PT será menos exuberante na região.
Primeiro porque o ex-governador pernambucano Eduardo Campos, presidenciável do PSB, roubará de Dilma votos que hoje lhe são cativos no Nordeste. Segundo porque a popularidade da presidente petista sofre uma erosão também nesse pedaço do mapa do Brasil.
De acordo com o último Datafolha, divulgado em 6 de junho, a queda de Dilma de fato foi mais acentuada nas regiões Norte —de 53% para 44%— e Nordeste —de 54% para 48%. Nessa sondagem, Aécio amealhou 11% no Nordeste. Estava tecnicamente empatado com Campos, que colecionou 10% das intenções de voto.
Aécio imagina que, escorado em resultados mais vistosos que espera obter noutras regiões, especialmente no Sudeste e no Sul, chegará ao segundo turno. Entrega-se à inescapável tática eleitoral de tentar aproximar do gosto popular sua refinada figura e seu estômago exigente para preservar espaços já conquistados e, com sorte, beliscar parte dos votos que saltam do cesto de Dilma no Nordeste.
O tucanato só precisa cuidar para que Aécio não repita um vexame vivido pelo ex-presidente americano Gerald Ford. Numa de suas viagens ao Texas, Ford resolveu fazer média com a população local, provando um bolinho de origem mexicana chamado tamal. É feito de carne e milho e servido enrolado em palha de milho. Ford mordeu o bolo sem remover a palha. Algo que equivale a dar uma dentada numa pamonha com casca e tudo. Melhor não ultrapassar os limites da buchada de bode.