Uma vez por ano, a cidade de Davos — resort de esqui de endinheirados nos Alpes suíços — se transforma numa espécie de meca da comunidade financeira internacional, para onde segue, em uma romaria ensaiada, o seleto clube dos donos do mundo. Durante uma semana, esse ponto minúsculo do mapa, cercado de neve e estações de esqui por todos os lados, fica quase irreconhecível. Automóveis de luxo, a maioria de cor negra, dividem as ruelas escorregadias cobertas de gelo com executivos bem vestidos de várias nacionalidades atrás de novos negócios e com turistas de inverno carregando equipamentos de esqui. Todos organizados sob o comando de controladores de trânsito convocados especialmente para impor uma ordem suíça ao tráfego. Também vem, de todo o país, um grande contingente de homens armados para garantir a segurança.
Nesse retiro na Montanha Mágica — título do romance clássico do escritor alemão Thomas Mann, cuja trama acontece no mesmo local —, tudo deve funcionar como um relógio para garantir a segurança dos líderes da política e da economia globais que se imbuíram da missão de buscar as soluções para as agruras do mundo contemporâneo e garantir que os balanços de suas empresas lhes assegurem presença perene na lista dos frequentadores do Fórum Econômico Mundial (FEM).
Fundado nos idos de 1971 pelo economista e engenheiro alemão Klaus Schwab, hoje uma espécie de guru da globalização, o fórum se tornou um apoio importante ao sistema financeiro global concebido depois da Segunda Guerra Mundial. A 49ª edição do evento deixou de contar com a presença de líderes de grandes economias, como Estados Unidos, França e Reino Unido. Não por discordarem dos objetivos do fórum, mas na tentativa desesperada de arrumar as próprias casas. Eles e seus pares de outras nações do mundo se veem diante da perda de confiança do cidadão comum, que já não se sente contemplado pela atual configuração do sistema econômico e se queixa das desigualdades. O patrimônio das 26 pessoas mais ricas do mundo equivale hoje à mesma riqueza dos 3,8 bilhões mais pobres, que somam 50% da humanidade, segundo dados revelados pouco antes do fórum pela organização não governamental Oxfam.
Quase todas as pesquisas apresentadas em Davos com os termômetros que medem o humor de mercados e investidores mostram uma comunidade financeira internacional apreensiva, que enxerga no horizonte uma série de riscos capazes de derrubar as projeções de crescimento econômico e o desempenho empresarial — alguns já falam em recessão. Entre as principais ameaças está o crescimento do populismo mundo afora. O tema também foi apontado pelo vice-presidente da China, Wang Qishan, como uma das preocupações de seu país. “Barreiras ao comércio internacional e aos investimentos estão aumentando, e o unilateralismo, protecionismo e populismo estão se espalhando pelo mundo”, afirmou Qishan. “Tudo isso tem criado sérios desafios para a ordem internacional. Será que a globalização vai seguir adiante ou retroceder?”
Foi nesse contexto que ocorreu a estreia do presidente Jair Bolsonaro, presença que ganhou força pela ausência de outros líderes de países importantes, como Donald Trump. Com apenas seis minutos de duração, o discurso do brasileiro foi classificado como pragmático. Antes e depois de sua fala, o presidente lançou mensagens a seus simpatizantes brasileiros, muitos dos quais certamente gostaram de vê-lo almoçando no restaurante do supermercado nas imediações do fórum. “Bolsonaro é a face do populismo em Davos”, disse o jornal The New York Times. Na quarta-feira, duas brasileiras esperavam pelo presidente na saída do Kongress, o centro de convenções do fórum, carregando a bandeira do Brasil.
O dinheiro que circula em Davos é tanto que os donos de algumas lojas e restaurantes se dispõem a esvaziar os espaços que ocupam só para alugá-los para as grandes corporações. Foi o caso da Schuler Bücher, a maior livraria da cidade, que só voltará a operar na semana que vem, e da Freie Evangelische Gemeinde, igreja evangélica, que suspendeu a comunhão e parte das operações em troca de um polpudo aluguel. “A cidade não é assim. Perde o charme. É impossível circular porque há várias ruas fechadas para o evento. Não consigo comprar um livro. A boa notícia é que, com o valor dos aluguéis, muita gente garante o pagamento de suas despesas do ano. Cuidado, boa parte do que você está vendo não é de verdade”, contou a jovem Anna, que trabalha em uma delicatéssen no centro da cidade.

Por toda parte, há paredes e estruturas inteiras de mentira, todas temporárias. Por trás de banners e logotipos com design moderno das grandes empresas, muitas vezes há o velho nome original do estabelecimento. Davos recebe € 44 milhões em investimentos apenas nestes dias. As lojas e os cafés remanescentes aproveitam o fluxo de quase 4 mil pessoas que se somam à população original de 11 mil. No café do fórum, um grupo de portugueses do Algarve conta que vem a Davos atrás de boas oportunidades de trabalho nesta época do ano. O motorista de uma das vans do evento é um estudante de política econômica internacional em uma universidade de Berna. Ele quer saber o que pensa o novo presidente brasileiro e seus eleitores.
É uma longa história. Mas especialistas do fórum dirão que o que aconteceu no Brasil se repete em várias partes do mundo. Por mais que o discurso de direita de Bolsonaro agrade aos mercados com a agenda econômica liberal, para o pesquisador Aengus Collins, um dos responsáveis pelo relatório Riscos 2019, feito pelo fórum, existe uma tensão entre as agendas regionais, nacionais e globais. E é aí que está o grande fator de risco. A falta de equilíbrio entre os discursos nessas esferas pode provocar a insatisfação do cidadão que não sente suas demandas nacionais atendidas pelas questões globais, o que pode criar tensões sociais que impactam não só a economia nacional, como a global. “É difícil saber como buscar esse equilíbrio. Mas ele é necessário. É preciso atender aos anseios do cidadão”, disse Collins.
O seleto grupo que frequenta o fórum sabe que o discurso populista tem conquistado corações e mentes por oferecer ao cidadão comum o que o oráculo da montanha ainda não conseguiu: a possibilidade de ser ouvido. Os 350 painéis organizados pelo fórum, fora as centenas de reuniões paralelas, mostram que é preciso trazer amparo a esse cidadão, sob pena de perderem o controle sobre o funcionamento do sistema que os mantém no poder. Sabem também que não adianta pregar o combate à mudança do clima enquanto mais de 1.500 jatinhos particulares e voos de helicóptero reduzem as distâncias do mundo real ao topo da montanha. Davos está a duas horas e meia de carro de Zurique.
Um jornalista da revista Foreign Policy escreveu nesta semana sobre o paradoxo “davosiano”. Os participantes do fórum que pedem solução para os problemas do capitalismo global são geralmente — pelo menos para seus críticos — os mesmos que representam os problemas do capitalismo global.
Em tempo: alguém ainda lembra de Luiz Inácio Lula da Silva, exaltado como liderança em Davos? Pois é, o petista está no xilindró. É o mais reluzente dos ladrões da Lava Jato. Chefia a maior organização criminosa jamais existente na face da terra.
Lula diz, e os seus quadrilheiros repetem, que é a alma mais pura da face da terra.
Com informações de Vivian Oswald, de Davos, Epoca/Globo