O adiamento da sessão de julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último dia 22 de março deu ares de ópera bufa ao Supremo Tribunal Federal. Depois de uma discussão preliminar para decidir se analisariam ou não o pedido, os ministros adiaram o julgamento da questão central: se o petista pode ou não recorrer em liberdade contra a condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá. , um dos processos decorrentes da Operação Lava Jato.
Devido ao adiantado da hora, os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello disseram que não poderiam seguir na sessão por motivos pessoais. Criminalista tarimbado, o advogado José Roberto Batochio, que defende Lula, argumentou, então, que seu cliente não poderia ser prejudicado com a falta de decisão de suas excelências e pediu uma liminar para impedir a prisão até que os trabalhos fossem retomados. Conseguiu.
Negando haver qualquer benefício a Lula, a presidente Cármen Lúcia disse que o julgamento foi suspenso por limite físico dos ministros. Se a possibilidade de prisão de Lula era só uma expectativa naquele momento, ela se tornou real com a rejeição dos embargos de declaração da defesa do petista pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) no último dia 26. Concluído o processo em segunda instância, Lula só não foi para a cadeia graças ao salvo-conduto do STF.
Paralelamente a isso, correm na Corte duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) em que os ministros podem rever o entendimento que autorizou a prisão antes da conclusão do processo em todas as instâncias — esse é o argumento central da defesa de Lula, o de que é inconstitucional a prisão antes de esgotados todos os recursos. Cármen Lúcia resiste em colocar em julgamento essas ações, nas quais se discute se deve prevalecer a tese de presunção de inocência até o trânsito em julgado. Ao pautar o HC de Lula, a ministra transferiu o debate para a figura do petista.
Forma-se no Supremo uma tendência de uma solução intermediária: a prisão só passar a valer com decisão do Superior Tribunal de Justiça. Mas com Lula no centro da questão, há maior pressão para que os ministros mantenham o entendimento da prisão antecipada.
O fiel da balança é a ministra Rosa Weber, que tende a alinhar-se à corrente favorável a esta revisão, mas em casos de habeas corpus tem aplicado o atual entendimento da Corte em detrimento de sua convicção pessoal.
Conhecidas por também absorverem um forte componente político, as decisões do Supremo são capazes de desafiar qualquer lógica cartesiana. A surpresa com a sessão do último dia 22 de março mostrou que um elemento extra pode entrar nesta equação: a improbabilidade. As reações indignadas e o desgaste que vieram na sequência podem afastar a chance de prosperar qualquer iniciativa que não seja julgar o HC de Lula. Mas, do Supremo, pode-se esperar tudo.
VEJA ouviu especialistas em julgamentos desse tipo e listou tudo o que pode ocorrer no STF na sessão marcada para quarta-feira, 4. E colocou qual temperatura tem neste momento cada uma das alternativas. O “termômetro” do julgamento será atualizado até o dia da sessão dependendo dos movimentos de bastidores que, inevitavelmente, irão ocorrer.
Essas são as hipóteses:
Conclusão do julgamento
Diante do desgaste e da péssima repercussão com o adiamento, este é o cenário mais provável. Neste caso, os ministros concedem ou negam o habeas corpus pedido por Lula. Se permitirem ao petista recorrer em liberdade, falta saber até que ponto. Isso porque forma-se nos bastidores um solução intermediária entre a prisão em segunda instância e após o trânsito em julgado, sendo o Superior Tribunal de Justiça o último grau de recurso. Mas essa tese tem força no âmbito das ADCs em que se discute o mérito. No caso de HC, a decisão pode ir para o tudo ou nada.
Adiamento da sessão
Votos demorados, apartes, discussões e outras “intempéries” a que os ministros estão sujeitos em plenário podem levar à interrupção da sessão, repetindo o desfecho da reunião de 22 de março. Neste caso a votação seria retomada na quinta-feira, em uma sessão extraordinária, ou na semana seguinte, em um dos encontros semanais dos ministros.
Pedido de vista
Em tese, não há nada que demande pedido de vista para que algum ministro possa se inteirar melhor do caso, já que ele deve responder a uma questão simples e o processo é conhecido. Entretanto, o pedido de Lula tem forte carga política e a medida pode ser uma manobra de algum ministro para forçar a presidente Cármen Lúcia a incluir em pauta das ADCs 43 e 44, que tratam do mérito da prisão em segunda instancia e que pode rever o entendimento atual da Corte. Para isso acontecer, o ministro deveria estar disposto a suportar o inevitável desgaste junto à opinião pública, pois a liberdade de Lula estaria garantida enquanto não houver decisão.
Questão de ordem
Seria inovador, mas algum ministro ou a própria defesa pode pedir que as ADCs sejam julgadas antes do recurso de Lula. A ideia seria analisar primeiro a questão geral da prisão em segunda instância para depois avaliar o caso específico de Lula. Do lado dos advogados do petista, é um cálculo arriscado, uma vez que o HC tem caráter emergencial, mas não absurdo do ponto de vista da defesa, que tem o direito de fazer tudo o que está a seu alcance em benefício de seu cliente. Se funcionar, o petista garante mais tempo em liberdade enquanto o Supremo decide sobre o mérito da prisão em segundo grau.
Mudança na pauta
Seria muito surpreendente, mas, em tese, é possível que Cármen Lúcia decida pautar as ADCs para serem julgadas no dia 4, atropelando o HC de Lula. Isso só aconteceria se a presidente do Supremo cedesse à pressão da corrente de ministros (hoje são seis, a maioria da Corte) que quer rever a prisão antecipada antes de julgar o caso específico do petista, adotando um entendimento de aplicação geral. Igualmente improvável é o julgamento do habeas corpus simplesmente ser transferido para outro dia.