Ainda não era setembro e já se comentava sobre o Oscar e o fascinante desempenho de Glenn Close em The Wife (A Esposa), que estreia no Brasil na quinta, 10. Adaptado por Jane Anderson (de Olive Kitteridge) do romance de Meg Wolitzer, publicado em 2003, e dirigido pelo sueco Bjorn Runge, o filme trata da relação entre Joe Castleman (Jonathan Pryce), um escritor conhecidamente mulherengo e sua esposa compreensiva, mas reservada, Joan, papel interpretado por Glenn Close cuja atuação foi descrita pelo Guardian como “extraordinariamente brilhante”.
Este será o ano da atriz de 71 anos indicada seis vezes para o Oscar, mas que nunca levou o prêmio? “Sou uma ianque”, disse Glenn, que nasceu em Connecticut. “Não acredito em alguma coisa antes de ela acontecer.”
O filme começa quando Joe recebe a notícia de que foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. O casal parte para Estocolmo, junto com seu filho adulto (Max Irons) também escritor e que luta para sair da sombra do pai, e o biógrafo não autorizado de Joe (Christian Slater), um detetive literário que espera desenterrar fatos negativos sobre o seu esquivo biografado. Antes de a história chegar ao fim, esqueletos há muito tempo enterrados serão exumados e clichês destruídos.
Glenn Close, que divide o tempo entre seu lar em Westchester County, Nova York, um pequeno apartamento em West Village e uma casa em Bozeman, Montana, ao lado de seus quatro irmãos, estava em Nova York com Runge para falar sobre os temas complexos e provocativos de The Wife.
Na era do movimento #MeToo e uma consciência cada vez maior da desigualdade de gênero em Hollywood, como esse filme aborda o atual momento cultural?
Glenn Close: Pode estar um pouco fora da discussão, mas uma das minhas frases favoritas no filme é quando Joe, preparando-se para seu discurso de aceitação do Nobel, me diz: “Tenho de lhe agradecer. Do contrário acho que eu seria um imbecil narcisista”. E eu respondo: “Mas você é”. Adoro essa frase. Ela responde ao momento em que vivemos. Minha filha (Annie Starke), que tem 30 anos, representa uma geração de mulheres que cresceram após a eclosão do movimento feminista, com a noção de que as mulheres devem ser iguais, que não têm de lutar por esse poder. Joan é uma mulher que vive com um homem abusivo. Estava receosa de que todas as jovens que assistissem ao filme diriam “deixe-o”, que não fossem capazes de compreender a mentalidade, ou a cultura, que moldou o comportamento de Joan. Foi nesse aspecto que Bjorn e eu mais trabalhamos. Eu tinha de entender essa mentalidade para interpretá-la.
O porquê de as mulheres permanecerem ao lado de homens abusivos – seja abuso físico ou psicológico – não é apenas um problema geracional.
Glenn: Certo. O que foi importante para mim, à luz do movimento #MeToo, é que, no final do filme, Joan cria coragem. Sua raiva finalmente chega a um ponto em que ela desperta como uma pessoa plena. Antes disso, ela é cúmplice. Mas eu própria vivi esse tipo de situação. Tive relações em que você deseja encorajar o outro e arcar com as consequências para mantê-lo com você. Você ganha de um lado e perde do outro.
Falando de poder e impotência, compreendo que Glenn tenha tido a palavra final na contratação do diretor do filme. Como isso funcionou?
Bjorn Runge: Sim, recebi o roteiro de um dos produtores, Mea Louse Foldager, com quem havia trabalhado. Li e achei absolutamente maravilhoso. Eles queriam que eu o dirigisse. “Mas agora cabe a Glenn Close dizer sim ou não à nossa escolha”, disseram.
Não é um poder inusitado para uma mulher em Hollywood?
Glenn: Eu não sei. No mundo do cinema independente, não acho que seja algo inusitado porque muitas vezes eles confiam o filme inteiro a um ator e esperam que outras pessoas venham se juntar, porque desejam trabalhar com ele. Fiz muitos filmes independentes. Minha definição de filme independente é de um que por pouco não é produzido. Esse roteiro estava aí havia mais de 14 anos. Portanto, nosso encontro foi importante. Nós nos reunimos no Café Cluny, perto do meu apartamento no Village, e lá conversamos.
Runge: Sim, conversamos.
Você disse alguma coisa especial para convencê-la?
Runge: Fiquei muito surpreso porque além de falarmos sobre o roteiro conversamos sobre a vida, teatro e cinema. De repente, ela me olhou fixamente e disse: “Quero que você dirija esse filme”. E iniciamos nossa colaboração.
Glenn: Foi uma reação instantânea, quase instintiva. Foi principalmente a maneira como conversamos a respeito e a química que ocorreu.
O tipo de colaboração e a cumplicidade são temas do filme. A suspensão do Prêmio Nobel de Literatura em 2018 após acusações de abuso sexual veio adicionar uma mensagem subentendida e inesperada ao filme?
Runge: Na Suécia, temos um nome para um tipo especial de homens fanfarrões: “Culture Man”. Com frequência é um homem de grande poder que atrai as pessoas e que usa esse poder. A Academia Sueca vive uma grave crise e não outorgou nenhum prêmio para a literatura em 2018, a primeira vez desde a 2.ª Guerra.
Glenn: O fato vem acrescentar um caráter bastante oportuno ao filme.
Runge: Essa crise de poder no âmbito da academia tem a ver com acesso, com o #MeToo, com o poder entre pessoas.
Glenn: Poder sexual.
Runge: ... e a cultura do silêncio. O fato acrescentou muitos ingredientes à nossa história, é quase shakespeariano. Joe Castleman, que tenta se insinuar para a jovem e bela fotógrafa é um Culture Man clássico.
Quando pedem a Joe que faça uma crítica da trama do primeiro conto escrito por seu filho, ele faz uma avaliação dura com uma crítica implícita da trama do filme: “O marido fanfarrão e a esposa estoica com sua raiva reprimida não me convencem. É um clichê”. E embora essa descrição resuma A Esposa, o filme evita os clichês. Como ator e como diretor, isso não tornou as coisas muitos mais difíceis?
Glenn: Sim. A cena de Joe tendo um ataque cardíaco foi uma das mais difíceis porque ele me pergunta: “Você me ama?” logo depois de eu lhe dizer que vou abandoná-lo. Lembro-me de ter feito uma pausa e dizer a Bjorn: “Ele realmente tem de dizer isso?”.
Runge: E então, depois de ela dizer sim Joe responde: “Você é uma grande mentirosa. Como eu saberia?”
Glenn: Eles mentiram um para o outro a vida inteira.
Joan também mente descaradamente na sua cena com Christian Slater, em que o personagem tenta se esquivar de lhe dar informações sobre Joe. Ver os dois nesse jogo de gato e rato me lembra uma frase em uma crítica que li sobre o seu desempenho na série Damages do FX: “Nenhum ator vivo ou morto é tão assustador quanto uma Glenn Close sorridente”.
Glenn: Adoro aquela cena porque era inteiramente um jogo psicológico.
Você disse uma vez que sempre se sente como um estranho olhando para dentro. O que quis dizer com isso?
Glenn: Certamente não me sinto atraída para a vida social. Não perco tempo me preocupando com minha carreira em Hollywood. Talvez seja porque nunca passei um tempo ali. Sempre fui uma pessoa que reflete muito. Atuar, para mim, é pensar. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Michael O’Sullivan, The Washington Post