Voz ressonante da esquerda italiana, o filósofo político e ex-prefeito de Veneza Massimo Cacciari vê na campanha que antecedeu as eleições legislativas deste domingo um processo de fragmentação política entre os partidos. Para o autor de "Ocidente sem utopias" e "O poder que freia", da editora Âyiné, nenhuma coalizão terá autenticidade para expressar autênticas estratégias de governo. Enquanto isso, a dissolvida base da esquerda europeia, argumenta ele, terá um longo e complexo caminho pela frente para se refazer frente ao avanço da direita e do populismo pelo Velho Continente. Leia a entrevista concedida pelo acadêmico ao GLOBO.
A disputa eleitoral italiana deste ano parece muito dividida, enquanto várias forças buscam agressivamente a liderança no governo. Como o senhor avalia a polarização nesta campanha?
Está em curso um processo de fragmentação, e não de polarização. As coalizões que se apresentam não têm outro sentido que não o eleitoral. Nada realmente une as forças que as constituem. Nenhuma coalizão conseguirá, portanto, expressar uma autêntica estratégia de governo.
Por que a esquerda se vê em decadência na Europa?
As razões da crise das forças de esquerda na Europa são essencialmente de ordem histórica e social abrangente. Dissolveu-se a sua base social e de classe; a revolução tecnológica modificou radicalmente formas e organizações do trabalho; e os processos de globalização revolucionaram as relações de poder nos Estados europeus. A esquerda tradicional não compreendeu nem conseguiu representar esta mudança, ficando em posições de mera defesa do antigo paradigma social-democrático, baseado num papel de intervenção estatal já impraticável. A refundação de uma nova esquerda será longa e complexa — e talvez seja impossível.
O ex-premier Matteo Renzi foi derrotado no referendo constitucional de 2016, numa mensagem de desaprovação das urnas que forçou a sua renúncia. O Partido Democrático (PD) foi inteligente ao escolhê-lo para liderar a campanha?
Renzi não tem alternativas — sua liderança eliminou todas as figuras que poderiam competir com ele. Agora, o PD é uma comissão eleitoral em torno dele. Após as eleições, talvez as coisas mudem.
O sistema político na Itália é instável, e os governos caem com relativa facilidade. Há solução?
Todos falam da instabilidade política italiana... mas é verdade? As forças de centro-esquerda têm oscilado entre 30 e 35% por décadas, assim como a centro-direita. A novidade são os grillini (aliados de Beppe Grillo, do Movimento Cinco Estrelas, M5S), mas seu destino é realmente durar? Ou formar uma força de governo? Por duas décadas, o jogo era entre uma pseudocoalizão berlusconiana e uma pseudocoalizão Ulivo (antiga formação de centro-esquerda), ao redor do (ex-premier Romano) Prodi. Não é a instabilidade o mal italiano, mas a incapacidade de governar com eficácia (também por culpa dos sistemas eleitorais).
O discurso radical ultranacionalista e os movimentos de orientação fascista ganham terreno na Itália, seguindo o percurso que observamos em várias nações europeias. O que alimenta este crescimento?
Não existe nenhum perigo fascista. Existe uma tendência geral na Europa de retorno (impossível) a formas de plena soberania nacional, que se deve essencialmente à incapacidade demonstrada pela Comunidade Europeia de afrontar o problema atual da imigração de países do outro lado do Mediterrâneo e da África. A crise econômica, ainda, foi afrontada da pior maneira possível: com políticas que humilharam alguns países, como a Grécia, e de míope austeridade, agravando os problemas ocupacionais, especialmente para os mais jovens. Se a Alemanha e a França, os dois países líderes, não mudarem de estratégia, a União Europeia entrará numa crise irreversível — e é nisso que as forças de direita se concentram.
Esta disputa parece dominada pelo confronto público entre três homens-fortes: Matteo Renzi, Silvio Berlusconi e Luigi Di Maio. A campanha está mais espetacularizada do que outras?
Renzi não será o novo premier, nem Berlusconi. O único poderia ser Di Maio; nem mesmo ele que, no fundo, representa Grillo. Se ele retirasse o seu apoio, o movimento naufragaria em um mês.
