"Novo olhar americano", por Rubens Barbosa
- Era da Doutrina Monroe acabou
O presidente James Monroe, nos idos de 1823, anunciou que os EUA iriam proteger os países sul-americanos de ameaças de colonização vindas de países europeus: “A América para os americanos.”
Posteriormente, em 1904, Theodore Roosevelt ampliou essa política para incluir a defesa de direitos de empresas americanas na América Latina. Essas ações ficaram conhecidas como a Doutrina Monroe e seu corolário.
Em nome da doutrina, instalou-se um verdadeiro protetorado dos EUA sobre o hemisfério. A partir dessa política, os EUA, na medida em que seu poder aumentava, assumiram o papel de polícia da região e posteriormente do mundo. Novos ventos soprando no mundo, no entanto, fizeram com que a sociedade americana passasse a rejeitar a ação externa de polícia exercida até os nossos dias, e como ainda vemos no Iraque e no Afeganistão.
Como desdobramento desse sentimento isolacionista, em recente pronunciamento feito na sede da OEA, John Kerry, atual secretário de Estado, afirmou que a era da Doutrina Monroe tinha chegado ao fim. As transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas nas Américas do Sul e Central, combinadas com a inexistência de uma política externa dos EUA para a região, explicam o fim da Doutrina Monroe. Por isso, ninguém notou o fato (nem nos EUA nem no Hemisfério ) e seu desaparecimento em nada afeta a região.
Mesmo sem ter relevância política, o anúncio deveria servir como primeiro passo para uma revisão de fundo da política externa de Washington para a região. Poderiam ser mencionadas, dentre outras atitudes passíveis de reavaliação, as relações com Cuba, com o Brasil e o fim do conceito de Hemisfério Ocidental e de América Latina.
Desde os anos 60, a política externa dos EUA, refém da minoria cubana, sobretudo na Flórida, não consegue terminar com o embargo comercial contra Cuba, nem devolver a ela a base de Guantánamo. Se os EUA iniciaram o processo de revisão da política de sanções contra o Irã, não há mais razão para manter o embargo econômico, apesar da declinante expressão política atual dos cubanos em Miami.
Quanto ao Brasil, as relações nunca estiveram em um nível político-diplomático tão baixo e desgastado. No contexto dessa revisão de política, os EUA têm de fazer um gesto em relação ao Brasil para superar essas dificuldades. Diferenciar o Brasil, colocando-o no mesmo nível de parceiros como a Turquia, a Índia e a Coreia, poderia ser uma saída honrosa para todos.
Finalmente, no Departamento de Estado impõe-se uma mudança estrutural no tratamento dos países do continente. Os conceitos de Hemisfério Ocidental e de América Latina não mais fazem sentido nem econômico nem político. O que existe são a América do Norte, a Central e a do Sul.
Os EUA, que há quase 200 anos decidiram unilateralmente estabelecer a Doutrina Monroe, agora a eliminam, sempre segundo seus interesses. Cabe igualmente aos países latino-americanos definir suas relações com a única superpotência global, de acordo com seus próprios interesses políticos e econômico-comerciais.