Blog Ricardo Setti - Veja
Em frente ao palácio do governo, em Lima, manifestantes comemoram decisão da Corte Internacional de Justiça favorecendo o Peru em disputa de limites marítimos com o Chile (Foto: Enrique Castro-Mendivil / Reuters)
Publicado no site de VEJA
CORTE INTERNACIONAL TRAÇA NOVA FRONTEIRA MARÍTIMA ENTRE PERU E CHILE
Países travavam batalha na justiça internacional desde 2008, mas rivalidade remonta à conflito do século XIX
Uma disputa que se arrastava há décadas foi decidida nesta segunda-feira pela Corte Internacional de Justiça, que traçou uma nova fronteira marítima entre o Peru e o Chile. O tribunal de Haia, que é subordinado à ONU, concedeu ao Peru parte da disputada região do Oceano Pacífico, mas deixou com o Chile a rica região pesqueira da costa.
As decisões da Corte são inapeláveis e o cumprimento é obrigatório. Os governos dos dois países já haviam afirmado que acatariam a decisão.
A disputada região de fronteira marítima abrangia uma área de 38.000 quilômetros quadrados de oceano em uma faixa que se estende até o limite da plataforma continental de cada um dos países. A pesca anual nessa área é calculada em 200 milhões de dólares pela indústria pesqueira peruana.
A maior parte desse pescado é uma espécie de anchova utilizada na fabricação de farinha de peixe usada como fertilizante e como alimento animal. Peru e Chile, nesta ordem, são os maiores exportadores mundiais de farinha de peixe.
Sendo assim, os pescadores da localidade chilena de Arica e de Tacna, no Peru – que ficam na costa do Pacífico – aguardavam com ansiedade a decisão dos magistrados.
Além da questão econômica, o que estava em jogo para muitos era o orgulho nacional, com base na rivalidade chileno-peruana que remonta à Guerra do Pacífico (1879-1883), perdida por Lima e por sua aliada, a Bolívia.
Como resultado, o Peru perdeu dois territórios e a Bolívia ficou sem saída para o mar – e agora também reclama na Corte Internacional.
Segundo o jornal espanhol El País, a decisão anunciada nesta segunda-feira será seguida de um complicado período de modificação de mapas náuticos e mudanças legislativas, o que deve reafirmar o trabalho da Aliança do Pacífico, acordo que une Peru, Chile, Colômbia e México em prol do desenvolvimento dos países.
Para o diretor da Sociedade Peruana de Pesca, no entanto, a briga judicial não terá impacto na relação entre os dois países. “A decisão será mera piada na história das relações entre Peru e Chile”, disse Humberto Speziani à Bloomberg. “Tem havido muito investimento do Peru no Chile e vice-versa. A disputa marítima é apenas um obstáculo no caminho da real integração”.
O comércio bilateral entre os dois países triplicou desde 2004 para cerca de 3,1 bilhões de dólares, informou a agência, citando um acordo de livre-comércio assinado em 2006 como grande incentivador deste aumento.
O acordo passou a vigorar em março de 2009 e, dois anos depois, o governo dos dois países uniram-se a Colômbia e México para reduzir barreiras ao comércio e aos investimentos. Além disso, mais de 180 000 peruanos moram no Chile e o Peru é o principal destino turístico dos chilenos.
Um artigo publicado pelo jornal Financial Times destaca que, “apesar de sorrisos presunçosos e ranger de dentes em alguns cantos dos dois países”, o que parece um caso de soberania que divide Lima e Santiago na verdade deve reforçar o compromisso dos dois lados em “continuar sendo bons vizinhos”. “De fato, a decisão faz pouco mais do que reforçar a posição que os dois governos têm adotado há algum tempo: vamos apertar as mãos e seguir em frente”, diz o texto.
Reações
O presidente chileno, Sebastián Piñera, que cumpre os últimos dias de seu mandato, destacou que o Chile “diverge profundamente”, mas “cumprirá e exigirá o cumprimento” da decisão de Haia. “Dada à natureza e ao conteúdo dessa decisão, a sua implementação deverá ser gradual e requererá acordos de todas as partes. Tomaremos todas as ações e medidas necessárias para resguardar e proteger os legítimos direitos de nosso país”, afirmou, segundo declarações divulgadas pela imprensa do país.
Piñera também assinalou como ponto positivo o fato de o Chile não ter sofrido baixas econômicas significativas. “O Chile conserva quase a totalidade de seus direitos de pesca e os direitos de nossos pescadores artesanais”.
A decisão ocorre no período de transição entre o governo de Piñera e o de Michelle Bachelet, que assumirá a Presidência em março. Ela comentou a decisão, que considerou “uma perda dolorosa” para o Chile, mas destacou que o momento é de “união e serenidade”.
Chilenos mostram cartaz com mensagem de conciliação com o Peru: “A Haia não deve separar os povos irmãos”
Peru
A disputa chegou ao tribunal em 2008, quando o Peru apresentou o caso, sustentando que a divisão o território marítimo estabelecida nos tratados de 1952 e 1954 não estava acordada formalmente e consistiam apenas em declarações políticas destinadas a regular a pesca artesanal. O Chile, no entanto, defendia que os acordos estavam em vigência desde a época de sua assinatura.
O presidente do Peru, Ollanta Humala, afirmou em pronunciamento que o país está “satisfeito” com a decisão. “Com a resolução desta controvérsia, a corte contribuiu para a afirmação do direito”, destacou. “Hoje recebemos uma notícia que muda a história do Peru, porque incorpora ao mapa nacional e aos nossos direitos soberanos aproximadamente 50.000 quilômetros quadrados dentro do mar de Grau”, acrescentou, referindo-se ao domínio marítimo do Peru no Pacífico.
O presidente também parabenizou o “trabalho da equipe jurídica e diplomática que defendeu os interesses nacionais com dedicação e patriotismo.”